Atletas não profissionais usam esteróides e hormonas comprados na Internet e a amigos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2008-01-23
URL: https://arquivo.pt/wayback/20080123204233/http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1317474
TEXTO: Rui injecta-se com esteróides em casa, antes de ir dormir. Tó já o fez de madrugada atrás do balcão de um bar. César usa os balneários do ginásio. Três casos de doping em nome de um corpo perfeito, sem medo dos riscos que podem ser fatais. Rui, Tó e César (nomes fictícios) são três desportistas amadores que retratam um mundo escondido do consumo de substâncias vendidas ilegalmente. Não vivem à margem da lei, porque os desportistas amadores não estão contemplados no decreto-lei que regula o doping em Portugal. O tráfico e consumo de produtos dopantes são proibidos, mas as sanções são dirigidas apenas aos desportistas federados. O Governo prepara-se agora para alterar a situação. Até lá, “vão continuar a existir ginásios que encobrem o negócio”, alerta Tó, segurança da noite em Coimbra e frequentador dos chamados “ginásios do ferro” há mais de uma década. Depois de ter visto amigos a “darem-se mal” com a experiência diz que já não toma nada, porque os riscos para a saúde não compensam os ganhos que se vêem ao espelho. “O consumo dessas substâncias pode potenciar o cancro do fígado, da próstata e da pele, pode provocar hipertensão, enfarte do miocárdio, atrofia dos testículos, esterilidade masculina, alteração do comportamento”, lembra Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, que deixa o risco de morte para o fim da extensa lista de “inconvenientes”. Indiferente aos perigos do consumo excessivo de medicamentos, alguns até para uso veterinário, Rui está apostado em prosseguir o seu objectivo. Começou há três semanas a toma de um verdadeiro “cocktail” de fármacos para ganhar músculo, prática que no meio se chama de “ciclar”. O conhecimento que tem das propriedades dos esteróides anabolizantes e hormonas de crescimento atestam que é rodado nestas andanças. São nove anos de contacto com substâncias proibidas, a aprender com colegas e desconhecidos em chats na internet. São nove anos a trabalhar para conseguir o que chama “um corpo Danone”. “Nós andamos a treinar para ficar maiores e descobrimos que para isso temos de tomar alguma coisa. Começamos pelos batidos, mas as coisas naturais não são tão rápidas nem têm os mesmos efeitos”, explica Rui, que está a tomar “Deca e Equipoise, um medicamento que é dado aos cavalos de corrida”, diz. Sob o anonimato, não se importa de revelar os detalhes da sua história, mas Rui é uma excepção. “Estamos a falar de um jogo proibido. As pessoas não contam tudo o que fazem nem tudo o que sabem”, garante o trabalhador da construção civil, 36 anos. A Internet é uma boa fonte não só para comprar tudo o que é preciso mas também para trocar ideias e ficar mais informado. Há chats onde se trocam opiniões sobre as “melhores doses” para se conseguir atingir os “melhores resultados” e até se ensina como injectar as substâncias. “Furas a pele com a agulha, quando a penetração oferecer mais resistência é porque atingiste o músculo. (. . . ) Se entra sangue é porque atingiste uma veia, o que é mau. Retira a agulha, troca por uma nova e repete o procedimento noutro sítio”, explica um site português aos que têm medo de se injectar. A injecção de esteróides que Carlos dá na sua própria nádega duas vezes por semana já é um gesto mecânico. Gastou 480 euros para perder algum peso e ganhar músculo em oito semanas. Em mente já está a preparar o próximo “ciclo de winstrol para secar”, ou seja, definir os músculos. Os medicamentos – muitos deles vendidos apenas com receita médica – arranja-os através de “um amigo que também toma e que os vai comprar lá fora”. Tudo começou depois de seis anos a treinar sem ver resultados, em 1999. “Antigamente, conseguiam-se os medicamentos através de conhecimentos na farmácia, agora as coisas vêm de fora ou são mandadas vir pela Internet. Tenho um amigo que chegou a comprar cenas no E-bay. O grande risco de comprar na Internet é poder não receber nada. Mas na vida quase tudo se baseia no risco”, explica Tó, 31 anos. Comprar a desconhecidos também se pode revelar um logro. “A hormona de crescimento é muito cara. Sei de pessoas que a tomaram e depois puseram placebo na cápsula usada e venderam-na. As pessoas nunca descobrem, mas estão a ser enganadas”, alerta Tó. Nos ginásios, o tema surge naturalmente nas conversas de balneário. Quem vende tenta seduzir quem não consegue atingir o corpo ideal. “Os jovens tomam tudo o que lhes dão”, afirma Tó, lembrando os “gangs de marginais que aceitam miúdos cada vez mais novos. São putos que se querem afirmar e que tomam esse tipo de coisas para aumentar a massa muscular”, explica. Um estudo sobre comportamentos de saúde dos jovens revela que em Portugal existem crianças de 11 anos que já experimentaram o doping. “Há mais rapazes do que raparigas e os mais velhos são os que dizem mais vezes ter experimentado”, explicou à Lusa Mafalda Ferreira, uma das autoras da investigação realizada pela Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade Técnica de Lisboa. As bailarinas da noite e os seguranças são grupos onde o consumo está generalizado. Mas Tó garante que os esteróides e hormonas são “tomados por todo o tipo de gente”. Os candidatos mais vulneráveis estão identificados: “As pessoas mais vaidosas com o corpo, com menos posses económicas e com menos conhecimento dos malefícios são as que têm mais probabilidades em vir a tomar”, explica o professor de Educação Fisica André Freire, baseando-se no estudo de fim de curso que realizou para a Universidade Lusófona. José Júlio Castro, vice-presidente da associação portuguesa de ginásios, sublinha que “não se pode confundir ginásios com centros de dopagem e locais onde se praticam actos ilicitos”, lembrando que os ginásios de hoje são espaços de bem-estar que promovem a saúde. Já Tó tem uma percepção diferente, porque se calhar os espaços que frequenta também são diferentes: “Nos ginásios todos treinam para o mesmo: para o ego, para o espelho. Não para a saúde”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte trabalhador lei educação consumo medo estudo corpo