A sinfonia brilhantemente composta por Michael Ondaatje
“Era a época dos fantasmas de guerra”, lê-se num livro com acção em 1945. Não é um romance de guerra, mas um tratado íntimo sobre a memória a partir da reescrita de um passado de abandono. Um rapaz e uma rapariga foram deixados pelos pais ao cuidado de estranhos muito suspeitos. Esta é A Luz da Guerra, sinfonia brilhantemente composta por Michael Ondaatje. (...)

A sinfonia brilhantemente composta por Michael Ondaatje
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.9
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Era a época dos fantasmas de guerra”, lê-se num livro com acção em 1945. Não é um romance de guerra, mas um tratado íntimo sobre a memória a partir da reescrita de um passado de abandono. Um rapaz e uma rapariga foram deixados pelos pais ao cuidado de estranhos muito suspeitos. Esta é A Luz da Guerra, sinfonia brilhantemente composta por Michael Ondaatje.
TEXTO: A Luz da Guerra, oitavo livro em prosa do canadiano Michael Ondaatje (1943), começa com a notícia de um abandono. “Em 1945 os nossos pais foram-se embora, deixaram-nos ao cuidado de dois homens que podiam muito bem ser criminosos. Vivíamos numa rua de Londres chamada Ruvigny Gardens, e numa manhã, um deles, a mãe ou o pai, sugeriu que depois do pequeno almoço tivéssemos uma conversa em família, e disseram-nos que nos ia deixar e deslocar-se para Singapura durante um ano. ” O narrador é um homem de 28 anos, Nathaniel, alguém que através das memórias de infância tenta responder a um dos mistérios fundadores da sua existência: a razão do abandono. Nathaniel tinha 14 anos e a irmã, Rachel “quase dezasseis”. Autoria: Michael Ondaatje (Trad. Margarida Periquito) Relógio d’Água Ler excertoO trabalho com a memória é uma das características da obra de Ondaatje. Quase uma fixação temática que o tornou célebre com O Paciente Inglês (1992), o seu terceiro romance — este ano nomeado o melhor vencedor de sempre do Booker Prize —, mas que persiste desde que começou a publicar; primeiro, poesia — The Dainty Monsters —, em 1967, e depois em prosa, a partir de 1970, com The Collected Works of Billy the Kid. A sua voz narrativa é quase sempre a que resulta dessa sobreposição de perspectivas para chegar a uma hipotética memória mais próxima do real, por isso, como refere em entrevista ao Ípsilon, não há uma voz, mas sim vozes, uma polifonia constitutiva da dispersão e invenção de que é feita necessariamente a memória. O protagonista e narrador de A Luz da Guerra é também um escritor, arqueólogo da memória que aprendeu com o seu mestre e criador Ondaatje. Sobretudo a partir de um livro onde essa escavação pessoal foi mais profunda: Running in the Family. Publicado em 1982, é uma saga familiar, espécie de memória onde Ondaatje, então com menos de 30 anos, terá tido pela primeira vez a percepção da derrota que é tentar fazer a narrativa do passado pessoal. Nathaniel irá saber disso no que podemos tomar como uma anotação biográfica do próprio autor Michael Ondaatje: “Quando se tenta escrever um livro de memórias, dizem-me, é necessário estar em estado de orfandade. Dessa forma, aquilo que está em falta em nós, e as coisas em relação às quais nos tornámos cautelosos e hesitantes, vêm quase por acaso ao nosso encontro. ‘Um livro de memórias é a herança perdida’, compreendemos, de forma que durante esse tempo devemos aprender como e para onde olhar. No autorretrato que daí resulta todas as coisas rimarão, porque todas as coisas foram refletidas. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O romance parte de uma noção: a de que é preciso estar preparado para encarar a infância. “Tenho agora uma idade que me permite falar disso, de como crescemos protegidos pelos braços de estranhos”, dirá como quem lança “luz sobre uma fábula” de que fazem parte ele, Rachel, o Traça — inquilino da família que Rachel desconfiava que “trabalhava como criminoso” —, o Flecheiro, amigo de Traça, uma cantora de ópera, ou Olive, uma das namoradas do Flecheiro, “viajante solitária”, mulher com “muitas paisagens dentro dela”, que lhes alargou o mapa fechado em que viviam. Neste bando meio anarca, os dois aprenderam de tudo enquanto iam à escola e escondiam do mundo a ausência dos pais. Dividido em duas partes — a primeira que pode ser vista como a da formação sentimental e emocional de Nathaniel, e a segunda o modo como vive os seus primeiros anos de adulto — o livro reconstitui a vida na Inglaterra pós-guerra e revela a relação próxima entre o escritor e os lugares onde ancora a sua escrita. O tempo e o lugar determinam caminhos e são definidores não apenas das personagens, como da linguagem que é sempre estruturante nos livros de Ondaatje, um namoro eterno entre prosa e poesia. Há uma passagem onde Rachel tenta compreender essa relação. “Um peixe camuflado na sombra já não é um peixe, é apenas um ângulo da paisagem, como se ele possuísse outra linguagem, o modo como precisamos de ser desconhecidos, às vezes. Por exemplo, tu conheces-me como esta pessoa, mas não me conheces como outra pessoa. ”A Luz da Guerra revela ainda outro dos traços da escrita de Ondaatje, e mais uma vez de uma maneira conseguida: o namoro que faz com outras artes. Aqui, sobretudo, com a música. Há Mahler e os altos e baixos de uma sinfonia, de uma vida, e há a pintura. “Picasso, em jovem, contaram-me, só pintava à luz da vela, para permitir o movimento variável das sombras. Mas eu, em pequeno, sentava-me à escrivaninha e desenhava mapas detalhados que irradiavam para o resto do mundo. ” É esse mapa que Nathaniel tenta revisitar, reconhecer-lhe os traços. E qualquer impulso pode ser uma pista para despertar a memória, levá-lo até lá. Por exemplo, o sussurro de uma amante.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra escola mulher homem espécie cantora
Morreu Mariema, "a última grande vedeta do teatro de revista"
Conhecida cantora de O Fado Mora em Lisboa e como figura do teatro desde os anos 1960, nos últimos anos entrou, como actriz, em séries como Conta-me como foi e filmes como Os Gatos Não Têm Vertigens. (...)

Morreu Mariema, "a última grande vedeta do teatro de revista"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Conhecida cantora de O Fado Mora em Lisboa e como figura do teatro desde os anos 1960, nos últimos anos entrou, como actriz, em séries como Conta-me como foi e filmes como Os Gatos Não Têm Vertigens.
TEXTO: A actriz Mariema morreu no domingo à noite, em Lisboa – "morreu a última grande vedeta do teatro de revista", resumiu ao PÚBLICO o seu amigo e também actor Miguel Villa. Mariema tinha 75 anos e faleceu no Hospital de Santa Maria, como disse esta segunda-feira à agência Lusa fonte da Casa do Artista, onde a actriz residia há cerca de uma década. "Durante décadas foi vedeta absoluta do Parque Mayer", sublinham o encenador Filipe La Féria e o Teatro Politeama. "Era uma mulher deslumbrante, que parou Lisboa", recorda Miguel Villa, também actor e que se estreou, aos 18 anos, primeiro como técnico de palco numa revista com Mariema Mendes de Campos – em 1987, no Teatro Villaret, em Ora Bate, Bate Manso – e depois como actor contracenando com a estrela portuguesa em Amar Lisboa, no Teatro ABC, em 1996. "Quando fui para o teatro já a conhecia da televisão, fiquei fascinado", diz o actor que em 2010 cedeu parte do seu espólio de coleccionador para a exposição com que a Junta de Freguesia de Carnide homenageou Mariema. "Foi uma das maiores actrizes do teatro de revista em Portugal", reforçam o Politeama e La Féria em comunicado. Mariema Mendes de Campos não gostava de revelar a data de nascimento, como assinalava a Lusa esta manhã, mas segundo Miguel Villa cumpriu 75 anos no passado dia 3 de Setembro. Nasceu em Lisboa, no bairro de Campo de Ourique, e foi a criadora do tema O fado mora em Lisboa, que interpretou em estreia no Teatro Maria Vitória, no Parque Mayer, e que se tornou num grande êxito do cançonetismo da década de 1960 em Portugal. A nota de pesar do Politeama é mesmo intitulada "O fado já não mora em Lisboa". Vítor Pavão dos Santos confirma a relevância de Mariema na história da revista. "Ela tinha uma maneira de representar que era diferente, muito aberta, sempre muito risonha e quase chaplinesca", diz o historiador de teatro, acrescentando que a actriz "quase de desdobrava em cena", além de que cantava também em castelhano. E para realçar o estatuto de intérprete que Mariema conquistou na sua carreira, Pavão dos Santos recorda que "a própria Amália Rodrigues gostou tanto de a ouvir interpretar O fado mora em Lisboa que, no final, a foi cumprimentar e elogiar ao camarim", um gesto que não era muito habitual na grande diva portuguesa do fado. Vítor Duarte Marceneiro conta, no seu blogue Lisboa no Guiness, citado pela Lusa, que Mariema foi descoberta pela fadista Deolinda Rodrigues quando cantava num restaurante. Esta recomendaria depois a sua ida para o teatro. Estrear-se-ia como actriz em 1964 no Teatro ABC, um dos muitos do Parque Mayer onde foi estrela nas décadas seguintes, na revista É regar e pôr ao luar. A companhia teatral Artistas Unidos elenca algumas das revistas em que Mariema participou: Ai venham vê-las, com Fernanda Borsati, Sopa no Mel, onde pontuava o seu êxito O Fado mora em Lisboa, ou Pão, Pão, Queijo, Queijo… e A Ponte a Pé. Descrita pela companhia como “uma das mais originais actrizes do nosso teatro”, fez par com o emblemático José Viana e trabalhou com os Artistas Unidos nas peças Seis Personagens à Procura de Autor, de Luigi Pirandello, onde foi dirigida por Jorge Silva Melo no palco do Teatro São Luiz, tendo também integrado o elenco de Sangue Jovem, de Peter Asmussen. Em 2015 esteve em Três (Velhas) Irmãs, no Teatro Nacional D. Maria II, com Graça Lobo e Paula Só. Mais recentemente, com Filipe La Féria, actuou nos musicais de grande sucesso Amália e My Fair Lady. "No musical Amália, Mariema teve uma das suas melhores interpretações no papel de Lucinda Rebordão, mãe de Amália. Esta interpretação teve os maiores elogios em toda a imprensa francesa, nomeadamente no Le Monde que considerou Mariema uma actriz de excepção, comparando-a a Anna Magnani", detalha o Teatro Politeama na nota enviada às redacções. "Era uma pessoa muito fechada, não gostava de se ver na televisão. Comparo-a muito com a fadista Beatriz da Conceição — ambas se refugiavam muito nas suas vidas, não queriam aparecer", recorda Miguel Villa sobre um percurso em que as últimas actuações seriam precisamente na televisão: foi a Menina Emília na série Conta-me como foi, teve um papel em Morangos com Açúcar ou Liberdade 21 e pontuou em Grande Noite, de La Féria. No cinema fez parte do elenco de filmes de sucesso nas bilheteiras como Refrigerantes e Canções de Amor, de Luís Galvão Teles, Axilas, de José Fonseca e Costa, ou Os Gatos Não Têm Vertigens, de António-Pedro Vasconcelos. Este realizador diz ao PÚBLICO que foi buscar Mariema para um pequeno papel no seu filme como uma forma de "prestar homenagem aos actores da revista, que raras vezes são aproveitados no cinema português". Considerando que "a revista foi das poucas actividades criativas que sobreviveram [ao tempo do Estado Novo], e que o Parque Mayer sempre conseguiu manter uma certa irreverência, nomeadamente na sátira política", Vasconcelos sempre achou que os seus actores eram mais polivalentes do que os do chamado teatro declamado. Daí ter, por várias vezes, recorrido a eles, e lembra os casos de Raul Solnado (Aqui d'El Rei e Call Girl) ou de Nicolau Breyner, que foi intérprete em vários dos seus filmes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. "No caso da Mariema, eu sabia que ela era uma grande actriz da revista, e fui buscá-la à Casa do Artista para um pequeno papel em Os Gatos Não Têm Vertigens para lhe dizer que ela não estava esquecida", diz o cineasta, que actualmente tem em pós-produção o seu novo filme, que se chamará precisamente? Parque Mayer. Em 1970, Mariema foi premiada pela Casa da Imprensa na categoria Teatro de Revista. Era uma estrela, "o seu casamento foi muito badalado em Lisboa", lembra ainda Miguel Villa, que confessa que Mariema tanto "era uma pessoa muito difícil" quanto "uma pessoa extraordinária, que quando gostava dos colegas ajudava muito". Na sua vida "passou por grandes dificuldades financeiras", admitiu o amigo de décadas, que nos últimos anos diz ter-se afastado de Mariema. O funeral da actriz realizar-se-á na quarta-feira, às 10h30, com missa no Centro Funerário do Santo Condestável (a Campo de Ourique), em Lisboa, seguindo para o Cemitério dos Prazeres. O corpo será colocado em câmara ardente esta terça-feira, a partir das 18h.
REFERÊNCIAS:
Cerca de 60% dos portugueses são obesos ou vivem em risco de obesidade
Estudo revelou que a doença é significativamente superior nas mulheres, nos mais idosos e nos indivíduos menos escolarizados. (...)

Cerca de 60% dos portugueses são obesos ou vivem em risco de obesidade
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181231204744/https://www.publico.pt/n1795437
SUMÁRIO: Estudo revelou que a doença é significativamente superior nas mulheres, nos mais idosos e nos indivíduos menos escolarizados.
TEXTO: Cerca de 60% dos portugueses têm obesidade ou vivem em risco de desenvolverem essa condição, segundo os resultados de um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP). As conclusões do estudo, que estimou pela primeira vez a prevalência da obesidade em todos os segmentos etários da população portuguesa, revelam que 22% dos portugueses têm obesidade e 34% pré-obesidade (estado em que um indivíduo já se encontra em risco de desenvolver obesidade). "Somando os dois valores, constata-se que seis em cada dez portugueses (60% da população) são pré-obesos ou obesos", indicou Andreia Oliveira, investigadora da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do ISPUP e primeira autora do estudo. Neste estudo, coordenado pela investigadora Carla Lopes, foram avaliadas as prevalências de obesidade generalizada (através do cálculo do índice de massa corporal) e central (perímetro da cintura), com recurso aos dados do Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física (IAN-AF) 2015-2016, divulgados em Março deste ano. Analisando os dados por sexo, faixa etária e nível de escolaridade, concluiu-se que a obesidade é significativamente superior nas mulheres, nos mais idosos e nos indivíduos menos escolarizados, o que os torna grupos de risco. Relativamente à obesidade abdominal, definida como a razão entre o perímetro da cintura e o perímetro da anca e calculada apenas para a população adulta, verificou-se que os homens são os mais afectados, particularmente os mais idosos. "Com este estudo, conseguimos ver o aumento gradual da obesidade ao longo da idade e percebemos que nas crianças e adolescentes já há uma percentagem bastante considerável de pré-obesidade (17% e 24%, respectivamente)", valores que sobem nos adultos e aumentam muito nos idosos, explicou Andreia Oliveira. Segundo a investigadora, as prevalências de obesidade estão a aumentar consideravelmente em todo o mundo, podendo a situação daqui a uns anos tornar-se "mesmo caótica". "Se hoje em dia os níveis de pré-obesidade e de obesidade são já tão elevados em idades precoces, no futuro veremos que a percentagem de obesos poderá ser ainda maior, dado que sabemos que há uma elevada probabilidade de uma criança obesa vir a ser um adulto obeso", considerou. Para Andreia Oliveira esta situação é duplamente problemática, porque a obesidade é um factor de risco para o aparecimento de várias outras doenças, como o cancro, as doenças cardiovasculares e também patologias do foro psicológico. "Em termos de saúde pública, é um problema grave com grande prevalência no nosso país", frisou. O estudo permitiu igualmente verificar que, aos 15 anos, há um ponto de inflexão nas prevalências de obesidade, ou seja, estas vêm a diminuir em anos anteriores, e nesta idade começam a aumentar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. "A faixa dos adolescentes é na verdade aquela que parece apresentar piores indicadores, destacando-se o baixo consumo de fruta e hortícolas, a elevada ingestão de refrigerantes e a inactividade física, com base nos resultados do mesmo inquérito", notou. Andreia Oliveira referiu ainda que, ao nível de intervenções específicas, existem programas e estratégias que estão a ser estudados e implementados e que o caminho deverá passar pela aposta em "programas mais estruturais e pelo reforço da legislação". A mudança das disponibilidades alimentares, a taxação de bebidas açucaradas e a criação de infra-estruturas para a prática de atividade física são exemplo disso. Este trabalho, designado Prevalence of general and abdominal obesity in Portugal: comprehensive results from the National Food, Nutrition and Physical Activity Survey 2015-2016, foi distinguido no dia 26 de Novembro, durante a cerimónia de encerramento do 21. º Congresso Português de Obesidade, na categoria "Obesidade e Comorbilidades". Além de Andreia Oliveira e Carla Lopes fazem parte do estudo os investigadores Joana Araújo, Milton Severo, Daniela Correia, Elisabete Ramos e Duarte Torres.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens consumo criança sexo estudo mulheres
Elas estão a destruir maquilhagem contra os ideais de beleza sul-coreanos
Um pouco por todo o país, as mulheres estão a destruir produtos de cosmética e a cortarem o cabelo por discordarem dos ideias de beleza impostos pela sociedade. O mote é escape the corset. (...)

Elas estão a destruir maquilhagem contra os ideais de beleza sul-coreanos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um pouco por todo o país, as mulheres estão a destruir produtos de cosmética e a cortarem o cabelo por discordarem dos ideias de beleza impostos pela sociedade. O mote é escape the corset.
TEXTO: Chama-se escape the corset ("liberta-te do espartilho", em tradução livre) e quer libertar as mulheres sul-coreanas dos padrões de beleza irreais a que dizem estar sujeitas diariamente. O movimento tem ganho notoriedade nas redes sociais nas últimas semanas, com dezenas de mulheres a publicar vídeos ou fotos de produtos de maquilhagem destruídos ou retratos de cabelo curto. ?? ??? ?? ?? ? ?? ?? ? ? ? ? ???? ??? ????? ??? ?????? ? ??? ?????? ???? ?? ??#????#????_?? pic. twitter. com/bhi29IralfComparam os cosméticos a um espartilho, pois consideram que ambos constringem as mulheres a uma figura homogénea que deve ser feminina e perfeita, característica associada ao sucesso profissional e amoroso. Segundo os vídeos das muitas mulheres que aderiram à tendência, o objectivo é "esmagar o patriarcado" e "redefinir as percepções de beleza da sociedade", como refere o portal Korea Exposé. Muitas confessam passar horas em frente ao espelho "acorrentadas" a uma rotina de beleza que as permita encaixar nos padrões de beleza sul-coreanos: pele pálida e macia, lábios cor-de-rosa delicados e proporções de cabeça e corpo perfeitas. Por exemplo, o vídeo da youtuber de beleza Lina Bae, intitulado I am not pretty, conta já com mais de cinco milhões de visualizações. Nele vê-se a jovem a colocar vários produtos de maquilhagem e pestanas postiças, enquanto no ecrã aparecem alguns dos comentários que já recebeu sobre a sua aparência. Alguns dos exemplos são "a tua face sem maquilhagem é um terror para os meus olhos" ou "a tua pele não é boa para mulheres". No final, a youtuber retira todos os produtos e conclui: "Eu não sou bonita, mas não faz mal. Tu és especial da maneira que és. "Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Coreia do Sul é a capital da cirurgia plástica — cerca de um terço da população feminina diz já ter feito algum tipo de modificação cirúrgica ao seu rosto ou corpo, segundo o The Guardian. É também o berço da k-beauty (beleza coreana), termo popular que designa as várias linhas de produtos de cuidados de pele sul-coreanos que têm proliferado por países como os Estados Unidos, Inglaterra e até Portugal. Em Agosto, as sul-coreanas também foram notícia quando saíram em protesto contra o fenómeno molka, pornografia feita com recurso a câmaras escondidas.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Uma Alice absurda e política
Depois do Conto de Natal, Maria João Luís e Ricardo Neves-Neves voltam a encenar a quatro mãos. Alice no País das Maravilhas é uma menina pespineta a descobrir o corpo e a voz no Teatro Nacional D. Maria II, de 27 de Dezembro a 6 de Janeiro. (...)

Uma Alice absurda e política
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento -0.25
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Depois do Conto de Natal, Maria João Luís e Ricardo Neves-Neves voltam a encenar a quatro mãos. Alice no País das Maravilhas é uma menina pespineta a descobrir o corpo e a voz no Teatro Nacional D. Maria II, de 27 de Dezembro a 6 de Janeiro.
TEXTO: Oito Alices e quatro coelhos brancos. Uma pequena comitiva de boas-vindas recebe a Alice que Maria João Luís e Ricardo Neves-Neves imaginaram a partir dos clássicos de Lewis Carroll. São oito Alices – podiam ser mais, podiam ser menos – que aparecem como imagem das tantas Alices que já foram paridas e largadas pelo mundo, as incontáveis versões que precedem esta Alice no País das Maravilhas em cena no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, desta quinta-feira até 6 de Janeiro. Oito Alices enfiadas naquele vestido azul que conhecemos de cor, sobre o qual se derrama um avental branco, mais quatro coelhos brancos que hão-de bater em retirada e de ser seguidos depois de escorregarem toca abaixo. Antes disso, no entanto, cantam naquele tom de cantilenas infantis que Neves-Neves sempre põe nas bocas das suas personagens: “Certa vez eu vi um gato/ a posar para um retrato/ Ia a passear no meio/ De uma grande trovoada/ Um relâmpago arisco/ Bateu num ovo sentado/ E o gato por petisco/ Comeu um ovo estrelado”. Autoria: Lewis Carroll (a partir de) Produção: Teatro do Eléctrico e Teatro da Terra Companhia: Teatro do Eléctrico Encenação: Maria João Luís e Ricardo Neves-Neves Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II. De 27 de Dezembro a 6 de Janeiro. Ricardo Neves-Neves fala desse momento inicial enquanto gesto de auto-ironia. Numa peça dominada pelo confronto com um espelho, que tanto permite a passagem de Alice para um mundo fantasioso em que as regras pouco elásticas da realidade são derrotadas por uma nova lógica – a de uma matemática em que o resultado da divisão de um pão por uma faca dá pão com manteiga – quanto obriga uma menina a observar o seu corpo em transformação púbere, também os dois encenadores se colocam diante do seu reflexo. E assim, tendo ambos uma tendência comprovada para polvilharem os seus espectáculos com momentos corais, assim começa esta Alice por brincar com os seus criadores. Mas isso, ressalva Neves-Neves, pertence às constatações a posteriori: de início, estas 12 vozes eram uma simples ideia anotada no telemóvel, que o tempo colocou em marcha, sem outra razão que não fosse a força da imagem. “Só vejo uma data de Alices a aparecer no espectáculo e depois, quando aparece a nossa Alice, vão-se embora”, ri-se. Sem obedecer a uma grande arquitectura dramatúrgica. Apenas porque sim. E o “porque sim” é, na verdade, uma das razões para a existência desta encenação a quatro mãos. O magnetismo do absurdo, do non-sense e do surrealismo há muito que mantém Maria João Luís e Ricardo Neves-Neves numa órbita próxima. Por essa mesma vontade de vinculação a uma linguagem que admite o extraordinário e não tenta encontrar justificações plausíveis para aquilo que acontece de invulgar e fantasioso – “a explicação final que nos dá a sensação de justificação de tudo o que aconteceu para trás é algo muito presente no teatro do absurdo e que me deixa triste nos espectáculos que vejo”, diz Neves-Neves –, esta Alice não acorda a engavetar tudo o que lhe aconteceu na memória dos sonhos. “Não colocamos a Alice a adormecer nem a acordar de um sonho”, descansam os encenadores. Nem embarcam em pistas como a loucura ou o delírio para explicar os comportamentos à luz de uma normalidade. “Isso empobreceria e mataria as personagens – nós queremos que elas sejam reais e que o público as leve para casa e continue a pensar nelas, sem adoptar essa solução para tudo aquilo que viu. ”“É engraçado porque a maioria das pessoas, depois de ler o livro, fala dele como se fosse um sonho”, comenta a encenadora – que entra em palco também para assumir a pele de um Chapeleiro para quem os ponteiros do relógio apontam sempre para as mui distintas cinco da tarde. Só que nesta Alice, garantem, o que lhes interessa é que o sonho possa ser visto como “o nosso sítio da grande liberdade, em termos criativos, de imaginação e de fantasia”. Um lugar não para fornecer um escape da realidade; mas talvez sobretudo para tentar convencer a realidade a imitar-lhe a maleabilidade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Não é a primeira vez que Maria João Luís e Ricardo Neves-Neves fundem a sua assinatura numa só. E não é também a primeira vez que o fazem em plena época natalícia. Suspendendo o seu amor pelo absurdo, levaram à cena, há três anos, o Conto de Natal, de Charles Dickens, na altura esperada. Foi ainda durante os ensaios para essa peça que estabeleceram o pacto de se atirarem ao texto de Lewis Carroll. “A João já tinha feito alguns trabalhos a partir da Alice no País das Maravilhas, curiosamente através da música, e era daqueles textos que eu tinha na gaveta como possibilidade de vir a fazer mais tarde”, recorda Neves-Neves. O mais tarde tornou-se um pouco mais cedo com essa proposta a meio de um ensaio e, em três anos, acabou por ganhar forma com um elenco em que encontramos Beatriz Frazão, Pedro Lacerda, José Leite, Joana Campelo ou Rafael Gomes, acompanhados por uma orquestra que acompanhará várias canções ao vivo. Dirigidos por duas vozes, os actores foram alertados, desde o primeiro momento, para a possibilidade de receberem indicações de um que pudessem ser contrariadas pelo outro no espaço de poucas horas. E assim aconteceu, de facto, exigindo um diálogo constante para que estas situações não ficassem na sombra e pudessem ser discutidas de imediato – afastando equívocos ou até tomando-os como material de trabalho. Mas há ambiguidades que não interessa desfazer. Como a coexistência entre uma realidade fantasiosa e uma fantasia desabrida, surgidas como diferentes perspectivas possíveis sobre uma mesma situação: ou seja, podemos olhar para o palco e ver Alice deitada no chão, onde é projectada a toca do coelho por onde sabemos que ela cai desamparada; mas podemos também ver essa mesma imagem reflectida num espelho, o corpo de repente achatado em duas dimensões e a queda observada como se acontecesse numa tela de cinema. Alice, “menina pespineta”, interessa-lhes igualmente enquanto “rapariguinha no século XIX, quando começam a surgir as grandes vozes das mulheres”. Alice, que observamos a crescer ou diminuir de acordo com regras exteriores (ditadas por alguém que não vemos) para poder avançar, é uma miúda de súbito investida de vontade política, acredita Maria João Luís. Naquilo que são os sintomas mais claros de uma tomada de posição perante o mundo: a possibilidade de falar o que pensa, sobretudo quando isso implica dizer "não".
REFERÊNCIAS:
Carlsen mantém o título mundial de rápidas
O xadrezista norueguês juntou esta vitória à alcançada no Mundial da modalidade rainha. (...)

Carlsen mantém o título mundial de rápidas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O xadrezista norueguês juntou esta vitória à alcançada no Mundial da modalidade rainha.
TEXTO: Magnus Carlsen falhou o objectivo de conquistar a tripla coroa, mas fechou o ano com chave de ouro ao renovar o título mundial de partidas rápidas, que alia ao da modalidade rainha, que já possui desde 2013. Depois do resultado menos bom no Mundial de semi-rápidas, 5º classificado, Carlsen regressou mais determinado que nunca para vencer o Mundial de partidas relâmpago, em que cada jogador dispõe de apenas três minutos para toda a partida, com dois segundos de incremento por movimento. E o norueguês não deu mesmo hipóteses à concorrência, terminando invicto as 21 jornadas e contabilizando uns fantásticos 17 pontos, que lhe permitiram alicerçar ainda mais o estatuto de número um desta variante do xadrez. A segunda posição foi alcançada pelo jovem polaco Jan-Krzysztof Duda, o único dos 202 participantes que se manteve na discussão do título até à última ronda. Hikaru Nakamura obteve o bronze, tal como nas semi-rápidas, partilhando a quarta posição um quarteto de respeito, o arménio Levon Aronian e os russos Peter Svidler, Ian Nepomniachtchi e Sergei Karjakin
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave rainha
Um psiché (ou pechiché) é o que um português quiser
"Se perguntarmos a uma rapariga de 25 anos, ela não sabe o que é um psiché” - nem todos sabem o que é ou o que começou por ser o móvel que se tornou quase um mamarracho doméstico. Rainhas e avós tiveram psichés, agora eles moram nos afectos. Ou nas canções. Terceiro texto da série Objectos (quase) obsoletos em que olhamos para o que foi substituído, eliminado ou transformado nas casas portuguesas nas últimas décadas. (...)

Um psiché (ou pechiché) é o que um português quiser
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-12-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: "Se perguntarmos a uma rapariga de 25 anos, ela não sabe o que é um psiché” - nem todos sabem o que é ou o que começou por ser o móvel que se tornou quase um mamarracho doméstico. Rainhas e avós tiveram psichés, agora eles moram nos afectos. Ou nas canções. Terceiro texto da série Objectos (quase) obsoletos em que olhamos para o que foi substituído, eliminado ou transformado nas casas portuguesas nas últimas décadas.
TEXTO: É uma palavra que não sai a bem da boca e que para umas duas gerações já nem é reconhecível - isso, só por si, é um sintoma da difícil história do psiché, ou pechiché na linguagem popular, um móvel que não é bem o que se pensa e que se tornou sinónimo de “nem pensar” quando toca a decorar uma casa. O psiché tornou-se um alvo a abater a partir dos anos 1980, mas cem anos antes era coisa de rainhas, aristocratas, burgueses e pintores impressionistas. Nos últimos anos foi a dor de Indiana Jones e a melancolia de Rui Veloso. Falar em psiché é falar de quê? Normalmente redigido como “pechiché” - "psiché" e "pechiché" são ambas formas reconhecidas pelos dicionários, também lhe chamam "pchiché" ou mesmo "bichiché", corrupções da oralidade que talvez traduzam não só a invulgar raiz do nome correcto mas também o gradual desuso do objecto e da palavra correspondente. Já era atirado como insulto quando Herman José fazia as suas caricaturas da sociedade portuguesa e da obsessão com as aparências no pós-25 de Abril, sinónimo de algo obsoleto, exagerado e, no fundo, um mamarracho doméstico, piroso. Era uma antiguidade, mas não uma antiguidade que esperássemos ver num filme de Indiana Jones. Mas lá está ela, no cargueiro que resgata o arqueólogo e a sua parceira Marion numa cena dos Salteadores da Arca Perdida. Ele senta-se, exausto, num camarote em que Marion molha um trapo numa bacia de estanho e se vê num espelho oblongo com pés de madeira que lhe permitem rodar sobre si mesmo. De repente, fá-lo girar e bater na personagem Harrison Ford. Ele uiva. Acabara de ser atingido por uma espécie de psiché. Momentos depois, ela comenta como ele já não é o homem que conhecera uma década antes. “Não são os anos, querida, é a quilometragem”, responde Indiana Jones. O psiché já fez muitas milhas desde o século XIX e é muitas coisas, nascido como um simples mas belo espelho reclinável apoiado em traves e base de madeira e encarado depois como sinónimo de toucador, de cómoda ornamentada e espelhada e até móvel inútil de hall de entrada. “Psiché refere-se em geral, lato sensu, a um espelho grande e muito decorado”, explica ao PÚBLICO Conceição Borges Sousa, a conservadora responsável pela colecção de mobiliário português do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). É uma designação que surge no século XIX, detalha, e que a certa altura começa a ser também usado para designar um toucador ou até um aparador. “Há a confusão com o tremó – um espelho grande, e daí a ligação – [um móvel] que preenche um tramo, ou seja um espaço entre duas janelas ou portas, e a pouco e pouco vai-lhe sendo encostada uma mesa pequena, a mesa vai subindo e passa a ser um móvel único”, destrinça a conservadora do MNAA. O espelho é o elemento que contribui para essa contaminação a ideia do que é um psiché com outras tipologias de móveis. O seu nome conta uma história, o uso da palavra em Portugal conta outras. É uma história de vaidade e beleza da mulher e uma história de amor/ódio com o tradicional do Portugal que se queria modernizar dos anos 1980 em diante. Em francês, e porque é uma peça que surgiu no estilo Império (final do século XVIII e que coincide com a era de Napoleão) chamam-lhe psyché, nome mais próximo da verdadeira responsável pelo fenómeno psiché - é em honra de Psiqué, a princesa humana de grande beleza que na mitologia grega encantou Eros, e cuja história consta das Metamorfoses de Apuleio. É uma história de enganos e mães divinas ciumentas e séculos de diferentes representações: os anos deram-lhe asas de borboleta na Grécia e a arte a capacidade de estar frente ao espelho, contemplando-se - é o exemplo da pintura de Berthe Morisot, chamada precisamente LePsyché (1876) - em inglês The Cheval-Glass ou The Psyche mirror -, residente do Museu Thyssen em Madrid. The Cheval-Glass é a designação do espelho psiché em inglês e a enciclopédia Britannica vem em nosso auxílio para explicar que Thomas Sheraton, no compêndio The Cabinet Dictionary (1803), o descrevia como um espelho com gavetas de um lado e de outro e uma espécie de mesa onde escrever. “O psiché pode ter uma gaveta, tem imensas variantes”, confirma Conceição Borges Sousa. A designer de interiores Marta Cunha confirma como a memória lhe devolve um psiché como sendo tanto um móvel com gavetas e sem possibilidade de assento, de quarto de senhora - “A minha avó tinha um [psiché] tríptico, em espelho, era mais baixo e era um móvel com quase dois metros” -, quanto um toucador. “Era para a senhora se ver ao espelho e se produzir dentro no quarto. No fundo era o momento da mulher moderna para poder tomar conta de si”, define a responsável pelo design de interiores da Ikea em Portugal. Alada ou miticamente bela, Psiché tornou-se no fundo num móvel associado à vaidade do utilizador e, pior, à falta de gosto e excesso do seu formato. “O termo ganhou outras conotações mais negativas: 'isto é um psiché'. Um psiché é uma coisa inútil, só decorativa, que não tem grandes funções”, resume Conceição Borges Sousa. Na segunda metade do século XX, os psichés faziam parte de um mundo em que as marcas e os nomes estrangeiros se confundiam com os objectos do dia-a-dia – era chamar-se Frigidaire ao frigorífico, como numa publicidade de 1966 à marca homónima, ou Philishave à máquina de barbear. As casas tinham escrivaninhas, naperons e camilhas e a certa altura queriam era ter bares de sala para substituir os psichés. Há quase uma década, Fernanda Câncio escrevia na Notícias Magazine sobre os psichés, que mesmo escritos, como palavra, lhe pareciam estranhos, “tanto como os objectos que nomeiam, espécie de embirração linguística, cultural e estética de estimação”. Para a cronista, um psiché podia muito bem ser “uma espécie de mesinha alta rococó, não raro em talha dourada, geralmente com um espelho em cima, encontrada no hall de tantas casas”. O psiché era o que um português quisesse, fosse ele Fernando Campos no seu romance Psiché, passado entre as últimas décadas do século XIX e os anos 1950, ou Rui Veloso a cantar a melancolia de Carlos Tê em Bairro do Oriente: “Tenho junto ao psiché/Um grande cachimbo d'água/ Que sentados no canapé/Fumamos ao cair da mágoa”. A música está cheia de objectos vetustos, do astrolábio à lamparina, passando pelo transistor e pela “velha cornucópia”, o livro repleto de várias cenas ao psiché. Ambas as obras, sintomaticamente ou não, datam de 1980. Na linguagem de quem com eles conviveu, um psiché era um móvel antigo, herdado dos avós ou bisavós, e cuja presença nas casas portuguesas do final do século XIX e até meados do século XX teve várias fases. O século XIX em que nascem os espelhos chamados psiché “é o século de ouro da vida privada”, do “fecho da família em si própria”, como explica o historiador José Mattoso na sua colecção História da Vida Privada em Portugal. É também a era em que os móveis associados à higiene, que cada vez merece mais esmero, e mais banhos, se tornam mais populares. Há psichés na colecção de mobiliário do Palácio Nacional da Pena, por exemplo, ilustrando os modos de habitar da família real portuguesa na segunda metade do século XIX. Mas só depois eles chegariam às classes médias mais altas, e muito depois às residências populares. O próprio espelho era uma raridade. “Durante a segunda metade do século XIX, o crescimento das classes médias urbanas contribui para um compreensível desejo de promoção social. Com os olhos postos na aristocracia, desenvolve-se uma cultura burguesa da aparência”, escreve Maria Helena Santana na História da Vida Privada em Portugal - A Época Contemporânea. “O próprio uso do espelho - à excepção do espelho minúsculo, vulgarizado pelos vendedores ambulantes - só lentamente se generalizará no espaço provinciano. ” O psiché, um espelho de corpo inteiro e com madeira, não era para todos. O psiché esteve em voga na classe média nos anos 1920 ou 30, confirma Marta Cunha, rodeada de móveis novos para a apresentação de um catálogo Ikea. Mas hoje, “o termo não é usado. Se perguntarmos a uma rapariga de 25 anos, ela não sabe o que é um psiché”. Porquê? “Esses espelhos passam de funcionais a decorativos e começam a ser cada vez mais elaborados até que se articulam com um significado pejorativo”, diz Conceição Borges Sousa. “Foi com certeza pelo excesso decorativo, até que o móvel quase se tornou obsoleto - quase nem se via o espelho”, lembra a conservadora do MNAA. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há toucadores e espelhos de pé na loja sueca de mobiliário, mas nunca a designação psiché. Essa só resiste em certas lojas, como os tradicionais Móveis Vitória, ou a loja de produtos de outros tempos Sotão da Avó - e nos habituais classificados online. Marta Cunha arrisca que os psichés na sua versão toucador foram vítimas das dimensões das casas. “O espaço dos quartos passou a ser reduzido e levou-se essa actividade de maquilhar ou pentear para a casa de banho. Como peça, em termos dimensionais, é difícil [de usar] porque as pessoas vivem cada vez mais em cidades e as casas vão ser cada vez mais pequenas – o toucador se calhar é só para alguns. ” Acrescenta, sobre as mulheres contemplativas ao espelho com pó de arroz e pinturas demoradas, que o acesso da mulher ao mercado de trabalho também pode ter contribuído para o recuar do psiché. A Enciclopédia Britânica é mais pragmática: “Quando os roupeiros passaram a ter espelhos, o psiché tornou-se desnecessário nos quartos”. Hoje, o renovado e luxuosíssimo Ritz de Paris mantém a sua Sala Psyché, património classificado em homenagem à mítica beleza grega. Outras mulheres e outros hotéis são descritos por Rui Pelejão Marques numa reportagem sobre bordéis portugueses na Revista A23, onde mergulha num estabelecimento perto do Fundão em que ao balcão há “um poster do Sporting campeão (uma raridade), uma imagem da Nossa Senhora” e no quarto, 60 euros por uma hora com uma das profissionais, há “uma cama, uma pechiché e uma mesinha de cabeceira”. A internet ainda guarda resquícios do impacto do psiché na cultura material e oral portuguesa, com blogues baptizados em sua honra e do carácter privado e até confessional da memória do psiché (há por lá "As crónicas do pechiché", ou "Enquanto isso no meu pechiché"). Marta Cunha acredita que os psichés, sobretudo na acepção toucador, podem ser reutilizados, móveis antigos ganhando novos espaços na casa. Cantarola Bairro do Oriente, e redime um pouco desta reputação do psiché. Vê na voz de Rui Veloso “uma memória carinhosa - ele está a fumar o seu cachimbo ao psiché, não o vejo como pejorativo. O psiché traduz um ambiente mais boémio”.
REFERÊNCIAS:
Rachel Kushner na intimidade de uma condenada
Entrou em prisões como voluntária, falou com reclusas, guardas, advogados. Queria que a sua vida os incluísse. Como se vive com o “para sempre” de uma pena perpétua numa prisão de mulheres da Califórnia? Um mergulho no íntimo mais negro, com humor para sobreviver: O Quarto de Marte, edição simultânea em Portugal e nos EUA. (...)

Rachel Kushner na intimidade de uma condenada
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Entrou em prisões como voluntária, falou com reclusas, guardas, advogados. Queria que a sua vida os incluísse. Como se vive com o “para sempre” de uma pena perpétua numa prisão de mulheres da Califórnia? Um mergulho no íntimo mais negro, com humor para sobreviver: O Quarto de Marte, edição simultânea em Portugal e nos EUA.
TEXTO: Romy Leslie Hall “não queria saber de trabalho honesto”, limitava-se a fazer o que não a “repugnava”, e este facto talvez diga o suficiente acerca da sua tragédia. Aos 29 anos passou a usar um número à frente do nome. Era a reclusa W314159 em véspera de ser transferida para a maior prisão de mulheres do mundo, lugar em Central Valley, Califórnia, onde iria cumprir duas penas perpétuas e mais seis anos. Resguardada à força do exterior, passaria a viver de memórias, entre elas as do tempo em que ganhou a vida como stripper e prostituta até ao dia em que matou um dos clientes, Kurt Kennedy, a quem chamou Kennedy Asqueroso, homem que a perseguiu e ameaçou. No dia do julgamento, o tribunal não teve dúvidas em quantificar a culpa. “Tudo o que os doze membros do júri ficaram a saber foi que uma jovem mulher de dúbio carácter moral — uma stripper — matara um cidadão íntegro, um ex-combatente do Vietname, que sofrera um acidente de trabalho e tinha uma incapacidade permanente. Como houvera uma criança envolvida, eles ainda acrescentaram uma acusação de negligência infantil, considerando que a criança havia sido posta em perigo. Era irrelevante que a criança fosse o meu filho, e que a pessoa que o pusera em perigo fosse o Kurt Kennedy. ”Romy é a protagonista de O Quarto de Marte (Relógio d’Água), de Rachel Kushner, a autora de Telex de Cuba e Os Lança-Chamas, livros que lhe valeram nomeações para o National Book Award, a admiração da crítica e que a cotaram como uma das representantes mais criativas da literatura norte-americana. Aos 50 anos, foca-se num tempo próximo do presente para interpelar o sistema prisional feminino da Califórnia e a invisibilidade a que estão sujeitas as mulheres condenadas. Para isso, conta a história de Romy. E nessa narrativa mostra-se menos interessada nas circunstâncias que a terão levado à prisão do que em explorar o modo como alguém vive enjaulado e lida com o “para sempre” que subjaz a uma pena perpétua. “Sempre me perturbou o facto de as pessoas ficarem numa prisão para toda a vida. É uma coisa muito americana, e uma ideia bizarra de punição; resulta de uma decisão estruturalmente arbitrária. Nunca se sabe quanto tempo uma pessoa irá viver. Podem ser quatro ou 40 anos, mas é como se com a vida pudessem reparar os danos que causaram. É muito estranho”, diz a partir de Londres, onde está a promover este romance com edição simultânea em língua inglesa e em Portugal e que tem sido classificado como o mais político dos seus livros. Será? Se assim for, é também o mais negro e o mais divertido, o mais livre de um enredo, mas o mais comprometido com uma personagem a partir da qual tudo se estrutura: Romy, a rapariga educada no silêncio de uma mãe que lhe deu o nome de uma mulher trágica. “A minha mãe deu-me o nome de uma actriz alemã que disse a um assaltante de bancos, num programa de televisão, que gostava muito dele. ” Nessa frase parece traçado um destino de sombra. Autoria: Rachel Kushner (Trad. José Miguel Silva) Relógio d'Água Ler excertoA ideia do romance terá surgido em 2012, quando Rachel terminou Os Lança-Chamas, romance situado nos anos 1970, com os movimentos políticos radicais na Europa a contaminarem o imaginário americano. Isso feito, era tempo de entender o seu tempo e a sua geografia com um foco preciso: o sistema prisional da Califórnia nos anos da Administração Bush. “Sabia que queria escrever um romance contemporâneo, e isso mudava muita coisa, já que ao fazê-lo se pede ao escritor que sintetize algum tipo de significado do que observa no seu próprio tempo. Eu queria escrever um livro sobre o mundo em que vivia e as mudanças que aconteceram desde os anos 1970”, sintetiza. Referindo em particular a Califórnia e São Francisco, não tem dúvidas, “as mudanças são de vulto”, com um factor a condicionar os outros: “A transição de uma economia industrial para um capitalismo financeiro excluiu muita gente. ”Romy pertence aos excluídos. Rachel nem por isso, apesar de terem partilhado — ficção e realidade — o mesmo bairro em São Francisco. Natural de Oregon, onde nasceu em 1968, filha de dois cientistas beatnick, mudou-se para “Frisno” (diminutivo da cidade) com dez anos e fez lá toda a escola. “Talvez por isso quisesse, finalmente, entender como é que a sociedade se estruturou ali, no lugar de onde sou, onde vivo. ” No livro, essa análise é feita recorrendo à memória de Romy, quando ela lembra uma amiga. “A Eva andava nas ruas. A sua mãe tinha morrido de overdose. P Pall Mall havia fechado. Os Scummerz tinham desaparecido. O bairro de Sunset estava transformado. (. . . ) Tudo foi transformado pelo dinheiro, e eu comecei a sentir a falta daqueles sítios sombrios e cheios de más recordações, queria-os de volta. ”Não é uma crítica à gentrificação, garante Kushner. “As cidades mudam por alguma razão subjectiva que para mim não é importante. Importam-me mais as memórias daquela mulher”, Romy Hall. “Ela vivia no meu bairro e testemunhou uma cidade que eu conhecia intimamente, um mundo com as mesmas pessoas que conheci”, salienta. Romy vive no tempo da adolescência de Kushner. “Não que seja como eu, mas estava lá como eu estive; não é uma rapariga que tivesse conhecido; é uma criação ficcional e isso era importante para documentar um lugar que foi o de alguém e que já não existe. Não necessariamente por causa da gentrificação, mas porque desapareceu. E mesmo que não traga boas memórias continua a pertencer a essa pessoa. Ou seja, não tendo boas memórias, ainda assim as quer de volta. ”Talvez por isso este é também um livro sobre a infância. Não foi intencional. Há pedaços do passado de Romy que levam o leitor à inevitabilidade do presente dela. Mas seria esse presente assim tão inevitável? Pelo menos não se estranha que assim tivesse sido. Romy vai parar à prisão porque tudo parece tê-la encaminhado para ali. Há nisso uma estratégia de escrita ambígua que tanto quer alimentar como deixar a dúvida acerca da inevitabilidade. “Não sei porque é que o destino dela foi moldado daquela forma, mas há qualquer coisa nela que lhe permite cometer um acto de extrema violência contra outra pessoa. Com isso não estou a dizer que ela nunca teve uma oportunidade de ser diferente”, esclarece a escritora, que assume a génese ficcionada de Romy e a fuga a moralismos. Em O Quarto de Marte, Rachel Kushner, autora de Telex de Cuba e Os Lança-Chamas, que a cotaram como uma das representantes mais criativas da literatura norte-americana, interpela o sistema prisional feminino da Califórnia e a invisibilidade a que estão sujeitas as condenadasRomy nunca existiu como não existiram as personagens que a rodeiam e são nomeadas. Heroinómanos, prostitutas, dealers, assassinos, violadores, bêbedos, vigaristas, chulos, condenados, moribundos que se arrastam pelas ruas, mães silenciosas, pais ausentes. “Há muitas memórias que ela partilha que são as de pessoas que estiveram perto de mim e algumas até são minhas. ” Quando o leitor conhece Romy, percebe como tudo isto vive nas suas recordações mais antigas e tantas vezes associado a uma ideia precisa, a de trauma. “Pensei no trauma e no facto de que as coisas de que nos lembramos mais são as que nos traumatizaram. ” Mais ainda nesse lugar da invisibilidade que é a prisão. É o sítio onde ela partilha a existência com Conan, a mulher de barba e músculos de homem; Laura Lipp, que matou uma criança; Sammy Fernandez, uma das líderes da prisão; Betty La France, amiga de Sammy, que adorava dinheiro e matara e mandara matar por isso e se cruzara com Doc, o polícia corrupto e assassino detido numa prisão para homens. Reclusas, guardas e Gordon Hauser, o professor, o único a fazer a ponte entre a prisão e o mundo lá fora que interiorizara uma das regras que fazia parte do código social dos reclusos: “Não devemos perguntar às pessoas por que crime foram condenadas. ”Gordon é “uma ave rara”, alguém cuja missão é ensinar àqueles que nem o sistema acredita que terão hipótese de recuperação. Ele explora o papel do trauma na memória ao tentar perceber, como Kushner, o mundo que o rodeia. Mais do que isso, ele queria encontrar um equilíbrio pessoal, e investigava, ciente do pensamento de Nietzsche, que, acerca da verdade, dissera que “cada ser humano tem direito a tanta quanta possa suportar. ”A escrita de Kushner gere-se por essa máxima. Que sofrimento, que nível de violência, que consciência dessa violência cometida ou sofrida pode uma reclusa suportar? E ele, que verdade consegue saber de quem lhe entra todos os dias na sala de aula? É um homem aparentemente pouco feliz, uma espécie de Thoreau a viver numa cabana na natureza, leitor de Dostoiévski, Nietzsche, Norman Mailer. Ele sabe, também como Kushner, que talvez “quando não se passou pela infância de outra pessoa não seja possível julgá-la no mesmo plano moral. ”Rachel Kushner demorou seis anos a escrever este livro, entrou em prisões como voluntária, falou com reclusas, guardas, advogados, mas não gosta de aplicar a palavra pesquisa ao processo. “Eu estava a fazer voluntariado com uma organização de direitos humanos chamada Justice Now. Eles tentam documentar e prevenir o abuso de violação dos direitos humanos nas prisões da Califórnia com foco em pessoas a cumprir penas vitalícias. Isso permitiu conhecer muita gente com quem mantenho contacto. Nunca tomei notas quando falava com as pessoas. Ouvia-as. E não incluí histórias das suas vidas. A minha ideia ia além do romance; queria tentar aprender o mais que pudesse sobre o sistema criminal e judicial, não para escrever um livro, mas porque senti que era o tempo para o fazer. Isso implicava não apenas aprender acerca do sistema judicial, mas mudar a minha vida, incluir aquelas pessoas que tivessem sido tornadas invisíveis nos dias de hoje. Eu queria que a minha vida os incluísse. Isso continua, é um projecto que tem que ver com o modo como vivo mais do que com o que escrevo”, salienta Rachel, que se deu conta de outra coisa: as mulheres, enquanto reclusas, são mais invisíveis dos que os homens. Quando se fala deste assunto, faz uma pausa como se estivesse a pensar nele pela primeira vez. Qual a razão pela qual se fala menos de prisões femininas? “Isso é muito interessante. Misoginia? Realmente não sei, mas seria estranho excluir essa possibilidade. Talvez ironicamente seja por as pessoas não estarem interessadas nas vidas das mulheres, mas também há menos mulheres nas prisões. Os homens são a esmagadora maioria nas prisões da Califórnia, mas a prisão de mulheres aonde vou mais tem quatro mil reclusas, é a maior no mundo. As prisões de homens na Califórnia são terríveis, mas as mulheres são marginalizas de modos tão extraordinários. . . Por exemplo, ninguém as vai visitar. Quando se vai a uma prisão de homens em Central Valley, encontram-se movimentos de protesto das populações locais; não querem que um determinado tipo de família vá à cidade visitar os homens na prisão. As visitas são vistas como desvio de classe — e com isto não quero dizer que as pessoas do Central Valley sejam ricas, porque não são —, surgem como ameaça. ”Falou com muitas mulheres, e os sentimentos em relação a esse abandono são diferentes. “Não gosto de generalizar, mas os homens são tratados como monstros e, como consequência, comportam-se enquanto tal. Tem que ver com lógicas institucionais enraizadas acerca de como os seus corpos são controlados. As mulheres são tratadas como bebés. São infantilizadas, crianças que se tornam selvagens e fazem birras e estão sempre a queixar-se e choram. São olhadas como crianças pequenas, como incrivelmente manipuladoras e fracas. ”Romy Hall vive entre elas, como elas. Vamos sabendo dela pela sua narrativa, o olhar sobre o seu passado, mas a voz dela cruza-se com outras que habitam a mesma rede. Social, prisional. É dela a voz principal. Mas há as vozes das outras e a de Doc, e a de Gordon. E, nisso tudo, um mergulho profundo no íntimo de cada personagem. “Queria escrever o romance na primeira pessoa, mas foi difícil chegar lá, ficar só lá, porque nunca fui presa, porque pertenço à classe média. Não há pessoas de classe média naquelas prisões”, afirma, confessando que andou perdida. “Sabia que ela precisava de ser realmente culpada, mas é o que a maior parte das pessoas na prisão são; partilham a ideia de que estão lá por qualquer coisa. Eu queria que ela fosse alguém de quem me sentisse próxima, e que tivesse feito qualquer coisa que não explicasse tudo. Ao mesmo tempo em que pensava neste livro e nessa mulher, escrevia passagens sobre a minha adolescência em São Francisco. Um amigo com quem cresci esteve na prisão durante muito tempo e morreu lá. Comecei a pensar nisso, a conversar com velhos amigos acerca do que aconteceu ao nosso amigo e a pensar em todas as pessoas com quem cresci que não foram parar à prisão mas que se perderam em vidas que se tornaram mais negras do que a minha. Narrei um pouco esta realidade próxima de mim e atribuía-a a Romy e percebi que era a minha forma de entrar numa personagem à qual queria estar intimamente ligada. Se não tivesse feito isso, não teria conseguido a profundidade e a raiva de que precisava para lhe dar um corpo e uma voz. ”A acção central é a história de Romy e do que lhe acontece. Romy, a condenada, trabalhadora do clube em São Francisco que dá título ao romance, O Quarto de Marte, mulher de quem apenas conhecemos os traços físicos já o romance vai longo. “. . . ela era atraente, apesar das condições. Olhos verdes muito afastados um do outro. Os lábios formando um arco de Cupido, como se lhes chamava, com o lábio superior subindo e descendo. Uma boca bonita que dizia: confia neste rosto. E o rosto dizia: isto não é o que parece. ” A descrição é de Gordon, o professor que começa a gostar dela apesar de todas as interdições e a quem ela vai pedindo o que pode para ter informações do filho. Ele resiste. Vai resistindo. “Ela é a coluna vertebral do livro e tudo se fecha nela”, refere Kushner. O livro começa com a sua condenação e termina com o desejo, também dela, de atingir algum sentido para a sua vida que não pode ser determinado pelo Estado. “Para mim, tem mais acção do que qualquer outro livro que tenha escrito”, ri Kushner, reagindo à acusação de alguns críticos de que falta enredo a O Quarto de Marte. “E é também mais livre, em parte por causa do tom. Ouço Romy a falar como que a partir de uma urgência de testemunho. Mas há outras personagens que me interessam, toda aquela paisagem de pessoas circunscritas a uma rede prisional, a viver numa zona penal, ou a trabalhar nesse mundo. ” E está lá o modo como Gordon entra e sai da prisão, quase tão relevante no que revela de impressão sobre o mundo prisional como as vidas das pessoas fechadas nele. E há a paisagem rural industrial, com toda a sua desestruturação social, ou as ruas de Los Angeles da memória de Doc. A vitalidade do romance vive dessa e de outras ambiguidades e da percepção que Kushner sintetiza desse modo: “As prisões são estruturadas como fábricas mas não produzem lucro. Há quem pense que sim, mas é um mito. São muito caras. No entanto, fabricam um produto: a incapacitação das pessoas dentro dessa fábrica. ”A acção principal decorre de 2003, o ano da invasão do Iraque, a meados de 2008. Com isso, é difícil fugir ao epíteto de romance político. Kushner resiste. “Interessa-me muito mais a literatura do que a política. Talvez seja muito político no sentido em que também se pode considerar muito ideológico escrever um romance que pretenda não ter política. Ou seja, a ideia de que não há nada de político num romance é em si mesma bastante política. Negar que as pessoas sejam um produto de pensamento sobre Poder. Tento não negar essas coisas, mas não vejo o meu projecto como político. O meu projecto é artístico. Se fosse político, escreveria não-ficção. As minhas preocupações são estéticas e muitas vezes conduzidas para encontrar uma verdade poética e um encontro com o meu inconsciente, ver o que é produzido lá. ”O Quarto de Marte é Rachel Kushner no seu tempo. Com ela, o leitor viaja de um território vasto até outro, limitado. “Às pessoas dentro das prisões não lhes chega nada do mundo exterior. Em especial nas prisões de mulheres: vivem num ambiente aterrorizador e melodramático. Não são moldadas pelo que acontece no mundo lá fora”, sublinha, para dizer que, no entanto, em certos pontos é preciso dar notas sobre esse exterior. “Em parte porque aquilo não acontece sem História. E a História conta que naquele momento a Califórnia investiu no maior edifício prisional do mundo. Esse é o marco. E as invasões do Iraque e do Afeganistão, com as histórias desse tempo. Vejo as obsessões das pessoas acerca do que se passa agora e é como se se tivessem esquecido de como foi aquela altura, a devastação que causou, o que provocou a longo prazo, níveis de migração históricos, gente sem casa no Iraque, Afeganistão, Síria, Líbia. Isso aparece aqui e ali no livro porque Gordon leu as mesmas coisas que li. Não quis produzir uma mensagem sobre isso, mas dizer que o livro aconteceu num tempo em que era essa a narrativa. ”Rachel nunca é Romy, porque não pode ser. Mas quis ser íntima dela e para isso Gordon foi essencial. Às vezes Rachel é Gordon. Os dois sem um Deus, à procura de uma verdade que os ajude a salvarem-se de tanto negrume. Ela, como ele, encontrou esse entremeio divino na literatura e não na religião. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Pensei muito em religião enquanto escrevia. Sobretudo sobre cristianismo. Como alguém criada fora desse mundo sinto falta dele na minha vida quando tento captar realidades dolorosas. Ao pensar nas pessoas fechadas em prisões, que é suposto morrerem lá, que têm uma sentença para a vida sem possibilidade de fuga. . . Algumas praticaram acções complicadas. É perturbador. Agora estou bem com isso, quis entrar nas suas vidas sem os julgar, mas quando não se tem religião ou um Deus e se vai até ao mais negro do universo humano, é difícil. E talvez, no lugar delas, fosse mais difícil para mim porque não tenho essa rede. A estrutura do cristianismo inclui misericórdia, compaixão e redenção, mas o sistema de justiça não. Isso perturbou-me. Ao reler Dostoiévski senti-me melhor. Estou convencida de que ele tinha Deus, no sentido em que lhe permitiu ir aos recantos mais negros do ser humano. ”Também Gordon se refugia no Deus alternativo que Dostoiévski fornece. O escritor respondia às “suas melancólicas dúvidas”. A análise é de Gordon, podia ser de Kushner. “Dostoiévski não acreditava em nada a não ser no mundo untuoso e terra-a-terra onde os seres humanos vagueavam, lutavam, corrompiam e matavam. Mas Dostoiévski era cristão, e as pessoas que lutavam e vagueavam nos seus romances haviam perdido o seu caminho, ao passo que Deus não. Dostoiévski era algo vasto — de dimensão universal —, um universo que possuía uma ordem, mas não uma ordem fixa e artificial como a dos gregos. Era um difuso reino de caóticas provações, e Gordon sabia que quando o lia penetrava no território de verdade. ”Suportá-la era outra coisa. Romy não sabia de Dostoiévski nem de Nietzsche, mas sabia dos seus limites pessoais. Não era intelectualmente curiosa, nunca quis saber quem era a actriz alemã que lhe inspirou o nome e introduziu o espectro, a sombra, o fantasma da tragédia na sua vida. Kushner enfatiza essa tragédia com o humor. “Era preciso chegar à vitalidade daquela gente e essa vitalidade tem de se alimentar de humor. É uma forma de resistência. Pode ser preguiçoso escrever apenas focado na tristeza. Isso é excluir verdade. Há muita gente a forçar a ficção em função dos seus objectivos, como, por exemplo, pintar o cenário mais negro. ”
REFERÊNCIAS:
Empresas familiares criam emprego, mas resistem à mudança
O estudo “Empresas familiares da região Norte” indica que muitas destas empresas conseguiram aumentar o número de trabalhadores nos últimos três anos da troika. Por outro lado, têm pouca abertura para mudanças na gestão e na estrutura accionista. Há mais homens empresários, mas mulheres são mais qualificadas. (...)

Empresas familiares criam emprego, mas resistem à mudança
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-09-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: O estudo “Empresas familiares da região Norte” indica que muitas destas empresas conseguiram aumentar o número de trabalhadores nos últimos três anos da troika. Por outro lado, têm pouca abertura para mudanças na gestão e na estrutura accionista. Há mais homens empresários, mas mulheres são mais qualificadas.
TEXTO: A maioria das empresas familiares do Norte conseguiu, entre 2013 e 2016, ainda com a troika em Portugal – deixou o país em 2015 -, estabilizar ou aumentar o número de trabalhadores ao seu serviço, mas tem revelado dificuldades em inovar, em operar mudanças nos cargos de gestão e em abrir o capital social a elementos externos à família proprietária. Estas são algumas das conclusões do estudo “Empresas familiares da região Norte. Mapeamento, retratos e testemunhos”, coordenado por Ana Paula Marques, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho (UM), e apresentado na quarta-feira, no auditório do Centro Internacional de Artes José de Guimarães, em Guimarães. Financiado pelo Norte 2020, o estudo reuniu, entre 2016 e 2018, uma base de dados com 41. 496 empresas familiares, valor que corresponde a 10, 4% do total do Norte no passado mês de Fevereiro, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). A base de dados mostra que, à semelhança da população – cerca de 3, 6 milhões de pessoas -, o grosso das empresas familiares está sediada no litoral, com destaque para a Área Metropolitana do Porto, com 51, 6% do total, seguida das NUTS III do Cávado (12, 6%) e do Ave (11, 6%). As NUTS III mais para interior (Douro, Alto Tâmega e Terras de Trás-os-Montes) perfazem 8, 6% do total (as NUTS dizem respeito à Nomenclatura de Unidades Territoriais para Fins Estatísticos). A partir dessa distribuição geográfica, foi realizado um questionário a 1148 entidades, a partir do qual se concluiu que 47, 8% das empresas familiares manteve o número de trabalhadores e que 42, 8% aumentou-o. A criação de emprego foi mais evidente nas empresas com mais de 50 trabalhadores - 68% conseguiu fazê-lo – e nas empresas pequenas, entre 10 e 49 (63%). Embora a base de dados indique que 74, 2% das empresas familiares não exporta e que apenas 4, 7% exporta mais de 75% da sua produção, o questionário também revela que as exportações, em 2016, aumentaram em 50, 4% das firmas e diminuíram apenas em 12, 8%. “Os dados permitem-nos afirmar que há um peso muito importante das empresas familiares na criação de emprego. Elas contribuem em 50% para a criação de emprego no país, numa estimativa geral”, afirmou Ana Paula Marques, após a apresentação dos resultados. A socióloga da UM frisou ainda que as empresas familiares “conseguiram manter e aumentar os trabalhadores durante o período da troika”. No entanto, os proprietários destas organizações são, por norma, avessos à entrada de gestores ou de accionistas que não pertençam à sua família. Em 94, 3% das 1148 empresas incluídas no questionário, as famílias proprietárias detêm a maioria do capital social. Em 44% dos casos, aliás, as famílias detêm todo o capital. Os resultados mostram ainda que só 16% das empresas pondera mudar a estrutura accionista e que apenas 22% pensa em fazer alterações nos lugares de gestão, nos próximos três a cinco anos. Mas tais mudanças são motivadas, respectivamente, pela transferência de propriedade entre familiares (65% dos casos) e pela entrada de uma geração mais nova para a administração (74%). A coordenadora do estudo realçou que há uma “ligação muito grande” entre família e negócio, até porque a família, muitas vezes, é o alicerce que suporta a “ousadia” dos empresários para embarcarem em “projectos empreendedores”. Ana Paula Marques lembrou também que muitos empresários entendem ter as competências necessárias para uma gestão profissional, e, talvez por isso, não se mostrem interessados em abrir as portas a membros externos. A socióloga alertou, no entanto, que a falta de uma “gestão mais profissionalizada”, no sentido de haver “um olhar externo, desapaixonado”, pode criar um “foco de conflito”. Com base na ideia do especialista em empresas familiares, Manuel Bermejo, a socióloga realçou que a figura do consultor externo poderia ajudar. “Era importantíssimo haver uma espécie de consultor, um membro que, em certas ocasiões, dissesse aos gestores que o plano de negócios não é o mais exequível. Um membro externo poderá estar mais legitimado a fazê-lo”, explicou. A base de dados revela ainda que somente 3, 1% das empresas familiares factura mais de cinco milhões de euros por ano – a maioria (65%) tem um volume de negócios inferior a 250. 000 euros - e que 92% das empresas são sociedades por quotas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O estudo revela ainda que há mais homens nos cargos de gestão das empresas familiares do Norte, apesar das mulheres serem mais qualificadas, e que a aposta na inovação tem sido baixa, apesar das expectativas de crescimento. Os resultados do questionário mostram que 65% dos cargos de gestão são ocupados por homens, dos quais apenas 38% completou o ensino superior. As mulheres, por seu turno, apresentam uma taxa de habilitações superiores de 60%. Das empresas inquiridas, 57% conta com, pelo menos, uma mulher na gestão, mas a percentagem de mulheres com funções executivas concretas cai para 28%. O estudo mostra também que 89% das empresas não tem departamento de inovação e desenvolvimento e que 84% não participou em qualquer processo de inovação nos últimos três anos. O número de empresas sem registo de propriedade intelectual, certificação de qualidade ou sistema de avaliação ultrapassa os 70%, e apenas pouco mais de um terço consegue (36, 7%) – sobretudo organizações com mais de 20 anos - consegue chegar ao mercado internacionalAna Paula Marques disse, no entanto, que a tendência para o aumento das qualificações nas gerações futuras pode aumentar a dinâmica das empresas familiares e alimentar expectativas de “inovação, internacionalização e conquista de mercados além-fronteiras”.
REFERÊNCIAS:
Entidades TROIKA
CP nega comboio especial ao Benfica, mas disponibiliza-o a militantes do PS
Empresa não realiza este ano os comboios do Benfica e tem recusado comboios especiais por falta de material circulante. Leva, porém, militantes do PS à festa do partido em Caminha. (...)

CP nega comboio especial ao Benfica, mas disponibiliza-o a militantes do PS
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.378
DATA: 2018-09-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Empresa não realiza este ano os comboios do Benfica e tem recusado comboios especiais por falta de material circulante. Leva, porém, militantes do PS à festa do partido em Caminha.
TEXTO: O PS alugou à CP um comboio para fazer a viagem de ida e volta entre Pinhal Novo e Caminha, transportando assim militantes da Margem Sul, Lisboa e outros locais ao longo da linha do Norte até ao Alto Minho para assistir à festa da rentrée. A iniciativa está em linha com os princípios defendidos pelo Governo acerca do uso dos transportes públicos e da sustentabilidade ambiental e descarbonização. Um comboio com sete carruagens substitui 15 autocarros e é um transporte mais seguro, além de permitir o convívio entre passageiros que partilham os mesmos ideais. Mas este comboio especial assume características mais especiais por a CP estar debaixo de fogo devido à situação de ruptura da sua frota, incapaz de assegurar o serviço regular – uma crise que tem provocado imensos atrasos e supressões de comboios e que colocou a empresa debaixo de forte pressão mediática e política este Verão. É por falta de material que a CP não vai este ano realizar os comboios especiais do Benfica que, a cada 15 dias, traziam milhares de adeptos de todo o país ao estádio da Luz – uma operação que já era uma rotina e que tinha sido um sucesso nos últimos anos. Pelos mesmos motivos a APAC (Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro) não conseguiu alugar um comboio com máquina e carruagens para a sua festa de aniversário em Outubro, tendo-se de cingir a um passeio numa simples automotora eléctrica. E até os entusiastas ingleses do PTG (Portuguese Traction Group), que desde 1998 organizam viagens ferroviárias em Portugal, tiveram este ano dificuldades em organizar a sua. Na linha do Oeste a CP já não aceita reservas para viagens de grupo por não saber se consegue assegurar a sua oferta regular. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há cinco anos, quando a transportadora pública estava ainda longe da situação de ruptura que hoje vive, os comboios charter estavam em crescimento, com empresas, escolas, municípios e associações a alugarem composições. Em 2013 a empresa organizou 113 comboios especiais que transportaram nesse segmento de mercado 52. 755 passageiros. Grandes empresas e alguns bancos encontram-se entre os clientes habituais da CP para este tipo de serviços. E nos últimos anos o PCP não falha o aluguer de um comboio especial para Foros de Amora, a estação ferroviária mais perto da Festa do Avante!. Apesar de o contrato ter sido feito entre uma empresa pública e um partido político, a CP recusou divulgar quanto custou o aluguer do comboio do PS, alegando que “se trata de condições comerciais acordadas directamente com os clientes”. O diário digital Observador refere que foram 13 mil euros.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PCP