Mandela é um “gigante”, diz Cavaco Silva
O Presidente da República, Cavaco Silva, lembrou hoje o antigo presidente sul-africano e prémio Nobel da Paz Nelson Mandela como um “gigante” da contemporaneidade, que “apostava tudo no diálogo” e “negociação” para construir “uma sociedade justa”. (...)

Mandela é um “gigante”, diz Cavaco Silva
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-07-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Presidente da República, Cavaco Silva, lembrou hoje o antigo presidente sul-africano e prémio Nobel da Paz Nelson Mandela como um “gigante” da contemporaneidade, que “apostava tudo no diálogo” e “negociação” para construir “uma sociedade justa”.
TEXTO: Cavaco Silva recebeu no dia dedicado internacionalmente a Mandela, que completa hoje 93 anos, um grupo de jovens da academia Ubuntu, que forma para a liderança filhos de imigrantes e que tem no antigo líder sul-africano uma das inspirações. “Tive o privilégio de contactar com Nelson Mandela. Foi talvez uma das visitas que mais me marcou. Ele veio a Portugal em 1993, recebi-o como primeiro-ministro”, contou Cavaco Silva. O Chefe de Estado descreveu “um homem que tinha passado 27 anos na prisão e que revelava o mínimo ressentimento, a mínima vontade de vingança, apostava tudo no diálogo, na negociação, para construir uma sociedade sem apartheid, uma sociedade justa”. “Um gigante do nosso tempo”, concluiu Cavaco Silva, recordando um artigo que escreveu sobre Mandela quando o prémio Nobel da Paz completou 90 anos. “É grande a vossa responsabilidade, dado que têm como inspirador um homem com esta grandeza”, afirmou aos jovens a quem desejou “o maior sucesso no contributo para melhorar a situação da comunidade” em estão inseridos. Cavaco Silva descreveu Portugal como “uma nação de muitas nações”, em que “há uma preocupação de que todos convivam de uma forma amiga”. “Não sei se existem muitos outros países em que haja um esforço, um esforço claro para a convivência de todas as comunidades”, afirmou. Cavaco Silva e a mulher ajudaram os jovens da academia Ubuntu no lançamento de 67 balões coloridos, tantos quanto durou a luta de Nelson Mandela pelo fim do apartheid, para construir a sociedade multicultural e multirracial a que chama de “nação arco-íris”. Antes, o Presidente ouviu alguns jovens da academia. Ana Fernandes, de 31 anos, licenciada em animação sócio-cultural, lembrou Mandela como um “exemplo para o mundo pela sua luta contra o racismo e em defesa da paz”. Sobre o projecto da academia Ubuntu, Ana Fernandes disse ser “um sinal muito claro de que também em Portugal se procuram concertar medidas que promovam a erradicação da discriminação e tornem mais efectivas a participação e a inclusão de todos os jovens negros nascidos em Portugal e das suas famílias”. Cerca de 40 jovens da Grande Lisboa foram seleccionados para a academia a partir da indicação de associações de imigrantes, culturais e de bairro, juntas de freguesia e câmaras municipais, e projectos do programa “Escolhas”. Apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Universidade Católica, o projecto, que pela primeira vez se realiza em Portugal, inclui formações que duram um ano lectivo e culminará numa conferência em Outubro, passando por uma viagem à África do Sul em Setembro.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
A orquestra que é um mundo tem o som da nova Lisboa
Lisboa não é só portuguesa. É também indiana, africana, sul-americana. O primeiro concerto da Orquestra Todos é esta noite, no Intendente. (...)

A orquestra que é um mundo tem o som da nova Lisboa
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento 0.268
DATA: 2011-09-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Lisboa não é só portuguesa. É também indiana, africana, sul-americana. O primeiro concerto da Orquestra Todos é esta noite, no Intendente.
TEXTO: De Portugal, tinha apenas uma cidade no nome. Max Lisboa chegou do Brasil há sete anos. Nessa altura tinha mulher, queria fazer dinheiro para a família. Veio para trabalhar, acabou a tocar na rua, para os turistas, que lhe vão dando o bastante. Max também compõe, mas cantar originais na rua "não compensa". O melhor é cantar "aquilo de que as pessoas gostam". Um dia, Francesco Valente, um músico italiano a viver em Portugal que procurava outros músicos para uma orquestra multicultural que estava a ser criada em Lisboa, passou por ele, gostou e fez-lhe a proposta. De repente, Max estava numa sala no Intendente, frente a Mario Tronco, maestro da Orquestra Todos, e a Pino Pecroelli, director musical. Como uma orquestra não é a rua e nesta, em particular, é suposto ser a identidade dos músicos a construí-la, Mario e Pino usaram duas composições de Max, que depois foram trabalhadas. Maria bonita e lampião e outra que "não tem nome ainda mas pode ser Grito da terra". Já desde Junho, altura dos primeiros ensaios da Orquestra Todos, que as janelas do Sport Clube Intendente (SCI) deitam música para a rua, a que o Largo do Intendente Pina Manique, em Lisboa, já se habituou. Hoje, às 21h, os músicos saem do edifício para o primeiro concerto da orquestra, num palco montado no largo em que têm ensaiado para o Todos - Caminhada de Culturas, um festival de culturas que propõe uma viagem pelo mundo sem sair da Mouraria e que termina esta noite. No mesmo largo onde a Orchestra di Piazza Vittorio, também dirigida por Mario Tronco, deu um concerto na edição de 2009 do Todos. Mario costuma contar que quando olhou para o público viu que era igual aos seus músicos e que, por isso, teve vontade de criar uma nova orquestra de culturas no Largo do Intendente, tal como fizera em Itália em 2002, numa espécie de protesto contra a lei "Bossi-Fini", que criminalizou a imigração ilegal. "Uma liberdade absoluta"O SCI é um lugar num edifício que parece devoluto onde os sócios se encontram para jogar cartas ou bilhar enquanto bebem cervejas, ou apenas para uma conversa e um cigarro à janela, contemplando a calma do largo. Foi aí que se fez a orquestra. A maioria dos seus 14 músicos são profissionais, como Susana Travassos, uma portuguesa numa orquestra do mundo que se junta em Lisboa, que tem usado a música como forma de intercâmbio entre as culturas portuguesa e brasileira e a quem este projecto "veio abrir novos horizontes", como ela diz. "Para além da parte musical, que é muito interessante, consistente, bonita, este projecto vai muito para além disso", acredita. "Um dos músicos nem fala português, é incrível ver as barreiras que a música consegue quebrar. "Susana está a falar de Ali Regep, um romeno de origem turca. Anda sempre pelas ruas de Lisboa - do Chiado à Mouraria, passando pela Baixa, não é difícil encontrá-lo. A partir de uma gravação do que canta pelas ruas, compuseram uma música, que Ali cantará esta noite. No primeiro disco que Susana gravou, Oi Elis, uma homenagem à brasileira Elis Regina, decidiu recriar o universo da cantora. "Mas não vou para lá [Brasil] cantar com sotaque do Brasil. " O que faz na Todos não será muito diferente. Pediram-lhe, por exemplo, que cantasse uma música napolitana "à portuguesa". Esta orquestra é isto, uma amálgama de toda a diversidade possível em Lisboa. "Temos músicos muito diferentes, uma liberdade absoluta, que aproveitámos para fazer um repertório muito diverso, que pode parecer não ter ligação, mas que é o som desta cidade", explica o maestro. "É o som da nova Lisboa: indiana, africana, sul-americana. "Bollywood no Intendente
REFERÊNCIAS:
Entidades OI
"Dia D" para Cabo Verde também se decide em Portugal
“Mesti muda” – “é preciso mudar”. Este tem sido um dos slogans da oposição na campanha para as legislativas de hoje em Cabo Verde. Mas há quem prefira apostar na continuidade, como Aboubacar Barry, de 29 anos. Votou no Partido Africano de Independência de Cabo Verde (PAICV), governado por José Maria Neves. “Se o PAICV vencer vai continuar a desenvolver o país e promover o crescimento económico”, disse. (...)

"Dia D" para Cabo Verde também se decide em Portugal
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-02-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Mesti muda” – “é preciso mudar”. Este tem sido um dos slogans da oposição na campanha para as legislativas de hoje em Cabo Verde. Mas há quem prefira apostar na continuidade, como Aboubacar Barry, de 29 anos. Votou no Partido Africano de Independência de Cabo Verde (PAICV), governado por José Maria Neves. “Se o PAICV vencer vai continuar a desenvolver o país e promover o crescimento económico”, disse.
TEXTO: De Caminha a Portimão, incluindo a região autónoma dos Açores, são 48 as assembleias de voto espalhadas por Portugal. É nos Estados Unidos que se concentra a maior comunidade cabo-verdiana a nível mundial, mas é aqui que está o maior número de eleitores (12600). E há mais cabo-verdeanos a residir no estrangeiro do que no seu próprio país. “Espero que independentemente de quem ganhe as eleições, melhore Cabo Verde em diversos aspectos”, disse uma jovem de 22 anos que preferiu não identificar-se, tal como a maioria dos eleitores que hoje foram votar a Alfornelos, na Amadora, um dos conselhos onde vive grande parte da comunidade cabo-verdeana residente em Portugal (para além de Sintra, Loures e Lisboa). Segundo o último relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 2009, a comunidade cabo-verdeana é a terceira com maior peso, só ultrapassada pela brasileira e ucraniana. Aboubacar veio para estudar mas decidiu ficar a trabalhar como analista de crédito. “Se o MpD [Movimento para a democracia, o principal partido da oposição] ganhar vamos entrar num período de estagnação”, justifica. Não sabe se vai voltar a Cabo Verde até porque se sente bem integrado em Portugal, como a maioria dos entrevistados pelo PÚBLICO. Mas ainda assim, “qual é o filho que não quer voltar para a sua mãe e pai?, diz Joaquim Varela, de 65 anos. “Quero voltar para a minha terra, mas lá não há dinheiro, não há trabalho, por isso não tenho essa possibilidade”, afirmou. Em Portugal desde 1972, foi votar “para cumprir o seu dever”, admitindo não estar muito familiarizado com a realidade do país onde nasceu. Keila, de 20 anos, emigrante ilegal, também foi às urnas apenas para cumprir o seu dever porque “nenhum dos partidos, quer o MpD quer o PAICV, tem ajudado” a desenvolver Cabo Verde. A bipolarização tem sido uma constante da democracia representativa cabo-verdiana: Carlos Veiga, o líder do MpD, comandou os destinos do país entre 1991-2001; José Maria Neves desde 2001 até agora. Contudo, para Keila, “mesti muda”, como tem defendido o MpD. Apesar de enfrentar uma situação difícil em Portugal, sem estudar, sem trabalhar, sem documentos e com uma filha para cuidar, Keila não pensa regressar. “Aqui sempre há uma saída, em Cabo Verde não”, diz. O país da morabeza (amabilidade), dos 365 dias de sol, da cachupa (prato típico), tem gozado de um clima de estabilidade favorável nas suas relações externas. Registando um Índice de Desenvolvimento médio e detentor de uma parceria especial com a União Europeia, Cabo Verde parece estar “no bom caminho”, como diz Cláudia Lopes, de 31 anos, que foi hoje às urnas. Há quem aponte que o clima de estabilidade que goza este país africano, ao contrário de muitos outros com constantes convulsões políticas, se deve à sua falta de recursos naturais. Sendo este um dos motivos ou não, a grande vencedora parece ser a democracia.
REFERÊNCIAS:
Entidades SEF
Morreu Marc Riboud, o fotógrafo da China de Mao e da "rapariga da flor"
Histórico do fotojornalismo francês, notabilizou-se pela cobertura da China da revolução comunista e das independências africanas, mas foi por causa de uma manifestação em Washington que ficou na memória de muitos. Tinha 93 anos. (...)

Morreu Marc Riboud, o fotógrafo da China de Mao e da "rapariga da flor"
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Histórico do fotojornalismo francês, notabilizou-se pela cobertura da China da revolução comunista e das independências africanas, mas foi por causa de uma manifestação em Washington que ficou na memória de muitos. Tinha 93 anos.
TEXTO: Recebeu a sua primeira máquina fotográfica, uma Kodak Vest Pocket, quando tinha 14 anos. Foi um presente do pai, o mesmo que insistiu para que estudasse Engenharia. Marc Riboud, um dos históricos do fotojornalismo francês, morreu na terça-feira em Paris, aos 93 anos, noticiou a AFP. Segundo o diário norte-americano The New York Times, sofria de Alzheimer. Mesmo os que não conhecem o seu trabalho, é muito provável que já se tenham cruzado com alguma das suas fotografias da China de Mao, do Vietname ou do Camboja. Mesmo os que nunca viram as suas reportagens no Extremo Oriente e no continente africano – fotografou intensamente o Japão e os processos independentistas – é natural que já tenham sido confrontados com uma das suas imagens mais celebradas, a de uma jovem chamada Jan Rose Kasmir que, segurando apenas uma flor, enfrenta a Guarda Nacional Americana durante uma manifestação no Pentágono em 1967, um protesto que viria a ser fundamental para colocar a opinião pública definitivamente contra a Guerra do Vietname. Trabalhando para importantes publicações ao longo de mais de 60 anos de carreira – Life, Geo, National Geographic, Paris-Match, Stern, Look, The Observer, The Times –, chegando a assinar alguns dos textos que acompanhavam as suas grandes reportagens fotográficas, Riboud deu-nos sempre a sua visão humanista do mundo. É essa abordagem sensível à realidade, sublinhada por críticos e historiadores da fotografia a cada nova exposição sua, a cada novo livro, que os obituários agora evocam. Isto, a par da mestria com que dominava o preto e branco e a cor, criando imagens que ficavam impressas na memória, cristalizando momentos da história através de lugares e protagonistas, como o Presidente da Polónia Lech Walesa, o líder comunista vietnamita Ho Chi Minh, o fundador da República Popular da China Mao Tsetung, o histórico revolucionário cubano Fidel Castro ou o oficial nazi Klaus Barbie, o "carniceiro de Lyon", condenado por crimes contra a humanidade em 1987. “Marc foi o homem que mais fotografias históricas fez durante a vida”, disse ao diário francês Le Monde Jean-François Leroy, director do festival de fotojornalismo Visa pour l’image, em Perpignan, que nesta edição consagra uma das exposições a Riboud, centrando-se na sua reportagem em Cuba, em 1963, ano em que teria a sua primeira individual, no Art Institute de Chicago. “Muitos fotógrafos se inspiraram nele sem jamais o igualar. ” É também o seu talento para se aproximar das pessoas e captar a realidade em momentos-chave que Alain Genestar, director da revista Polka, especializada em fotojornalismo, destaca: “Marc Riboud era um fotógrafo-andarilho (…). Sabia captar tão bem momentos singulares, com grandes figuras mundiais, como cenas de rua. ”Colocado perante momentos que ficariam para a história, Marc Riboud não foge às figuras que são notícia, mas também não se concentra exclusivamente nelas. Das centenas e centenas de fotografias que tirou em países como a China, o Camboja, o Bangladesh, a Índia, o Tibete, o Paquistão, a Turquia ou o Japão, apenas um punhado se centra em pessoas, sobretudo líderes políticos, que viriam a merecer a atenção de historiadores e outros académicos, escreve o New York Times, num texto em que noticia a sua morte e em que lembra, entre outras coisas, que o fotojornalista francês sempre soube encontrar “momentos de graça” nas situações mais duras com que se foi cruzando em todo o mundo, muitas delas em cenários de conflito. Riboud fotografa os incontornáveis – de Charles de Gaulle ao ayatollah Ruollah Khomeini, de Mikhail Gorbatchov a Indira Gandhi, passando por Willy Brandt, Winston Churchill, Jawaharlal Nehru e Deng Xiaoping – mas também os miúdos que parecem brincar aos polícias e ladrões nas ruas de Xangai, as mulheres rodeadas de crianças numa fonte de Istambul, as festas de aristocratas na Irlanda do final dos anos 70 ou dois homens à conversa numa esquina de Argel, em 1963, um ano depois de declarada a independência da ex-colónia francesa. Nascido em 1923, perto de Lyon, numa família de banqueiros e industriais, Marc Riboud recebeu do pai, fotógrafo amador, a primeira câmara, um instrumento com que este esperava compensar a timidez do quinto dos seus sete filhos. “Se não sabes falar, talvez saibas olhar”, ter-lhe-á dito, escreve esta quarta-feira o jornal Libération. No começo a fotografia é apenas o passatempo de um rapaz burguês que fizera algumas imagens na Exposição Universal de Paris, em 1937, e que em 1944 se iria juntar à resistência francesa para combater os alemães. Só nove anos mais tarde, e depois de completado o curso de Engenharia Mecânica em 1948, passa a ser uma ocupação a tempo inteiro e a título oficial, quando Riboud entra para a prestigiada agência Magnum, a convite de dois dos homens que a tinham fundado em 1947, Henri Cartier-Bresson e Robert Capa. Os dois fotojornalistas tinham visto nas páginas da revista Life aquela que viria a ser uma das suas fotografias mais reproduzidas – conhecida como “Pintor da Torre Eiffel”, mostra um operário em equilíbrio, de cigarro na boca, que parece saído de um filme de Chaplin. Cartier-Bresson, aliás, fora-lhe apresentado pouco tempo depois de Riboud se ter mudado para Paris, em 1952, passando a ser o seu mentor (Capa também ajudou). Dizia-lhe que livros ler e que exposições visitar, lembrou o fotojornalista ao New York Times: “Ensinou-me coisas sobre a vida e sobre a arte da fotografia. ” Mostrou-lhe, por exemplo, que uma boa fotografia também dependia de uma boa geometria (como no caso do operário chaplinesco) e que a olhar para as obras dos mestres da pintura antiga dos grandes museus se aprendia muito mais sobre composição do que a ler livros. Aprendia-se a criar algo intemporal. Com a chegada à Magnum, Marc Riboud transforma-se no viajante incansável que seria praticamente durante toda a sua vida. Em 1957 é um dos primeiros europeus a percorrer, fotografando, a China comunista, território que troca pelo Japão, primeiro, e depois pela URSS. Era lá que estava havia três meses quando é chamado para cobrir os movimentos independentistas na Argélia e na África subsariana (Gana, Nigéria, Guiné). Estava-se em 1960. O final dessa década – 1968/1969 – encontra-o no Vietname, território hostil, em guerra, onde poucos fotógrafos eram autorizados a entrar e ainda menos eram capazes de se movimentar sem dificuldades de maior entre o Norte e o Sul. Em 1973 está nos Estados Unidos para acompanhar o "caso Watergate", o grande escândalo político da Administração Nixon. Seis anos mais tarde, volta a cruzar-se com a América, desta vez em Teerão. Está a cobrir a revolução iraniana quando a embaixada dos EUA na capital é ocupada e os seus funcionários feitos reféns. Riboud fotografa intensamente para a agência precisamente até 1979, quando decide sair por não lhe agradar, explicou, a “luta pela glória” que ali se promovia. Nas décadas de 1980 e 90 regressa com frequência à Ásia, em particular à China, cujas mutações, registadas em dois livros (40 Ans de Photographie en Chine e Demain Shangai), acompanha durante 40 anos. Escreve o diário norte-americano que, ao contrário de alguns fotógrafos, que temem ver o seu trabalho reduzido a duas ou três imagens, Marc Riboud não se importava de explicar, uma e outra vez, em que circunstâncias tirara a fotografia do pintor na Torre Eiffel ou da “rapariga da flor”, garantindo que a nenhum deles pedira para posar. “Sempre fui tímido e sempre tentei ignorar as pessoas que fotografava para que elas também me ignorassem”, dizia o homem que em 2000, num ensaio a que deu o título de Pleasures of the Eye, resume assim a sua relação com a fotografia: “A minha obsessão é fotografar a vida naquilo que tem de mais intenso e o mais intensamente possível. É uma mania, um vírus tão forte como o meu instinto de liberdade. ”Objecto de grandes exposições em Paris, Londres, Xangai, Tóquio ou Nova Iorque, Marc Riboud recebeu inúmeros prémios ao longo da sua carreira (o Infinity Award do Centro Internacional de Fotografia, o Leica de Carreira e o Nadar) e publicou vários livros, entre eles L’Instinct de l’Instant e Vers l’Orient. Mas isso nunca impediu que se sentisse “envergonhado” ao falar do seu trabalho. Para ele fotografar era andar à procura de uma surpresa visual, dentro de uma forma bem estruturada, sem a pretensão de ser uma testemunha da história. “Testemunha”, aliás, era palavra de que não gostava. É verdade que assistiu a momentos-chave do século XX, mas também é verdade que rejeitava associar o termo “objectividade” a fotojornalismo ou a outra coisa qualquer. “A ideia da fotografia como prova é pura treta”, dizia numa conversa com outro fotógrafo da sua geração, o croata Frank Horvat (1928-). “A fotografia não dá mais provas de uma realidade do que aquilo que alguém diz numa conversa de autocarro. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Viajava por alguns países – China, Vietname, ex-Jugoslávia, Índia – com a certeza de que regressaria, mesmo quando isso o colocava em risco. “Sinto-me atraído pelo perigo, tal como me sinto atraído por uma mulher bonita”, admitia. Para Riboud a surpresa residia na possibilidade de voltar a olhar para um lugar que já conhecia para nele descobrir coisas novas e não na chegada a um lugar novo. Num dos trabalhos que põe em destaque no seu site oficial, publicado originalmente no livro Le Trois Bannières de la Chine e depois na revista Camera, em 1967, explica por que razão “a única maneira de descobrir a China é olhando para ela”: “Em qualquer outro sítio o contacto humano ajuda. Na Argélia, em Varsóvia, São Francisco, Cuba, Moscovo, etc. Inumeráveis trocas e conversas com estudantes, membros de sindicatos e artistas ajudam a completar e acrescentam significado às nossas impressões visuais. Isto não é possível na China. Para um estrangeiro, mesmo que fale chinês, a comunicação directa e espontânea praticamente não existe. Não são só a linguagem e os costumes que são diferentes. A própria maneira de pensar e as razões para viver são mais umas cortinas a mascarar a fachada oriental. (…) É por isso que é melhor ver do que ouvir. ”Regressar era importante para alguém que acreditava que “a fotografia não pode mudar o mundo, mas pode mostrar o mundo, sobretudo quando ele muda”. Mostrá-lo com a câmara sempre a funcionar como um escudo, como uma desculpa para se aproximar das pessoas, algo que lhe seria terrivelmente difícil sem esse intermediário.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Atletas de países com ébola impedidos de participar nos Jogos Olímpicos da Juventude
Competição começa no sábado com limitações devido ao vírus no continente africano. (...)

Atletas de países com ébola impedidos de participar nos Jogos Olímpicos da Juventude
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-08-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Competição começa no sábado com limitações devido ao vírus no continente africano.
TEXTO: Alguns dos atletas dos países africanos afectados pelo ébola não poderão participar na segunda edição dos Jogos Olímpicos da Juventude, que começam no sábado em Nankin, China, anunciou esta sexta-feira o Comité Olímpico Internacional e a organização do evento. Em comunicado é avançado que os “atletas que venham de regiões infectadas não poderão participar nas competições de combate [dois atletas], nem de natação [uma pessoa]”. Não são revelados os países em causa. Os atletas oriundos de países onde foi confirmada a presença do vírus que estão autorizados a participar nos Jogos vão estar sujeitos a medições regulares da temperatura corporal e exames físicos durante as duas semanas de competições. Apesar das medidas de precaução agora anunciadas, o comunicado sublinha que as autoridades chinesas afirmam estar preparadas para reagir em caso da presença do ébola. “Lamentamos que devido a este problema, certos jovens atletas sofram duplamente, com a ansiedade causada pela epidemia no seu país e por não poderem participar nos Jogos”, conclui a nota. Os últimos números da Organização Mundial da Saúde dão conta de 1975 pessoas infectadas pelo ébola e 1069 mortes. Entre 10 e 11 de Agosto, a Libéria teve 71 novos casos, a Serra Leoa 53, a Guiné-Conacri quatro e a Nigéria nenhum. O vírus causa uma febre hemorrágica, os primeiros sintomas podem aparecer entre o segundo e o 21º dia depois de se ter ficado infectado. Há dores, febre e os sintomas podem evoluir depois para vómitos, diarreias e até hemorragias. Os Jogos Olímpicos da Juventude foram criados em 2007, sendo que a primeira edição decorreu três anos depois em Singapura. Nas provas competem jovens com idades entre os 15 e os 18 anos. Na edição deste ano em Nankin, são esperados 3700 atletas, cujo objectivo é conseguirem qualificações para os Jogos Olímpicos de Verão, no Rio de Janeiro, em 2016.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ansiedade
África: o continente desigual tem dezenas de multimilionários
Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola e empresária, está entre as três multimilionárias do continente africano, segundo a revista Ventures, que publica pela primeira vez uma lista dos mais ricos. (...)

África: o continente desigual tem dezenas de multimilionários
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento -0.2
DATA: 2013-10-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola e empresária, está entre as três multimilionárias do continente africano, segundo a revista Ventures, que publica pela primeira vez uma lista dos mais ricos.
TEXTO: África tem mais multimilionários do que se pensava e muitos mais do que há uma década. A revista especializada em Economia e Negócios Ventures, com sede na Nigéria, chegou a essa conclusão depois de publicar a sua primeira lista dos “mais ricos” de África esta semana. Entre as 55 figuras com fortunas avaliadas em mais de mil milhões de dólares (800 milhões de euros) no continente, estão três mulheres. Uma delas é Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola. A empresária tem reforçado a sua presença nos sectores da banca e das telecomunicações. Em Angola, conta entre os seus investimentos com uma participação de 25% no banco BIC (também presente em Portugal, onde adquiriu o BPN) e é uma das principais accionistas da operadora de telecomunicações Unitel (accionista do banco que o BPI detém neste país). Também em Angola associou-se à Sonae (dona do PÚBLICO) para lançar a insígnia de retalho Continente (prevendo-se as primeiras aberturas de lojas em 2015) e à Zon, tendo lançado, através de uma sociedade onde detém a maioria do capital, um serviço de televisão por satélite. Em Portugal, domina a Zon Optimus juntamente com a Sonae, é accionista (via Amorim Energia) da Galp Energia e detém 19, 5% do BPI. Graças a esta expansão, entrou também, pela primeira vez este ano, na lista dos mais ricos de todo o mundo da revista norte-americana Forbes com fortunas acima dos dois mil milhões de dólares (1600 milhões de euros). Na lista mais restrita das 40 figuras mais ricas de África, da Forbes, Isabel dos Santos está no 31. º lugar com uma fortuna estimada em três mil milhões de dólares (2300 milhões de euros). Entre os 736 multimilionários eleitos este ano, a filha de José Eduardo dos Santos surge como única representante de Angola. Na lista da Ventures, também. Os critérios para uma e outra lista são diferentes; se Isabel dos Santos foi eleita pela Forbes a “mais rica de África”, a Ventures elege antes a nigeriana Folorunsho Alakija, apresentada como a única mulher entre os “dez mais”. Além de ser dona da Famfa Oil, uma das petrolíferas que dominam a exploração na Nigéria, Folorunsho Alakija é estilista e criou uma marca de moda na Nigéria — a Supreme Stitches. Vale, segundo a Ventures, quase sete mil milhões de dólares. Isabel dos Santos junta-se a ela e à terceira mulher africana entre os 55 mais ricos de África – a viúva do primeiro Presidente do Quénia, Mama Ngina Kenyatta. O magnata nigeriano Aliko Dangote, com uma fortuna avaliada em 20 mil milhões de dólares (15 mil milhões de euros), é o mais rico de África. Tinha pouco mais de 20 anos quando se dedicou ao comércio do arroz, açúcar, farinha e cimento. Duas décadas mais tarde, era apontado como um modelo de sucesso por ter impulsionado o sector industrial do país, ao passar da comercialização para a produção. Mike Adenuga também é nigeriano — o segundo mais rico do país e o terceiro mais rico nos mais de 50 países do continente, segundo a Ventures. É o fundador da Globacom, empresa de comunicações móveis que chega a mais de 24 milhões de clientes na Nigéria, já conquistou o mercado do Benim e adquiriu licenças para operar no Gana e na Costa do Marfim. Mike Adenuga protagoniza uma das muitas histórias de sucesso que a Ventures pretende publicitar e invoca para compilar esta lista (“O dinheiro é apenas uma forma de medirmos o sucesso no mundo, mas importa”, escreve a revista. )O percurso do nigeriano, numa escala pessoal, vai ao encontro da tese, à escala do continente, defendida pelo professor da Universidade da Columbia nos Estados Unidos Jeffrey Sachs, segundo a qual a proliferação dos telemóveis pode explicar o boom económico nalguns países do continente, da mesma forma que o acesso à Internet pode vir a revelar-se uma importante ferramenta de desenvolvimento. Com os seus 55 multimilionários contabilizados pela Ventures, o continente africano andará a par da América Latina, que tem 51 “super-ricos” (identificados pela Forbes), e está muito longe da Ásia, com 399 multimilionários. No ranking “inaugural” desta revista, Nigéria (com 20 multimilionários) e África do Sul (com nove) são os países que reúnem as maiores fortunas pessoais no continente. Oito são do Egipto. Os 55 multimilionários superam os números esperados de 16 a 25, escreve o Financial Times, que atribui a diferença entre o previsto e o real a uma multiplicação de fortunas na última década, impulsionada pela subida dos preços do petróleo. O crescimento económico atingiu em média 5% ao ano desde 2000 em África, escreve o Financial Times, que aponta “a emergência de uma classe média” (embora “minúscula”) a par de um sentimento de persistente pobreza. A nova “alvorada” (como lhe chama a BBC) ou as melhorias (que o FT identifica nas estatísticas do Banco Mundial) não escondem uma realidade: a tendência é positiva mas o número de pessoas em África a viver com menos de um euro por dia continuava, em 2010, nos 48, 5%. E se a fortuna dos 55 mais ricos de África, de acordo com a Ventures, totaliza 145 mil milhões de dólares (110 mil milhões de euros), o fundador da Microsoft Bill Gates terá sozinho metade disso. com L. V.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Teme-se uma situação explosiva na República da África do Sul
A oposição sul-africana ao Governo do Congresso Nacional Africano (ANC) avisou que o assassínio do líder de extrema-direita Eugène Terre'Blanche poderá criar uma situação potencialmente explosiva, trazendo de novo a lume todas as tensões dos tempos do apartheid. (...)

Teme-se uma situação explosiva na República da África do Sul
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-04-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: A oposição sul-africana ao Governo do Congresso Nacional Africano (ANC) avisou que o assassínio do líder de extrema-direita Eugène Terre'Blanche poderá criar uma situação potencialmente explosiva, trazendo de novo a lume todas as tensões dos tempos do apartheid.
TEXTO: “Ninguém tem o direito de exercer justiça pelas suas próprias mãos”, disse o Presidente Jacob Zuma, que é de igual modo o líder do ANC, partido maioritário desde as primeiras eleições multipartidárias e multirraciais efectuadas na África do Sul, em 1994, após o fim do regime segregacionista. “É neste contexto que a morte de Terre'Blanche deve ser condenada, independentemente da forma como os seus assassinos pensem que teriam alguma justificação. Não tinham o direito de lhe tirar a vida”, diz um comunicado distribuído pelo gabinete de Zuma. Este crime verificou-se numa altura de crescente polarização racial na República da África do Sul, bem patente na polémica sobre o facto de a justiça ter ilegalizado uma canção que costumava ser cantada pelo líder da ala juvenil do ANC, com o refrão “Morte ao Boer”. E a verdade é que Eugène Terre'Blanche sempre se apresentou como o supra-sumo dos boers (fazendeiros, em holandês), os sul-africanos de ascendência holandesa, francesa e alemã, politicamente mais à direita do que os seus compatriotas brancos de ascendência britânica. Estes têm assumido tradicionalmente uma postura relativamente liberal. O Movimento de Resistência Afrikaner (AWB), de Terre’Blanche, afirmou que vingaria o assassínio do seu líder carismático, mas também aconselhou os seus militantes a não actuarem antes de uma reunião que, no dia Primeiro de Maio, deverá determinar o futuro do grupo, cuja intenção tem vindo a ser a proclamação de uma república boer independente, um Boerestaat, como chegou a haver no século XIX, quando era clara a supremacia branca, não tendo os negros quaisquer direitos. “A acção específica será decidida na nossa conferência”, declarou Andre Visagie, secretário-geral do movimento, cuja bandeira é muito parecida com a nazi: em vermelho, branco e negro, tem ao centro um símbolo que se apresenta como que uma derivação da cruz suástica. Terre’Blanche, de 69 anos, estava a aparecer pouco em público desde que em 2004 foi libertado da cadeia, depois de ter cumprido três dos cinco anos a que fora condenado por tentativa de assassínio. Vivia discretamente, ao contrário dos seus antigos desfiles a cavalo, mas o seu partido andava há dois anos a procurar ganhar novo fôlego e a criar uma frente unida com outras forças da extrema-direita. À direita de Salazar e de SmithO Afrikaner Weerstandsbeweging (AWB) foi fundado em 1970, para combater o que pessoas como Eugène Terre’Blanche consideravam a linha liberal do primeiro-ministro John Vorster, que tinha sido encarado no resto do mundo como um nacionalista de extrema-direita, aliado dos regimes do rodesiano Ian Smith e do português Oliveira Salazar. A sua intenção era criar na África do Sul estados só para brancos, onde os negros apenas poderiam entrar para trabalhar, sem quaisquer direitos de cidadania ou de residência. E chegou a ameaçar tomar o poder pela força se acaso o Governo branco capitulasse perante o ANC, que existia desde 1912 e que travou uma longa luta para acabar com o apartheid. Ebrahim Fakir, analista do Electoral Institute of Southern Africa, disse hoje à rede de televisão Al Jazira ser improvável que a causa dos extremistas brancos que era personificada por Eugène Terre’Blanche morra com ele. E é um facto que os brancos continuam a deter grande parte do poder económico e das terras, apesar de a maioria negra ter assumido há 16 anos a governação. O arcebispo emérito da Cidade do Cabo, Desmond Tutu, disse há pouco tempo, no vigésimo aniversário da libertação de Nelson Mandela, que nem tudo são rosas na África do Sul, país de 49 milhões de habitantes onde os brancos ganham em média sete vezes mais do que os negros e pelo menos uma em cada quatro pessoas não tem emprego. “Quando olhamos à nossa volta e vemos o número dos nossos compatriotas a viver na miséria, a frequentar escolas sub-equipadas ou a acamar-se como sardinhas em pequenos autocarros inseguros, interrogamo-nos sobre quando é que o fruto da democracia chegará às mesas de todo o nosso povo”, disse o prelado, distinguido em 1994 com o Prémio Nobel da Paz. Mais de um milhão de famílias vivem em casas sem água corrente nem saneamento básico, em 2600 enormes bairros de barracas, apesar de a África do Sul ser a maior economia de todo o continente africano. A esperança de vida é de apenas 53 anos para os homens e 57 para os mulheres, enquanto mais de 10 por cento da população se encontra seropositiva e o índice de criminalidade é um dos maiores de todo o mundo. “Excluídos do antigo regime não estão hoje muito melhor”“Os excluídos do antigo regime não estão hoje muito melhor”, destacou nessa altura a AFP, para mostrar que nem tudo tem vindo a correr pelo melhor desde que a figura mais carismática do ANC foi libertada da cadeia e o Presidente Frederik de Klerk decidiu acabar com o sistema de apartheid. O rendimento mensal médio dos negros aumentou 37, 3 por cento, desde 1994, o ano em que se realizaram as primeiras eleições abertas a toda a população e em que Mandela substituiu De Klerk na chefia do Estado. Mas o dos brancos, ironicamente, subiu 83, 5 por cento, tendo sido esta minoria financeiramente beneficiada com as mudanças destas duas últimas décadas. Foi neste contexto de profundo descontentamento de alguns negros por não existir ainda um maior equilíbrio e mais justiça na sociedade sul-africana que se verificou agora o assassínio do símbolo máximo do racismo branco, erguendo de novo o fantasma de um regresso aos ódios do passado. Segundo a agência noticiosa sul-africana Sapa, Terre’Blanche teria sido espancado até à morte, ontem à noite, na sua fazenda, por dois trabalhadores negros, respectivamente de 16 e de 21 anos, os quais alegaram que não estavam a ser pagos, sentindo-se portanto como escravos. E isto poderá funcionar como o rastilho para que venha à luz do dia muita tensão acumulada.
REFERÊNCIAS:
João Silva continuou a fotografar mesmo depois de ter ficado com pernas em parte decepadas por mina
O fotógrafo português João Silva, detentor de passaporte sul-africano, perdeu parte das pernas e sofreu hemorragias internas devido à explosão da mina que pisou no Afeganistão; mas mesmo assim continuou a tirar fotografias enquanto os paramédicos o tratavam, contou o jornal para o qual trabalha, o “The New York Times”. (...)

João Silva continuou a fotografar mesmo depois de ter ficado com pernas em parte decepadas por mina
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-10-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O fotógrafo português João Silva, detentor de passaporte sul-africano, perdeu parte das pernas e sofreu hemorragias internas devido à explosão da mina que pisou no Afeganistão; mas mesmo assim continuou a tirar fotografias enquanto os paramédicos o tratavam, contou o jornal para o qual trabalha, o “The New York Times”.
TEXTO: Também sofreu ferimentos na zona pélvica, contou um porta-voz do jornal, Robert Christie, num e-mail enviado ontem para a agência noticiosa sul-africana SAPA. "A repórter Carlotta Gall comunicou que o João continuou a tirar fotos depois da explosão, enquanto lhe aplicavam torniquetes, lhe davam morfina e o conduziam ao helicóptero”, disse Christie. Entretanto, contactado pelo PÚBLICO, o mesmo porta-voz do "The New York Times", manifestou a esperança de que o destacado profissional ainda possa voltar à actividade, apesar de toda a gravidade dos sofrimentos sofridos e pelos quais tem recebido muitas mensagens de solidariedade. Ontem à noite o fotógrafo luso-sul-africano seguiu para a base aérea de Bagram, perto de Cabul, a capital afegã, a fim de as suas feridas serem limpas e se proceder a mais exames, antes de uma prevista viagem para a Alemanha. A mulher de João Silva, Vivian, recebeu do cirurgião uma circunstanciada e dolorosa exposição de todo o processo, com o pormenor de que o destacado profissional do fotojornalismo é “extremamente forte”, aguentando da melhor maneira que lhe é possível os tormentos por que está a passar. Vivian deverá tomar nas próximas horas um avião da África do Sul para a Alemanha, a fim de se juntar ao marido, depois do “The New York Times” lhe ter conseguido arranjar um visto de urgência. O casal tem dois filhos, uma menina de seis anos e um rapaz de cinco. Inicialmente, João Silva, de 44 anos, natural da área de Lisboa, foi conduzido à base militar norte-americana de Kandahar, de onde transitou para Bagram, a caminho da Europa. O fotógrafo pisou a mina quando percorria uma área perto da cidade de Arghandab, contou o seu jornal. Nenhum soldado norte-americano foi ferido na explosão, mas três sofreram o impacto da mesma. Um grupo de sapadores e de cães tinha já passado pela zona alguns passos à frente de João Silva quando a bomba deflagrou. Engenhos de fabrico rudimentar e minas contribuem para as frequentes baixas entre as tropas estrangeiras destacadas no Afeganistão. Mais do que qualquer outro tipo de armamento. Muitas das bombas são feitas com uma pequena quantidade de metal e por isso mesmo extremamente difíceis de detectar. João Silva e a sua colega Carlotta Gall viajavam com uma unidade da Divisão Aerotransportada 101. Os soldados norte-americanos andavam em missão a expulsar os rebeldes taliban de Arghandab e dos campos em redor, desde há semanas, no âmbito de um grande esforço para garantir a segurança de todo o território próximo de Kandahar. Silva tem fotografado guerras no Afeganistão, Iraque, África Austral, Balcãs e Médio Oriente. E tem ganho muitos prémios pelo seu trabalho, incluindo o The World Press Photo. É autor, juntamente com Greg Marinovich, de “The Bang-Bang Club”, crónica de um grupo de quatro fotógrafos que na década de 1990 cobriram a violência na África do Sul. Os outros dois eram Kevin Carter e Ken Oosterbroek, já falecidos. Notícia actualizada às 13h15
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Sete refugiados olham-nos nos olhos: e agora?
Sanctuary, de Brett Bailey, coloca os espectadores no labirinto burocrático e moral em que a União Europeia se transformou desde a crise migratória de 2015. Na nova instalação-performance do polémico encenador sul-africano – até dia 24 em Lisboa, a partir de dia 2 no Porto – não há cadeiras confortáveis, só arame farpado. (...)

Sete refugiados olham-nos nos olhos: e agora?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 Refugiados Pontuação: 18 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sanctuary, de Brett Bailey, coloca os espectadores no labirinto burocrático e moral em que a União Europeia se transformou desde a crise migratória de 2015. Na nova instalação-performance do polémico encenador sul-africano – até dia 24 em Lisboa, a partir de dia 2 no Porto – não há cadeiras confortáveis, só arame farpado.
TEXTO: Não é algo de que ele goste de se gabar, mas a realidade não tem parado de dar razão a Brett Bailey – só na última semana, por exemplo, a realidade deu-lhe 629 razões, uma por cada migrante resgatado pelo navio Aquarius que a Itália se recusou a receber (“Na nossa casa mandamos nós”, declarou para memória futura Matteo Salvini, o novo ministro do Interior, imediatamente aplaudido por 59% dos eleitores do país) e que após vários empurrões e o habitual non-sense europeu acabaram por encontrar um porto em Espanha. “Bom, e entretanto temos o ministro do Interior da Alemanha [Horst Seehofer] num braço-de-ferro com a chanceler [Angela Merkel], a ameaçar com deportações unilaterais. Definitivamente, as tensões na Europa estão a ficar descontroladas. E há mais tempestades a caminho”, diz o polémico encenador e artista visual sul-africano ao PÚBLICO, sempre no seu flow torrencial, antes de desligar o telefone. À hora em que nos dá esta entrevista sobre Sanctuary – a instalação-performance que até dia 24 acampa na Tobis Portuguesa, em Lisboa, e que de 2 a 7 de Julho sobe ao terceiro andar do Palácio dos Correios, no Porto –, Brett Bailey ainda não sabe que 86% dos alemães subscrevem a ideia de deportar os imigrantes ilegais rapidamente e em força, mas adivinha. Os meses que passou a visitar campos de refugiados, fronteiras “difíceis” e centros de acolhimento para migrantes e requerentes de asilo nos países europeus onde a questão migratória se tornou mais crítica foram bastante elucidativos – e antes disso já tinha aprendido tudo o que havia para aprender na África do Sul, “que após o fim do Apartheid, quando as fronteiras se abriram, se tornou a terra das oportunidades para milhões de pobres de toda a África subsariana” e, paralelamente, um viveiro de “violência xenófoba” que teve o seu apogeu em 2008, quando só numa semana 41 estrangeiros foram assassinados e 60 mil pessoas fugiram para campos de refugiados. Há mais de 15 anos que a África do Sul também é essa história pouco edificante de pobres contra pobres, e há mais de 15 anos que, com a sua Third World Bunfight, Brett Bailey a vem querendo contar nos seus espectáculos sempre apontados ao coração das trevas. Num dos últimos, Macbeth, que em 2014 trouxe ao Teatro Maria Matos, atirava à cara dos seus vizinhos africanos, mas também do Ocidente, a avidez com que os traficantes de diamantes e as multinacionais dos smartphones continuam a predar a República Democrática do Congo, onde nos últimos 20 anos se amontoaram 5, 5 milhões de cadáveres. Entretanto, como era de prever, África trouxe-o à Europa – Exhibit A (2010) e Exhibit B (2013), os seus esforços para denunciar a persistência dos “sistemas raciais” do colonialismo, visaram, respectivamente, o passado alemão da Namíbia e o passado belga da República Democrática do Congo – e aqui estava em 2015, quando as notícias cada vez mais apocalípticas sobre a “crise migratória” e os inquietantes sinais “do crescendo da resposta xenófoba” o puseram nervoso, ou seja desejoso de entrar em campo. O espectáculo a que chegou (muitos relatórios, muitas reportagens, muitos vídeos amadores, muitos documentários, muitas entrevistas presenciais e muitas visitas de estudo depois) é a sua maneira de dar voz às tensões “que estão a dilacerar a Europa” – vista de fora, diz, “a fractura é cada vez mais ostensiva”. E também a sua maneira de colocar os espectadores europeus, ainda que muito temporariamente, no labirinto burocrático e moral em que se transformou o lugar a que chamam casa, e que vários milhares de pessoas por ano morrem a tentar atingir. Aqui não há cadeiras confortáveis nem distância de segurança: apenas vedações, arame farpado, funcionários de rosto fechado, câmaras de vigilância e um fio de lã vermelho, cor de sangue, a conduzir o público, dividido por grupos de seis ou sete pessoas, até às histórias que Brett Bailey quis contar. Não são histórias reais. Mahmoud, o proprietário de uma loja de vestidos de Yarmouk, na Síria, que acaba sozinho com um bebé nos braços no campo de refugiados de Idomeni, na fronteira entre a Grécia e a Macedónia, ou Fatima, a vendedora de frutas e legumes de Turalei, no Sudão do Sul, que acaba em soutien num peep-show de Nápoles depois de uma odisseia de violências e violações, são ficções. Mas são ficções que nos olham directamente nos olhos, e nunca desviam o olhar. Tal como Simone, a reformada francesa, vizinha da “Selva” de Calais, que se entusiasma com os slogans xenófobos de Marine Le Pen na televisão, ou Marcel, o funcionário municipal alemão que até aplaudiu a disponibilidade de Angela Merkel para receber migrantes e refugiados mas agora acha sinistros os bandos de homens sem mulher e sem família que se juntam no jardim ao fim da tarde. São nove flashes, nove quadros-vivos da Europa tal como Brett Bailey a vê hoje. “Quis contar histórias similares às que encontrei nos campos de refugiados de Lesbos e de Calais, ou nos centros de acolhimento de Hamburgo, ou na fronteira entre a Áustria e a Eslovénia: histórias de migrantes que dão por si presos num limbo quando chegam à Europa, vindos de um país que viram violado ou destruído, e descobrem que afinal o lugar a que chegaram não é o santuário que tinham imaginado; e histórias de europeus que sentem que o seu próprio santuário tem sido violado por intrusos”, explica. Uma parte do que está em Sanctuary, “talvez uns 10%”, vem do que viu nos meses em que deambulou por esses purgatórios, “à procura de sons, de imagens, dos pequenos detalhes que tornam as coisas reais” – o rasto de “malas, roupas e coletes de salvação fluorescentes espalhados pela praia” em Lesbos depois da "relocalização" dos refugiados para a Turquia, as condições atrozes da “Selva” de Calais, entretanto desmantelada, a espera interminável, reunião após reunião, formulário após formulário, do nigeriano há 12 anos retido num abrigo em Palermo. Os restantes 90% são uma mistura de coisas – reais, como parte dos intérpretes, que a cada apresentação Brett Bailey recruta localmente a partir de entrevistas com refugiados, imigrantes ou activistas (em Portugal, haverá quatro performers novos: um iraquiano, um sírio, e dois cidadãos da União Europeia), e imaginárias, como o mito do Minotauro, a metáfora em que o encenador encontrou um chão para isto tudo. Sentados numa cadeira de rodas à porta de uma loja, entre cartazes do Syriza e anúncios de marcas de roupa, ou mantidos à distância por uma barreira policial, os figurantes de Sanctuary não abrem a boca. Mas Brett Bailey acredita que os vemos melhor aqui do que em mais um zapping apressado pelos telejornais, em mais um scroll pelo mural do Facebook, em mais uma corrida pelos corredores do metro: “Eu não estou só a pedir aos espectadores para olharem, talvez até lhes esteja a pedir o contrário. A principal instrução que dou aos performers é: olhem para os espectadores fixamente, sem desviarem os olhos. É muito desconfortável. E torna impossível não reflectir sobre a situação. Principalmente porque estamos habituados a ver estas pessoas entre anúncios, o último tweet idiota do Trump ou o gatinho fofinho que alguém postou. Aqui não há mais nada, não há distracções, não há interrupções: tens mesmo de te confrontar com estas histórias. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nesse processo, a história dos outros acabará por tornar-se nossa. Porque é aqui, em casa, que isto está a acontecer, e está a acontecer há muito tempo, desde a Antiguidade. O mito que estrutura a peça é a história do neto de uma princesa fenícia raptada por um deus grego, meio homem, meio touro, preso num labirinto e condenado a devorar rapazes e raparigas até à eternidade – e a princesa chama-se Europa. “Era irresistível ir buscar um mito grego, que ainda por cima é um mito sobre as relações entre a Europa e o Médio Oriente, via Mediterrâneo, porque parte desta crise está a desenrolar-se na Grécia e tem a sua origem na Síria”, diz o encenador. E quem é o Minotauro desta história? “Ah, boa pergunta… Acho que é a ganância. É a ganância que nos desumaniza, que nos faz perder de vista que as pessoas são pessoas e esquecer que somos em parte responsáveis pela destruição dos países de onde estas pessoas estão a fugir. ”Ao contrário do que aconteceu quando replicou os infames zoos humanos que divertiram os europeus do século XIX para mostrar como o colonialismo não é uma história totalmente ultrapassada – a apresentação de Exhibit B acabou cancelada em Londres e Paris na sequência de petições e protestos violentos –, ainda ninguém lhe perguntou o que é que dá a um branco sul-africano o direito de falar em nome de migrantes e refugiados sírios, sudaneses, iraquianos ou eritreus. “Aprendi muita coisa com esse terrível episódio. Muita coisa má, também, porque trouxe imensa auto-censura ao meu trabalho. A sensação que às vezes tenho é de que fui atropelado por um carro e tive de aprender a caminhar outra vez. Na primeira versão de Sanctuary ainda estava nitidamente a cambalear; entretanto, reescrevi a peça completamente”, conta. Depois da estreia em Atenas, e de uma digressão que passou por Hamburgo e Marselha, Sanctuary chegou esta terça-feira a Portugal para integrar o ciclo com que o Teatro Maria Matos se despede, dedicado ao tema das Migrações, e que inclui também, esta quinta-feira, às 18h30, uma conferência com o sociólogo argelino Mehdi Alioua e a jurista francesa Claire Roudier, e, a partir de dia 28, uma série de apresentações da peça Provisional Figures, que Marco Martins construiu com a comunidade de imigrantes portugueses de Great Yarmouth. Será o primeiro país no roteiro desta peça onde a presença dos refugiados não tem uma “dimensão cataclísmica”, nota Brett Bailey. Estamos longe desses lugares onde ele encontrou a “desesperança” que, se tudo correr bem, dominará por estes dias os corredores da Tóbis e do Palácio dos Correios. “É uma sensação difícil de descrever: a sensação de estar encurralado num lugar tão longe do sonho, sem poder sair, e de mesmo assim o sonho permanecer. ”
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Isto é uma guerra, dizem os bóeres de Terre"Blanche
Terre"Blanche era o rosto da extrema-direita sul-africana. Sobre a sua campa, o sucessor jura pela independência bóer. Acha que os negros vão atacar os brancos e portanto os bóeres estão a treinar-se para a guerra. Viagem ao mundo rural, onde 85 por cento da terra continua na mão dos brancos. (...)

Isto é uma guerra, dizem os bóeres de Terre"Blanche
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-05-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Terre"Blanche era o rosto da extrema-direita sul-africana. Sobre a sua campa, o sucessor jura pela independência bóer. Acha que os negros vão atacar os brancos e portanto os bóeres estão a treinar-se para a guerra. Viagem ao mundo rural, onde 85 por cento da terra continua na mão dos brancos.
TEXTO: Às 10h da manhã, arranha-céus com roupa estendida no centro de Joanesburgo, e a meia-hora de distância as grutas onde viveram os nossos avós australopitecos. Bem-vindos à África do Sul. Estamos a 1500 metros, mas não se dá por isso. Saindo da cidade, é um infindável planalto. E, à medida que continuamos para noroeste, estufas, milharais, girassóis abertos, fardos de palha, vacas e ovelhas, fazendeiros brancos, trabalhadores negros. Dezasseis anos após as primeiras eleições democráticas, 85 por cento da terra agrícola continua na mão de brancos, e esta não é excepção. No tempo do apartheid, era a província do Transvaal, uma das regiões dominadas por afrikaners. Os afrikaners vêm de holandeses, franceses e alemães que se instalaram na África do Sul - os holandeses colonizaram o Cabo no século XVII; franceses protestantes chegaram em fuga às perseguições católicas; juntaram-se-lhes alemães (e ainda escandinavos, irlandeses, escoceses). Descendentes deste caldo, os afrikaners falam afrikaans (uma deriva do holandês), e constituem 60 por cento da população branca. Os outros brancos têm o inglês como língua materna e provêm dos colonos ingleses. Foi para escapar ao poder inglês que muitos afrikaners subiram do Cabo até estas províncias do Norte, no século XIX. Domaram a terra, e por isso são chamados bóeres, ou seja, agricultores. Mas agricultores-guerreiros, como se provou em duas guerras com ingleses e várias batalhas com povos nativos, como os zulus. Uma delas, a de Bloedrivier, em 1838, tornou-se um mito afrikaner: Deus mostrou-lhes que eram o povo escolhido de África. É esse mito levado à letra que alimenta a extrema-direita afrikaner, personificada por Eugène Terre"Blanche. Na versão supremacista dele, os bóeres não são apenas europeus que se tornaram africanos. São os verdadeiros africanos. E a África do Sul é a Terra Prometida. O mundo já não se lembrava deste punhado de eleitos divinos desde o fim do apartheid, mas a 3 de Abril Terre"Blanche foi encontrado na cama sem calças e a cara desfeita. Espancado com um tubo de ferro e esquartejado com uma panga (faca grande), morreu assim, aos 69 anos. Dois negros entregaram-se à polícia como autores do homicídio, alegando autodefesa. O mundo receou uma explosão em vésperas do primeiro Mundial em África. Centenas de polícias foram destacados para o funeral. Milhares de afrikaners acorreram. Tudo isto aconteceu em Ventersdorp, a terreola para onde estamos a avançar. Avó, mãe, filhaA primeira coisa que se avista é a torre de uma igreja. Igreja, lojas-armazém, bomba de gasolina, vacas na erva. Podia ser uma terreola do Kansas, com duas diferenças: os letreiros estão em afrikaans e só se vêem negros e mestiços na rua. Depois entramos num supermercado agrícola, e há uma branca obesa semiadormecida ao balcão, e atrás dela um branco a limpar as mãos a um pano. Cheira a fritos. Perguntamos pela sede do partido de Terre"Blanche, Movimento de Resistência Afrikaner (AWB, na sigla em afrikaans), onde o sucessor nos espera. - Viram à esquerda na igreja e seguem em frente - explica o homem. Parece fácil, mas perdemo-nos até dar com a rua, uma daquelas ruas de brancos com casas de tijolo, relvado e pick ups. A pick up dos bóeres é uma extensão da casa, serve para a fazenda e para os churrascos. E no pátio de uma das casas, cá está uma pick up, duas mulheres dentro e uma fora, a despedir-se. São avó, mãe e filha, Lina, 65 anos, Alta, 42, e Joanne, 18, todas com os mesmos olhos verde-clarão, que se enchem de lágrimas quando se fala em Terre"Blanche. Cada fazendeiro tem os seus lutos. - O meu marido e o meu irmão foram mortos há seis anos - diz Lina. - Estavam a apanhar trabalhadores ao pé de Pretória e deram-lhes um tiro. Quem?Lina hesita. - Não se sabe. Até hoje não o apanharam. Joanne, a mais nova, inclina-se para a janela. - A situação é muito má. Há um mês, no Free State [província vizinha, a sul], um negro veio com uma faca para o meu irmão. Ele tirou-lhe a faca e prenderam o meu irmão 24 horas. Os polícias também eram negros. Muita gente agora teme pela sua vida. Já ninguém quer viver nas quintas. Mas sem quintas não haverá comida. - O meu marido tem abelhas na quinta de Terre"Blanche - acrescenta a mãe. - E gostava muito dele. - Ele era muito gentil para toda a gente - reforça a filha. A avó começa a chorar. Às armasA sede do AWB é aquela casa mais à frente com portão de grades e uma velha carruagem à entrada. Pastores-alemães saltam na relva, à volta do novo líder. - São os cães do senhor Terre"Blanche, não fazem mal - assegura ele. Apresenta-se com férreo aperto de mão. André Visagie, 56 anos, cabelo cor-de-palha, sorriso fino e aquela pele dos ruivos que a todo o momento pode ficar vermelha. Além dos cães, rodeiam-no três rapazes de pistola no bolso e cara fechada, a ganharem barriga. Entramos. Átrio com ursos de peluche, sala de recepção com duas senhoras de província, e depois a sala do líder. Uma secretária imponente rodeada de retratos ancestrais e na parede principal a enorme pintura de uma águia a segurar nas garras o símbolo do AWB: uma espécie de suástica negra. André identifica a galeria de ilustres. - Eram generais da guerra anglo-bóer. E este é o senhor Terre"Blanche a cavalo. No seu inglês muito claro, diz sempre "Mr. Terre"Blanche". E, a propósito, nos nomes do AWB parece haver uma estranha predisposição racial. Terre"Blanche significa terra branca. - E o meu nome, André Visagie, significa cara branca, ou cara limpa - assegura ele, sorridente. Puxa duas cadeiras e sentamo-nos em frente à secretária, como se fosse um altar. O cadeirão do líder morto mantém-se vazio. - A situação é tensa, a nossa gente está furiosa. E agora o povo bóer afrikaner reclama a independência porque não recebe protecção do governo neste genocídio. Desde 1994, mais de 3000 fazendeiros foram mortos por negros. E mais de 50 mil brancos das cidades foram mortos por negros. Segundo as estatísticas, desde o fim do apartheid foram mortas cerca de 650 mil pessoas. Se 53 mil eram brancas, as outras 600 mil eram negras. Ou seja, na África do Sul morrem 12 vezes mais negros que brancos. Mas os fazendeiros brancos têm sido, de facto, um grupo particularmente atingido. Os sindicatos apontam problemas sociais por trás disso: os negros continuam a ser maltratados, com salários muito baixos, e os fazendeiros usam trabalho imigrante ilegal ainda mais barato, deixando muita gente sem subsistência. Os dois rapazes negros que mataram Terre"Blanche trabalhavam para ele. Um tem 28 anos e veio do Zimbabwe. O outro tem 15 e é da township vizinha, onde vivem os que trabalham para os brancos. Segundo o seu advogado, pastoreava o gado de Terre"Blanche das cinco da manhã às sete da tarde, por 50 euros por mês, uma taça de comida e alojamento num estábulo. Porque é que Terre"Blanche estava sem calças? A polícia disse que encontrou sémen nas partes íntimas. Levantou-se a hipótese de ele ter tentado violar os rapazes, ou de lhes ter pago por sexo. Também se levantou a hipótese de terem sido os rapazes a puxar-lhe as calças para o castrar. Crê-se que o fazendeiro lhes devia dinheiro. O processo vai continuar nos próximos meses. André Visagie não tem dúvidas. - Foi assassinado por razões políticas. É absurdo pensar num crime sexual. A imprensa fez do senhor Terre"Blanche um racista. Então, tem de decidir se ele é racista ou homossexual com negros. Não bate certo. Porque haveriam os rapazes de ter razões políticas para o matar?- Porque ele tinha a capacidade de unir os bóeres. Mas o AWB é um partido minoritário entre os bóeres. André sorri o seu sorriso fino, águia por trás das costas. - Só posso responder-lhe com o número que foi ao funeral, 20 mil. Gente de todo o país. As reportagens mencionaram "alguns milhares". A BBC falou em três mil. E a maior parte eram fazendeiros que não pertencem ao AWB. - Mais de mil foram ao funeral em uniformes do AWB. Caqui, e aquela suástica. Com quanta gente conta, então, o AWB?- Entre 100 e 150 mil pessoas. Como sabe isso?- De terça a quinta estamos a fazer reuniões pelo país, e chegamos a ter sete mil pessoas. Tenho falado do futuro da nação bóer. Recebemos mensagens a dizer que o Zimbabwe vai mandar os seus veteranos de guerra treinar os negros da África do Sul para tomarem as quintas dos brancos, como no Zimbabwe. "Mata o bóer"No Zimbabwe, Robert Mugabe levou 4000 fazendeiros brancos a deixar o país. O Presidente Jacob Zuma garantiu que aqui não acontecerão tomadas de terra. Mas o Zimbabwe é o fantasma dos fazendeiros sul-africanos. E para isso tem contribuído Julius Malema, o líder da Juventude do ANC, onde se destacaram homens como Nelson Mandela, Walter Sisulu e Oliver Tambo. Longe dessa tradição conciliadora, Malema é um incendiário que insiste em cantar uma velha canção anti-apartheid com as palavras "mata o bóer". Os fazendeiros acusam-no de incitar assim mortes como a de Terre"Blanche, e o ANC baniu a canção. - A invasão das fazendas vai acontecer aqui - garante André. - E a nossa primeira linha de defesa é dizer às pessoas que vão para as quintas e resistam. Armem-se para quando forem atacados por esta gente negra. Um milhão de pessoas da nação bóer já fugiu para escapar a este genocídio. O fim do apartheid gerou medos. Dos 4, 4 milhões de brancos da África do Sul, cerca de 800 mil partiram. Mas ao contrário do que muitos temiam, não foram só alguns negros a enriquecer. O poder de compra dos negros subiu 37, 5 por cento, mas o dos brancos subiu 83, 5 por cento. Apesar dos programas de discriminação positiva para negros, os brancos ganham hoje sete vezes mais do que os negros. São ainda os efeitos do apartheid. Não só os negros quase não tiveram acesso a boa formação como, desde o chamado Natives Land Act de 1913, os brancos ficaram com 87 por cento da terra. O governo quer que até 2014 um terço da terra agrícola passe para negros, mas até agora apenas passaram dois por cento. Isto é combustível para o populismo de Malema. O mundo admirou a contenção dos negros sul-africanos que depois de décadas de opressão não tocaram na propriedade branca. Quando o AWB de Terre"Blanche tentava impedir a democracia com atentados terroristas, Nelson Mandela manteve o país calmo. Foi um militante do AWB que assassinou o popularíssimo Chris Hani do ANC antes das eleições livres, e Mandela evitou a vingança com um apelo histórico. Desde que surgiu, nos anos, 70, a história do AWB é de confronto e violência. E por trás dessa história esteve sempre Terre"Blanche, a acicatar multidões, apesar do álcool e de nem sempre se aguentar no cavalo. A jovem bóer Joanne pode recordá-lo como gentil, mas não será essa a memória do empregado da bomba de gasolina que Terre"Blanche espancou e do segurança que tentou assassinar, ambos negros. O segurança ficou paralisado e com danos no cérebro. Eugène Terre"Blanche foi condenado a seis anos e cumpriu três, de 2001 a 2004. Quando saiu, anunciou-se cristão renascido. Independência ou morte- Isto é uma guerra - resume o seu sucessor. - É uma guerra que a polícia já não controla e temos de nos proteger. Cada pessoa está armada. Eu tenho as minhas armas de fogo, a minha mulher tem as dela. E entretanto, as crianças aprendem. - Ensino os meus filhos a disparar. A minha mais nova tem 13 anos e dispara melhor que eu. Tínhamos nove repúblicas bóeres e queremos a independência. Não estamos disponíveis para ser absorvidos nesta nova África do Sul. Temos a nossa religião, a nossa cultura, a nossa língua. E porque não ter tudo isso entre os negros?- Pela mesma razão que os portugueses não vivem com os espanhóis. Não é por serem pretos e brancos misturados, é por serem pessoas de nações diferentes. Porque é que não podemos ter uma nação nossa? É por sermos brancos? O apartheid não era apartheid, era separar nações diferentes. Com 75 por cento da população apertada em 13 por cento do território. - As fronteiras fazem paz. Primeiro, vamos abordar o governo e reclamar a nossa terra. Depois vamos para o Tribunal de Haia, para as Nações Unidas e para a Carta das Liberdades. Nós, quem? O AWB?- A Frente Afrikaner, formada nos últimos dois anos, que tem todas as organizações afrikaners. Teremos eleições no próximo ano. E até lá?- Não temos outra hipótese senão dar treino militar aos nossos homens. Quantos?- Os suficientes. Sorriso fino. - Não direi quantos. Estão a ser treinados em todo o país. Não põe a hipótese de partir?- Não. Podem matar-me e exportar o meu corpo, se quiserem. É o meu país. Os meus antepassados pagaram-no com sangue e eu tenho o direito de ficar. A campa de Terre"Blanche fica a 15 quilómetros, fora da cidade. André mete-se no carro com os seus três guarda-costas e arrancam. Vão levar-nos até lá. Passamos a cidade, estrada de asfalto, depois um caminho de terra à direita, sem qualquer sinal. Milho de um lado, capim do outro. Os dois carros saltam entre as pedras. Quando acaba o caminho, é mato mesmo, até umas árvores. Aí, a céu aberto, estão as sepulturas da família Terre"Blanche, várias, desde o século XIX. A campa nova destaca-se por estar coberta de flores embrulhadas em plástico. Como as flores apodreceram, ao longe parece lixo. Depois, ao perto, vê-se uma cruz de madeira no chão com palavras em afrikaans. - "O nosso herói descansa em paz" - traduz André. Metade da campa está guardada para a mulher de Terre"Blanche, que se mantém na casa de Ventersdorp e não fala com jornalistas. - Esta casa está vazia - diz André, apontando a quinta ao fundo. - E vendeu-se o gado dele. Contempla a cabeceira da campa, onde está o símbolo do AWB, com aquela suástica de três pernas. - Sabe o que isto significa? São três "7" que representam as três figuras de Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. É o número perfeito, 777, em contraste com o de Satã, 666. É o símbolo de Deus que adoramos. E não receiam a comparação com a suástica nazi?- Não, porque a suástica nazi é assim. . . . - agarra num pauzinho e tenta desenhá-la na terra, mas engana-se. Depois acerta. - E o círculo vermelho à volta é o sangue de Cristo que nos lava. A nossa organização está enraizada na religião. Exemplo de um líder no mundo que admire?André mira o céu. - Eugène Terre"Blanche. Um líder do século XX?- Não consigo pensar em ninguém melhor que Eugène Terre"Blanche. O que pensa de Nelson Mandela?- Hum. Um prisioneiro libertado, a servir uma sentença por bombardear gente inocente. Talvez para o seu povo fosse bom, mas para nós não. E apontando as cores na campa. - Não reconhecemos a nova bandeira e o novo hino. Não nos importamos de os ter como vizinhos, se querem ter uma taxa de crime única no mundo, não nos importamos. Mas queremos a nossa nação, a nossa língua. Ninguém tocou no afrikaans. - Mas agora temos 11 línguas oficiais! É um circo!Depois cala-se, a olhar a campa. - Ainda não acredito que o meu líder tenha morrido. E de uma forma tão trágica. Um dos guarda-costas vem por trás e apaga o desenho da suástica com o pé. O novo líder levanta a cabeça. Agora não há sorriso, e a cara está vermelha. - Diga às pessoas que se protejam quando vierem para o Mundial. Os criminosos vão apontar aos visitantes. A toda a volta é capim. O sol desce rápido, como só em África. O medo continuaNo centro de Ventersdorp continuam a só andar negros, mas é difícil encontrar quem fale. Em nenhuma township encontrámos esta relutância. Júlia, 43 anos, três filhos, está sentada na sua pequena drogaria, onde não parece haver mais de dez coisas para comprar. Grande parte das lojas é de brancos. Isto para ela é uma novidade. - Trabalhei nas quintas a apanhar milho. A maior parte das pessoas aqui trabalha para os brancos. Alguns são bons, tratam bem as pessoas, outros não. Mais adiante, Mamase, 28 anos, é empregada de uma loja de móveis. A dona branca está lá ao fundo, ao telefone. - Eu vivo na township. Venho todos os dias com os meus pés. - Ri-se e aponta os pés. Conhecia Terre"Blanche?Ela ri. Não diz nada. Depois diz:- Conheço-o desde miúda. Lembro-me de estar na escola e a professora nos mandar sair porque pensavam que havia uma bomba do Terre"Blanche. Cá fora, de boné, está o carteiro Nadazana, 46 anos. Primeiro não quer falar, depois faz muitas perguntas. - Houve medo por causa da morte do senhor Terre"Blanche - explica, enfim. - Eu cresci aqui. Conheci o senhor Terre"Blanche há muitos anos. Fizeram uma coisa má em matá-lo, mas ele era cruel. Porquê?- Era racista. Tivemos medo que houvesse uma vingança dos brancos. As pessoas têm medo de falar, porque podem ver-nos no jornal. Quem?- Os gajos do AWB. Estas lojas são todas de gente do AWB. Nem de propósito, um carro com várias mulheres brancas encosta junto ao passeio e chama Nadazana. Ele debruça-se para responder. Depois o carro arranca. Nadazana viveu 30 anos sob o apartheid. É um homem experiente. - Perguntaram o que é que eu estava a falar convosco - explica. - E eu disse-lhes que vocês eram estrangeiros que queriam investir na África do Sul. Esta é a primeira de várias reportagens até ao início do Mundial.
REFERÊNCIAS: