Lady Gaga: Se isto é uma estrela
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-04-19
SUMÁRIO: Sempre soubemos, mas decidimos ignorar: as celebridades tornaram-se muito chatas. Não Lady Gaga: ela é toda humor e brincadeira, provocando acontecimentos surreais para nosso gozo diário. Esta é a história da criação - voraz e acidental - do maior fenómeno pop dos nossos tempos. Chega para lá, Madonna.Vanessa Grigoriadis/Exclusivo PÚBLICO/New York Magazine
TEXTO: Há exactamente um ano, Lady Gaga chegou ao átrio sombrio do Hotel Roosevelt, uma relíquia pomposa de estilo espanhol na zona turística de Hollywood, para uma entrevista. Just dance, o single de avanço do seu primeiro álbum, The Fame, tinha atingido o primeiro lugar do top na Austrália, Suécia e Canadá no início de 2008, mas em Março de 2009 ela ainda era uma pretendente a artista na América: tinha uns quantos milhares de ouvintes no MySpace, uma página de Internet genérica, e uma curta digressão como suporte dos New Kids on the Block. Contudo, Gaga tinha um vídeo. "Os meus colegas que trabalham com as rádios nesses três países concordaram em apoiá-la se eu fizesse um videoclip", diz Martin Kierszenbaum, o presidente do A&R (Artistas & Reportório) da Interscope, a editora dela. O vídeo de Just dance, filmado a poucos quilómetros do Roosevelt, mostra Gaga cantando e dançando com uma bola de espelhos na mão enquanto os seus amigos relaxam num sofá ao lado - embora quase todos fossem figurantes, não amigos a sério. Ela não conhecia muita gente na costa oeste. "Não gosto de Los Angeles", disse-nos. "As pessoas são horríveis e tremendamente fúteis, e todas querem ser famosas mas ninguém está disposto a fazer o que é preciso. Eu sou de Nova Iorque. Estou a disposta a matar para obter o que quero. "Antes do encontro, parti do princípio de que alguém com um nome artístico como "Lady" (o seu nome verdadeiro é Stefani Joanne Germanotta) seria algo retraído - em todo o caso, essa é a estratégia adoptada por muitos jovens músicos quando dão a sua primeira entrevista a sério. Mas nunca pensei que ela fosse realmente encarnar Lady Gaga. Por estes dias, contam-se pelos dedos os artistas que confundem os media como Bob Dylan, ou que nunca saem da personagem que criaram para o mundo, como Mark Mothersbaugh, dos Devo, fez no início da sua carreira. Nos dias de hoje, com documentários sobre a vida privada das estrelas na televisão, uma cultura de tablóide e reality shows, os músicos têm noção de que se devem mostrar aos jornalistas com o máximo de detalhe mundano que conseguirem. "Mas Lady Gaga é o meu nome", disse ela, espantada por eu poder imaginar outra coisa. "Se me conhecer, e me chamar Stefani, é porque não me conhece de todo. "Gaga instalou-se confortavelmente num sofá de pele castanha com a graciosidade possível dada a roupa que trazia vestida, um fato-macaco branco e hirto com enormes chumaços que subiam até às orelhas. Com 1, 57m de altura e 45 quilos, e o cabelo loiro com um corte à tigela anos 60, parecia saída de uma rigorosa dieta de fome. "As estrelas pop não deviam comer", proclamou. Era jovem, magra e loira, mas tinha um proeminente nariz italiano, o tipo de nariz que raramente sobrevive numa starlet. (Isto aconteceu durante a fase em que Gaga compunha o cabelo num laço - ou seja, antes da fase do chapéu de cabelo e do telefone de cabelo - e quando lhe perguntei o que era feito do laço, ela pousou a cabeça sobre as mãos como se fossem uma almofada e disse: "Está a dormir. ") Na ala junto à sua mesa, famílias de turistas tiravam fotografias umas às outras, inconscientes da presença dela, e ela retraía-se dramaticamente a cada flash. "Oh, câmaras", disse, protegendo os olhos. "Não suporto as câmaras. " Quando começámos a conversa, Gaga falou cuidadosamente num sotaque bizarro - numa mistura entre Madonna na sua fase britânica e um robot, uma afectação agravada pelo facto de se recusar a remover os óculos escuros ao longo das duas horas. "O que eu descobri", disse a robótica Gaga, posicionando o rosto como se lhe fossem tirar uma fotografia, "é que na arte, como na música, há a verdade e há a mentira. O artista cria essencialmente o seu trabalho para fazer dessa mentira uma verdade. A pequena mentira é o que eu procuro, é onde me quero situar. É o momento em que o público se apaixona. "Nesse instante, Gaga estava muito excitada com o seu novo vestido de bolas, e falámos da sua irrealidade, da beleza que existe no imaginário. Toda a gente queria esse vestido, que não era sequer um vestido - era um aglomerado de bolas de plástico transparentes. "Na minha digressão", declarou a cantora, "vou usar o meu vestido de bolas num piano feito de balões, e cantar sobre o amor, a arte e o futuro. Gostaria que cada pessoa acreditasse nesse momento, e isso valeria mais do que um disco chegar ao número um do top. " Ela deixou cair o sotaque naquele instante - a rapariga real, sem artifícios, estava praticamente visível - e inclinou-se para a frente. "Posso ter recordes de vendas todos os dias, mas que raio é que isso interessa?", disse. "Daqui a um ano posso desaparecer, e as pessoas podem pensar: "O que é feito daquela rapariga que nunca usava cuecas?" Mas como será maravilhosamente memorável se daqui a 30 anos elas disserem: "Lembram-se de Gaga e das suas bolas?" Por um minuto, toda a gente naquela sala irá esquecer todas as coisas tristes e dolorosas nas suas vidas, e viverá apenas na bolha que eu criei. "Um ano depois, a transformação está terminada: com seis êxitos que chegaram ao número um no último ano, Lady Gaga é a maior estrela pop do mundo. Por definição, uma estrela pop é fabricada - as estrelas rock não o eram, pelo menos até meados dos anos 70, e talvez tenha sido por isso que o rock se tornou pop - e de certa forma é devedora de um modelo de produção de estrelas muito tradicional, uma das últimas competências das grandes editoras discográficas. Mas o sucesso pode ter mil autores. Várias pessoas reclamaram créditos por descobrirem Gaga, 24 anos, por a terem modelado, baptizado, ou feito dela o que ela é: Rob Fusari, que co-escreveu e produziu as suas primeiras canções, processou-a há três semanas em 30 milhões de dólares [cerca de 22 milhões de euros], alegando, entre outras queixas, que o seu contrato estabelecia que 15 por cento das receitas de merchandising iriam para ele. Claro que Gaga reclama todo o crédito para si própria. "Eu passei por muito em termos de revelação criativa e artística, aprendizagem e afinação para me tornar no que sou", explica. "Queria tornar-me na artista que sou hoje, e isso levou anos. "Em parte, todos têm razão. Mas, por outro lado, ela foi um acidente, um fenómeno que aconteceu em Nova Iorque na primeira década de um novo século. Um ícone do nosso tempoE que acontecimento. Numa altura em que não reconhecemos os rostos das pessoas que fazem a maior parte da música que ouvimos (quem são aqueles tipos dos Vampire Weekend, mesmo?), Gaga é visualmente icónica; na era do Twitter, a distância que cultivou desde o primeiro sopro de fama tornou-a uma estrela ainda maior. Ela vira definitivamente a página da futilidade que dominou a última década, roubando a ribalta a mulheres que fizeram carreira admitindo que não tinham nada para dizer, como Paris Hilton e Jessica Simpson. Ela também fecha um período estranho na pop cantada por mulheres, com talentos emergentes incapazes de atingir a supercelebridade (Rihanna, Katy Perry), concorrentes dos Ídolos, estrelas mais maduras (Gwen Stefani, Fergie dos Black Eyed Peas), estrelas adolescentes, e cantoras populares que não são puramente pop, como Taylor Swift (fusão pop e country) e Beyoncé (que procura a miscigenação com sonoridades urbanas). Ela é arrebatadora em qualquer língua, com letras que constituem o seu próprio Esperanto - o que lhe confere um fácil alcance global. A presença de Gaga também introduz a anteriormente inimaginável ideia de que Madonna, outra rapariga italiana voraz, pode estar realmente, e finalmente, de saída. O seu novo visual é uma apropriação de Madonna circaThe Girlie Show e Blonde Ambition (as sobrancelhas escuras, o cabelo loiro platinado, os lábios vermelhos), e o realizador dos seus videoclips, Jonas Akerlund, tem sido um grande colaborador de Madonna nos últimos anos. Mas as duas são muito diferentes: Madonna perdeu o seu sentido de auto-ironia depois dos anos 90, ao passo que Gaga é toda humor e brincadeira. Na sua essência, ela é uma jovem estudante de Belas-Artes, cheia de optimismo e boa-fé, com um maravilhamento pueril perante as recriações artísticas do mundo. Apesar de provavelmente não ser bissexual - dos vários amigos pessoais entrevistados para este artigo, nenhum se lembra de ela alguma vez ter tido uma namorada ou estar sexualmente interessada numa mulher -, a sua política é inclusiva, e ela quer promover imagens de todas as combinações sexuais possíveis à face da Terra. Gaga diz que é uma rapariga que gosta de rapazes que se parecem com raparigas, mas ela também é uma rapariga que gosta de se parecer com um rapaz - ou, melhor dizendo, um travesti, um rapaz tentando passar por rapariga. Poucas coisas lhe dão tanto prazer quanto o boato persistente de que é hermafrodita, um rumor que surgiu na Internet com base no escrutínio de um vídeo com pouca qualidade de imagem. Isto não é a Madonna. A Madonna nunca fingiria ter um pénis. Mas esse é o génio de Lady Gaga: o seu voluntarismo para ser um mutante, uma caricatura. Ela tem um incrível sentido de humor, irradiando minúsculos momentos surreais para todo o mundo para nosso gáudio diário - como o laço gigantesco feito de cabelo com que enfeitou a cabeça no ano passado. "Um dia disse à minha equipa criativa: "O Gaultier fez laços, vamos fazê-lo de uma forma nova"", conta. "As ideias começaram a ir e vir, e às tantas eu disse [estala os dedos]: "Laço de cabelo". " Dá uma gargalhada. "Toda a gente ia morrendo. Não custou um cêntimo, e parecia uma ideia brilhante. É uma daquelas coisas. Sou muito arrogante em relação a isso. " Os seus vídeos são epifenómenos globais, como o tarantinesco Telephone, com a sua temática de prisões de mulheres e a participação especial de Beyoncé. "Gaga não se preocupa muito com a parte técnica, mas envolve-se em todos os aspectos criativos", diz Akerlund. "Nós permitimo-nos ser muito idiotas um com o outro, e é assim que surgem ideias como os óculos de sol feitos de cigarros [usados no vídeo de Telephone]. "Gaga também nos atira à cara uma coisa que sempre soubemos mas que decidimos ignorar: as celebridades americanas tornaram-se muito, muito aborrecidas. (O facto de ter feito isto e, ao mesmo tempo muita da sua música ser ela própria aborrecida, é um outro feito. ) Um dos seus pontos fundamentais é que a celebridade deveria pertencer a criaturas bizarras, como Grace Jones quando colaborou com o designer Jean-Paul Goude, e a sua mascote, Klaus Nomi, figura de culto dos anos 80 algures entre a ópera e a new wave, que morreu de sida aos 39 anos. Para Gaga, a nossa cultura de videojogos, redes sociais e obsessão com o telemóvel tornou-nos a todos mais pequenos, mais normais, menos interessantes, e - não importa quantos seguidores no Twitter ou quantos amigos no Facebook - famosos para ninguém, ao fim e ao cabo. "Sinais de aprovação no MySpace? O que é isso?", diz ela, cuspindo as palavras. "Isso não é emblemático do que eu estou a falar. Estou a falar de criar um espaço genuíno e memorável para nós próprios no mundo. "Católica e boa raparigaA história de Gaga é a história de ser jovem em Nova Iorque. Stefani Germanotta cresceu num duplex no Upper West Side, num dos quarteirões eclécticos entre as avenidas Columbus e Amsterdam feitos de uma mistura de edifícios pré-guerra, apartamentos e condomínios modernos. O pai dela dirigia uma companhia que instalava Wi-Fi (Internet sem fios) em hotéis, e a mãe trabalhou durante uns tempos como vice-presidente da empresa de telecomunicações Verizon. Eles mandaram Gaga e a sua irmã mais nova, Natali, 18, para o Sagrado Coração, uma pequena escola católica para raparigas uma rua acima do Museu Guggenheim. "O Sagrado Coração pode ser prestigiado, mas era frequentado por todo o tipo de raparigas", resume Gaga. "Algumas eram extremamente ricas, outras dependiam da Segurança Social e de bolsas, e algumas estavam no meio, que era o caso da minha família. Todo o nosso dinheiro ia para a educação e para a casa. " As suas colegas de escola dizem que a família dela era muito unida. "Quando John Kerry era candidato à presidência, Stefani apoiava-o e o pai dela não, e ela dizia piadas sobre isso", conta Daniela Abatelli, da classe de 2005. Gaga era uma das poucas estudantes que trabalhavam depois das aulas, como empregada de mesa num restaurante de Upper West Side. Com os seus primeiros ordenados comprou uma bolsa Gucci. "Fiquei tão excitada porque todas as raparigas do Sagrado Coração tinham sempre as suas bolsas de marca, e eu tinha não importa o quê", explica. "A minha mãe e o meu pai não me compravam bolsas de 600 dólares. "Como os pais lhe disseram que se tinham sacrificado pela sua educação, Gaga levou a escola a sério desde muito cedo. Uma das suas memórias preferidas de infância é ter tocado piano num concerto no Sagrado Coração com oito anos. "Havia uma fila de 20 raparigas sentadas, todas vestidas para a ocasião, e cada uma de nós tocou", diz ela, alegremente. "Eu fiz um óptimo trabalho. Fui bastante boa. " Aos 11, começou a frequentar um dia inteiro de aulas de representação aos sábados. "Lembro-me da primeira vez que bebi café de uma caneca imaginária", diz, cerrando os olhos. "É a primeira coisa que nos ensinam. Também consigo sentir a chuva quando não está a chover. " As pestanas dela abrem num disparo. "Não sei se isto é demasiado para a vossa revista, mas eu consigo provocar um orgasmo a mim própria mentalmente. " Sibila ligeiramente, como um dos vampiros desviantes da série Sangue Fresco. "Sabe, a memória sensorial é muito poderosa. "No 8. º ano, já tinha percebido que representar era uma maneira de conhecer rapazes e começou a fazer audições para peças conjuntas entre o Sagrado Coração e a escola Regis High, na Rua 84, perto de Park Avenue. Conseguia sempre ficar com o papel principal. Raparigas invejosas relegadas para o coro começaram a chamar-lhe "o Germe". "Elas falavam sempre nas costas dela, do género: "Ela é o Germe! Ela é nojenta!", conta uma colega. Gaga mencionou várias vezes que era marginalizada no liceu, mas à excepção de troças adolescentes como esta, as suas amigas não partilham da mesma recordação. "Ela sempre foi popular", diz Júlia Lindenthal. "Não me lembro de ela ter qualquer problema de socialização ou bizarria. "À época, ela tinha um certo gagaísmo incipiente: podia ser exageradamente dramática, mimada, pretensiosa, mas também era uma rapariga simpática (para não dizer boa rapariga), lembrada por muitos como amável e generosa - uma miúda do teatro que começava a exprimir os seus sentimentos através da escrita de canções. Fã dos Pink Floyd e dos Beatles, formou uma banda de versões de temas clássicos de rock e começou a cantar em noites de microfone aberto para amadores no Upper West Side. Chegou mesmo a fazer uma gravação com baladas românticas, e os seus pais distribuíram cópias na grande festa do seu 16. º aniversário, no Columbus Club. "Toda a gente ouviu a gravação e pensou: "Uau, ela vai ser uma estrela"", diz Justin Rodriguez, finalista da High Regis School em 2003. "Ela era de longe a pessoa mais talentosa no liceu, mas era muito atenciosa em relação aos outros, como quando dizia: "Estás a cantar muito melhor, estás a esforçar-te imenso e eu noto-o". Ela não era, de todo, uma diva. "Como muitas alunas de escolas privadas, aos 15, Gaga tinha um bilhete de identidade falso de Delaware comprado na MacDougal Street. Também começou a namorar com um empregado de mesa grego de 26 anos do restaurante onde trabalhava. "Essa é uma das razões por que eu precisava de ter um emprego depois das aulas", diz. "O meu pai não me dava dinheiro para sair ao fim-de-semana porque ele sabia que eu ia para a Baixa e que me iria portar mal. " Rapidamente, fez a sua primeira tatuagem: o símbolo musical do dó na zona lombar. ("Antes de fazer o meu primeiro grande vídeo, decidi refazer essa tatuagem", diz. "Não podia enfrentar o mundo com um carimbo ordinário. ") Ela ainda se portava bem na escola, apesar de ter problemas com as professoras de vez em quando: não pelas saias muito curtas mas pelas T-shirts inconvenientes. "Eu tinha sete a nove quilos mais do que tenho agora", explica Gaga. "Usava T-shirts de corte subido, e as professoras diziam-me que não as podia usar, e eu apontava outra rapariga que estivesse a usar a mesma coisa. "Bom, mas nela tem outro aspecto. " Não era justo. " Gaga sacode um pouco os ombros. "Nesse tempo, os meus seios eram muito maiores, mais firmes e deliciosos. "Depois do ataque às Torres Gémeas, chorou durante dias e vestiu-se de preto, como se estivesse de luto. "Quando ela subiu a igreja para receber a Eucaristia na missa especial do 11 de Setembro, os passos dela tinham uma cadência muito grave", diz uma amiga. "Ela costumava maquilhar-se muito, mas nesse dia não tinha nada. Lembro-me de ter pensado: "Uau, ela é tão exagerada". " Gaga também tinha o estranho hábito de recusar que os outros actores que entravam nas suas peças a tratassem pelo seu nome verdadeiro nos bastidores. "Se lhe tentassem dizer "Ei, Stefani", ela fazia a voz da sua personagem e respondia: "Não, eu sou a Ginger"", conta um amigo. "Era tão bizarro, nós não passávamos de miúdos. "Terminado o liceu, Gaga mudou-se para um dormitório da New York University na Rua 11 e inscreveu-se na Tisch [faculdade de artes] mas rapidamente sentiu que estava mais avançada em termos criativos do que alguns dos seus colegas. "Depois de aprendermos como é que se pensa sobre arte, podemos ensinar-nos a nós próprios", diz. Durante o segundo semestre do seu primeiro ano, comunicou aos pais que não voltaria à escola - iria ser uma estrela rock. Alegadamente, o pai concordou em pagar-lhe a renda durante um ano sob a condição de que voltaria à escola se o seu plano falhasse. "Deixei a minha família, arranjei o apartamento mais barato que consegui encontrar, e comi porcaria até alguém me ouvir", diz. Gaga mudou-se para um apartamento no Lower East Side, com um futon a fazer de sofá e um disco de Yoko Ono pendurado por cima da cama. No liceu ela tinha madeixas loiras e deixava os caracóis livremente à solta, mas agora pintara-o de preto e começara a alisá-lo. Formou a Stefani Germanotta Band com uns amigos da New York University (NYU) e gravou um EP com baladas à Fiona Apple num estúdio por debaixo de uma loja de álcool em New Jersey. "Stefani tinha um grupo de 15 a 20 seguidores em cada concerto", diz o guitarrista Calvin Pia. O seu manager da altura, Frankie Fredericks, diz: "Nós tocávamos, improvisávamos, e embebedávamo-nos. Ela disse que queria ter um contrato discográfico quando chegasse aos 21 anos. "Era um objectivo ambicioso. O que estava a faltar, completamente, era uma ideia de como lá chegar. Como Madonna, ela tinha um forte carisma sexual. Mas enquanto Madonna parecia ter calculado todos os passos, todas as colaborações, todas as viragens estilísticas na sua busca pela celebridade, a história de Gaga resume-se, em parte, a juventude à deriva, esperando que o momento certo caia como um relâmpago, que o acidente brilhante aconteça. No entanto, Gaga tinha uma coisa que faltava a Madonna: uma grande voz. O nascimento de uma estrelaA licença sabática de Gaga terminava em Março de 2006 - o pai estabelecera o seu aniversário como data-limite. Uma semana antes, a Stefani Germanotta Band actuou no mesmo clube que Wendy Starland, uma jovem cantora e compositora na veia de Peter Gabriel. Starland tinha estado a trabalhar em temas com Rob Fusari, 38 anos, um produtor de New Jersey conhecido pelo seu sucesso com êxitos de R&B para as Destiny"s Child e Will Smith. Ele mencionara a Starland que estava interessado em encontrar uma cantora para liderar uma banda como os Strokes - ela não precisava de ser bonita, nem sequer uma grande cantora, mas tinha de ter qualquer coisa que impedisse as pessoas de tirarem os olhos dela. "A autoconfiança de Stefani enchia a sala", diz Starland. "Ela tem uma presença enorme. E é uma pessoa sem medo. Eu fiquei atenta à escala, ao tom e ao timbre da voz dela. Será que ela era capaz de produzir uma dinâmica de escalas? Será que conseguia ser suave e, de repente, explodir? Senti que ela era capaz de fazer tudo isso e, ao mesmo tempo, soltar uma energia muito poderosa. "Gaga irrompeu em risadinhas quando Starland a abordou depois do concerto e lhe disse: "Estou prestes a mudar a tua vida. " Deixaram o clube juntas, e Starland ligou a Fusari do seu telemóvel. "O Rob disse: "Por que me estás a acordar?" Disse-lhe que tinha encontrado a rapariga. "O quê? Olha que é uma num milhão. Como é que ela se chama?" Stefani Germanotta. "Hum, deves estar a gozar comigo. Como é que ela é?" Não te preocupes com isso. "Ela tem algumas canções de jeito?" Não. "Como é a banda dela?" Péssima. " Starland ri-se. "Eu não estava a promover um produto. Eu estava a promover a rapariga. "Quando Fusari conheceu Gaga, ele pensou que ela era "uma versão feminina do John Lennon, para ser franco. Tinha um talento bizarro". Gaga começou a apanhar o autocarro para se encontrar com ele no seu estúdio de New Jersey às dez da manhã, compor canções viscerais com riffs à Led Zeppelin ou Nirvana ao piano e cantar as suas letras maneiristas por cima. "Eu sou uma hippie por natureza, e um dia o Rob e eu fizemos umas tatuagens", diz ela. "Eu queria uma tatuagem do símbolo da paz, em memória do John e da Yoko. Adoro que eles tenham viajado pelo mundo dizendo "Give peace a chance" [Dêem uma oportunidade à paz], e quando lhes pediam para explicar, eles só respondiam: "Não, dêem uma oportunidade à paz. " Eles julgavam que a simplicidade dessa frase podia mudar o mundo. É tão bonito. "Os dois trabalharam em canções rock durante quatro meses, mas a reacção entre os seus colegas foi negativa; também experimentaram a via cantora-compositora, na senda de April Lavigne, mas isso também não colava. Stefani concordou que o seu nome não ia a lado nenhum: Fusari gostava de cantar Radio Ga Ga dos Queen quando ela chegava ao estúdio, ela argumenta que se lembrou de Lady Gaga graças a isso. (O sucesso tem, de facto, muitos autores: Fusari diz que o inventou inadvertidamente num sms; Starland diz que o nome foi resultado de discussão colectiva. )Até que, um dia, Fusari leu um artigo no New York Times sobre a artista de folk-pop Nelly Furtado, cuja carreira estagnara desde o seu êxito de 2000, I"m like a bird: Timbaland, o produtor mais solicitado do momento, reconverteu-a numa sedutora artista de música de dança. "Nós não íamos convencer nenhum A&R com um disco de rock feminino, e a música de dança é muito mais fácil", diz Fusari. Gaga reagiu mal - não acreditas em mim, disse-lhe ela - mas, desse dia em diante, começaram a trabalhar com uma caixa de ritmos. Também começaram a ter uma relação, o que tornou a sua colaboração artística tumultuosa. Quando Fusari não gostava dos seus refrões, ela ficava de lágrimas nos olhos e gritava-lhe que não valia nada. Mas ele também era duro com ela. Gaga não se interessava pela moda nessa altura. Ela usava leggings e camisolas largas, com um ocasional ombro à mostra. "Umas quantas vezes, ela chegou ao estúdio com calções de licra e eu disse: "Não posso acreditar, Stef", conta Fusari. "E se o Clive Davis [conhecido produtor e executivo discográfico, que lançou as carreiras de gente como Alicia Keys ou Whitney Houston] estivesse aqui hoje? Eu devia marcar uma sessão com ele neste momento. O Prince não vai a uma loja de conveniência comprar gelado vestido como se fosse o Chris Rock. Tu és uma artista agora. Não podes ligar e desligar isso. "O problema era que ela não sabia como ligar isso: apesar de querer ser uma estrela, não tinha uma ideia clara do que era uma estrela, ou para onde corriam as tendências principais da cultura pop. Foi nessa altura que começou a estudar a sério. Gaga arranjou uma biografia de Prince, começou a comprar roupa na American Apparel, e ficou obcecada pela bíblia new age dos anos 2000, O Segredo, segundo amigos. Como uma rapariga de uma escola católica, ela interpretou os reparos de Fusari como uma admoestação para tornar as suas saias mais curtas e mais apertadas, até ao dia em que desapareceram completamente: tudo o que sobrava era a roupa interior, por vezes com collants. Um começo difícilPrestes a rebentar de confiança, Gaga estava pronta para ser transformada. A cena da música de dança que ela tinha sido obrigada a gostar revelou-se a fórmula perfeita para a sua energia altamente sexualizada de rapariga católica - ela era uma performer, mais do que uma mera cantora. Mas o negócio em que se estava a lançar era mais difícil do que nunca. Por estes dias, só existem quatro grandes editoras; a EMI está à beira do abismo e, se falhar o pagamento das suas dívidas em Junho, o Citigroup (grupo bancário) irá ser dono de uma editora discográfica. Em 2006, as editoras estavam a assinar "contratos de 360 graus" com os artistas: em vez de financiarem o disco de um artista e ficarem com os direitos das gravações originais, elas queriam partilhar os direitos que originalmente pertenciam ao artista, como o merchandising, receitas dos concertos e os royalties de licenciamentos. E eram cautelosas em relação a qualquer artista que não tivesse um séquito comprovado de seguidores na Internet - a aposta era em estrelas do MySpace como Paramore ou Panic at the Disco! - e aqui estava Gaga, tentando entrar pela porta grande. Mas ela tinha um bom espólio. Beautiful, dirty, rich, uma canção sobre os seus amigos da NYU que pediam dinheiro aos pais, convenceu managers potenciais a irem vê-la num concerto na Baixa - toda a gente tinha de vê-la ao vivo, caso contrário não iam perceber o que estava ali. Também foi convidada para a editora Island Def Jam, perto de Times Square. O produtor L. A. Reid entrou na sala quando ela estava a tocar piano e começou a acompanhá-la percutindo numa mesa. "O L. A. disse-me que eu era uma estrela", conta Gaga. Assinou um contrato com a Island Def Jam no valor de 850 mil dólares [630 mil euros], segundo um membro da sua equipa, mas, depois de ela produzir as canções, a editora deixou de atender os telefonemas. Três jantares foram combinados com Reid, mas ele cancelou cada um deles. Por fim, Gaga recebeu um telefonema do seu representante de A&R na Island Def Jam: ele tinha tocado um dos temas numa reunião, e ao fim de alguns minutos Reid fez um gesto imitando uma lâmina a cortar o pescoço. (A Island Def Jam não respondeu aos pedidos para comentar a história. ) Ela saiu da editora. Gaga ficou devastada. "Ela nem conseguia falar quando me contou por estar a chorar tanto", diz Fusari. Ao contrário de muitos artistas aspirantes, ela preferiu recusar parte do avanço que recebera de forma a poder levar as suas gravações consigo (dois dos seis êxitos encontram-se nesse disco original). Esta foi a primeira vez que Gaga passou por sérias dificuldades - o primeiro momento na sua vida em que pensou realmente que poderia fracassar. "Voltei para o meu apartamento no Lower East Side, e estava tão deprimida", diz. "Foi aí que comecei a ter uma verdadeira dedicação à minha música e arte. "Ao contrário de Madonna, que gravitou para a marginalidade artística da Baixa nova-iorquina e levou-se a si própria com a maior seriedade, Gaga, seguindo o seu instinto, foi direita a uma cena que era abrangente e divertida mas não estava particularmente na moda. Em 2007, a moda era ouvir bandas criativas de folk-rock saídas de Brooklyn, como os Grizzly Bear e os Animal Collective; Gaga preferiu o hard rock e a cena artística trash. Apaixonou-se desesperadamente por Luc Carl, um baterista de 29 anos e manager do bar de rock St. Jerome"s, em Rivington Street. Foi aí que ela conheceu Lady Starlight - maquilhadora, DJ e artista performativa - que ainda faz espectáculos por 60 dólares [45 euros] mas tem um vasto conhecimento da música rock e da história do estilo. Starlight tivera muitas encarnações, de mod a cantora de cabaret, até uma imitação dos Judas Priest, toda vestida de cabedal. "Starlight e eu sentimos uma afinidade imediata, graças ao seu amor pelo heavy metal e ao meu amor por rapazes que ouvem heavy metal", diz Gaga. "Nesses dias, eu acordava ao meio-dia no meu apartamento com o meu namorado e o seu cabelo comprido e espetado à Nikki Sixx [baixista e compositor da banda de heavy metal Motley Crue], os jeans espalhados no chão, os ténis sujos. Ele tinha a T-shirt vestida, sem boxers. A seguir íamos fazer as contas do St. Jerome"s. Eu punha vinis do David Bowie e dos New York Dolls na cozinha, e compunha música com a Lady Starlight. A certa altura, ouvia uma buzina na rua: era o velho descapotável verde dele com uma capota preta. Eu descia as escadas a correr, e a gritar: "Amor, amor, liga o motor", e nós íamos até à ponte de Brooklyn, encontrávamo-nos com amigos, tocávamos mais música. " Ela inclina-se para a frente. "O Lower East Side tem uma arrogância. A nossa vaidade é uma coisa positiva. Ela fez de mim a mulher que sou hoje. "Gaga começou a tocar as suas canções com Starlight em pequenos clubes, e a praticar dança erótica debaixo de uma luz vermelha no Pianos - ela usava um biquini e as luvas pretas sem dedos do namorado, demasiado grandes para as suas mãos pequenas. Dançar, comprimidos dietéticos e uma única refeição a sério por dia permitiram-lhe perder peso finalmente, segundo uma amiga. "Eu estava nua num bar com dinheiro a sair das minhas mamas e do meu rabo", diz Gaga. (Ela tem falado abertamente de como tomou cocaína durante esse período, mas nenhum dos seus amigos da altura se lembra de qualquer consumo de drogas; eles dizem que ela lhes contou que apenas usava cocaína quando estava sozinha. ) Ela e Starlight começaram a fazer a primeira parte da banda de glam-rock Semi Precious Weapons. "Gaga e eu costumávamos ir às compras juntos", diz Justin Tranter, cantor da banda. "Qualquer loja de produtos eróticos com 99 por cento de DVD e brinquedos sexuais e um por cento de roupa era o nosso sítio preferido para fazer compras. "Gaga estava a divertir-se e, como é hábito, espalhava a sua energia positiva à volta. "Ela tentava fazer com que toda a gente se sentisse bem", diz Brendan Sullivan, ou DJ VH1, que trabalhou com ela nos espectáculos iniciais. "Eu ia ao apartamento dela com o meu romance inédito, e ela dizia-me que eu era o escritor mais brilhante da minha geração. Mais ninguém fazia isso por mim. " Ela não andava a falar muito com Fusari - a relação amorosa tinha acabado -, mas ele assistiu a um espectáculo dela com Starlight e ficou estarrecido. "Era uma mistura de Rocky Horror com uma banda dos anos 80, e eu não consegui perceber nada", diz. "Disse à Stefani que conseguia arranjar-lhe outro DJ, mas ela respondeu: "Estou bem, não é preciso". "Mas Fusari infiltrou-se de novo, na Primavera de 2007, quando ouviu que o seu amigo produtor Vincent Herbert tinha assinado um contrato com a Interscope para arranjar novos artistas. Numa questão de dias, Herbert meteu-os num avião para conhecerem o patrão da Interscope, Jimmy Iovine. Gaga foi à reunião com uns calções muito curtos, botas de cano alto e uma T-shirt de alças, mas Iovine não apareceu; eles voltaram para Nova Iorque, e foram chamados duas semanas mais tarde. Iovine, um empresário musical que ganhou reputação no gangster rap com Dr. Dre e mais tarde tirou proveito da onda de soft metal dos anos 90, é conhecido por ter bom ouvido, e depois de ouvir uns quantos temas no seu escritório, levantou-se e disse: "Vamos tentar isto". Lições de Andy WarholGaga tinha receio de que a editora pensasse que ela não era suficientemente bonita para estar num palco. Herbert chegou a gastar dinheiro do seu bolso para a mandar para o festival Lollapalooza, em Chicago, e começou a pensar que a aparência dela estava errada - alguém no público gritou "Amy Winehouse" e isso deixou-o nervoso. "Eu disse-lhe que ela tinha de pintar o cabelo de loiro, e ela fê-lo imediatamente", diz Herbert. "Deus abençoe aquela rapariga, ela ouve o que lhe dizem. "De férias nas ilhas Caimão com Luc Carl, Gaga provocou uma discussão, e ele disse-lhe que não tinha a certeza de que ela conseguisse atingir o sucesso. "Um dia, não vais conseguir entrar num café sem me ouvires cantar", cuspiu ela de volta. De regresso a Nova Iorque, sentou-se a uma mesa do Beauty Bar [mistura de bar com salão de beleza) com Brendan Sullivan, infeliz. "Vou fazer uma operação ao nariz", disse. "Vou ter um nariz novo, e vou mudar-me para L. A. , e vou ser enorme. " Ele apelou à razoabilidade dela. Como uma verdadeira nova-iorquina, Gaga nem sequer sabe guiar. "Quero lá saber", respondeu ela. "Tenho o dinheiro. Só quero começar de novo. "Sullivan falara-lhe no quadro de Andy Warhol com dois narizes, Before and After I, antes e depois de uma rinoplastia, com uma palavra que parece "RAPED" (violada) no canto superior esquerdo. Ela foi ao Metropolitan Museum uma tarde e parou diante do quadro. Comprou livros sobre Warhol, o que a ajudou a encontrar um sentido no seu percurso ao mesmo tempo que lhe providenciou um novo vocabulário para falar das suas criações. "Os livros de Andy tornaram-se a bíblia dela", diz Darian Darling, uma amiga. "Ela sublinhava-os com uma caneta. "Para Warhol, a celebridade era uma forma de arte em si mesma, e o irradiar de imagens vazias uma das forças mais importantes. A pessoa por detrás da máscara podia ser tão amável e vulgar quanto Stefani Germanotta - e ainda assim ser enorme. Antes de Warhol, ela estava na categoria genérica de cantora rock. Ele libertou-a para se reinventar, como tantas outras antes dela, para se expandir, para fazer de si mesma um espectáculo. Ao compor uma canção de dança chamada Just dance, Gaga tentou alargar a sua superfície, remodelando-se como uma diva loira da era espacial, uma miúda fabulosa do tempo da Factory. A música era uma batida global para festas - ritmos acelerados, sintetizadores, com uma ética que apelava ao seu coração de hippie. "Gaga e eu acreditamos que o mundo precisa desta música, que ela é uma forma de união", diz RedOne, produtora marroquino-sueca que compôs algumas das canções com Gaga. Não era o tipo de música que a América estava a ouvir naquele momento, mas podia vingar no estrangeiro e a América talvez fosse atrás. Subitamente, as nuvens dissiparam-se. Um dos grandes artistas da Interscope, Akon, um cantor R&B do Senegal com enorme sucesso global, ouviu a canção e perdeu a cabeça com ela. Iovine premiu o botão. Ela começou a trabalhar a sério com uma coreógrafa: "Ouvi dizer que ela era a nova Madonna, portanto disse: "Ok, vamos lá"", diz Laurie Ann Gibson. Ela gravou no estúdio caseiro de Kierszenbaum, o director do A&R da companhia. "Gostei que ela falasse nos arranjos, no estilo e na apresentação do Prince", diz ele. "O interesse no Prince é uma coisa que aparece e desaparece, e há dois anos, era uma coisa rara. Os artistas diziam: "Aqui está o meu álbum e a capa do disco", não falavam de pôr ecrãs em palco. " Ela começou a usar as suas loucas roupas disco em todo o lado. "Ela nunca estava sem o uniforme, se quiser", resume Kierszenbaum. Gaga também deu um mergulho pessoal: o dia em que filmaram o vídeo de Just dance foi o mesmo em que deixou finalmente o namorado. O seu coração podia estar destroçado, mas esta era a sua nova vida. (Os amigos dizem que não se voltou a apaixonar desde então, e que a morte ritualística dos amantes nos seus últimos três vídeos tem a ver com esta separação. )A recentemente libertada Gaga não sentiu que tivesse de exprimir a sua sexualidade de uma forma tipicamente feminina, e tornou-se obcecada pela androginia, pelo visual de Liza Minnelli. Ela adorava a expressão livre dos travestis - queria vestir as mesmas roupas que esses tipos, cobrir-se de purpurina, usar uma peruca. Apesar de não vir da cena nocturna gay, os seus managers começaram a mandá-la para pequenos clubes em todo o país. Gaga já não se limitava a pensar em si mesma como uma superestrela - ela estava a servir de médium do próprio Andy Warhol. Adoptou os seus óculos escuros redondos e as suas perucas e começou a declamar a sua filosofia. "É como se eu tivesse andado a gritar a toda a gente, e agora basta sussurrar e toda a gente se inclina para escutar", diz. "Tive de gritar durante muito tempo porque só me deram cinco minutos, mas agora tenho 15. O Andy disse que só eram precisos 15 minutos [de fama]. " Ela até começou a sua própria Factory, ou a "Haus of Gaga", como gosta de se referir à sua equipa. Para além de Akerlund e de Gibson, a coreógrafa, há o seu manager, Troy Carter, a equipa da stylist Nicola Formichetti, e o seu colaborador principal Matt Williams, um licenciado da Faculdade de Belas-Artes que ela trata por "Dada" (nos últimos anos, eles têm acabado e recomeçado uma ligação amorosa). Em Maio de 2009, depois de ela lançar Paparazzi, um vídeo de sete minutos - atirada do alto da sua mansão por um namorado, ela renasce como o robot de Metropolis de Fritz Lang -, ela tornou-se na mascote mundial da alta-costura. "Gaga tinha algumas peças vintage do Thierry Mugler, mas depois de Paparazzi tudo mudou", diz um antigo membro da Haus. "Aconteceu num abrir e fechar de olhos. Subitamente, todos os estilistas de moda do mundo estavam a mandar-lhe e-mails com propostas. "Como Warhol na Factory, quando Gaga gosta de alguém dá-lhe trabalho; quando, criativamente, já não precisa da pessoa, fecha-lhe a porta. Quando Fusari a processou em 30 milhões em meados de Março, exigindo uma percentagem do merchandising e das vendas discográficas, ela respondeu imediatamente através dos seus advogados, dizendo que ele trabalhara como um agente de emprego independente, apresentando-a a Herbert. "Eu desenvolvi uma artista para crescer com essa artista", diz Fusari, numa voz dorida. Ela mudou o número de telemóvel, e a maioria dos seus amigos já não consegue chegar a ela. "Ela costumava mandar mensagens a toda a Nova Iorque a convidar toda a gente no Lower East Side para os seus espectáculos, e muito poucas pessoas apareciam", diz Sullivan. "E agora, depois do treino vocal, da dieta, do exercício físico, e tudo o resto, toda a gente quer aparecer. Isso chateou-a: "Por que não vieram antes?"" Ele faz uma pausa. "Sabe, assim que ela explodiu, e toda a gente queria um pedaço, deixámos de lhe chamar Gaga. Começámos a tratá-la por Stef outra vez. "Antecipar a quedaEste Verão, Gaga irá percorrer os Estados Unidos com a sua digressão em estádios - é uma das poucas artistas pop que consegue encher um espaço tão grande nos dias de hoje. Gastou imenso dinheiro para atingir esse ponto - a sua digressão tem tido perdas no valor de três milhões de dólares, segundo fontes da indústria musical, porque ela se recusa a ceder em qualquer aspecto do espectáculo. "Gastei todo o adiantamento que recebi pelo meu primeiro álbum na minha primeira digressão", conta. "Tive pianos enormes que são mais caros do que um ano inteiro de renda. " Mas os lucros estão a caminho. "A equipa de Gaga sabe qual é a data exacta este Verão em que a situação se vai inverter", diz uma fonte. Com o seu contrato de 360 graus, Lady Gaga não detém tanto de Lady Gaga quanto se possa imaginar. Basicamente, trata-se de uma joint-venture entre Iovine, o administrador da Universal Music Doug Morris, e o patrão da editora Sony/ATV, Marty Bandier. É uma boa fórmula para o negócio: um grande visual e grandes singles são os novos álbuns-monstro. Por estes dias, Gaga já não fala muito de Warhol - ela está a encarnar completamente o papel que forjou. "Ela quer ser louca, quer fazer statements, criar arte, transmitir o passado, fazer experiências com a performance art, experimentar tudo", diz o fotógrafo David LaChapelle, um colaborador e amigo. "Em Paris, ela reservou quatro horas em quatro dias para visitar museus. Isso não é o que uma estrela pop faz no início da carreira - não quando está numa bolha, quando só existe ela. " Ela ainda é exageradamente dramática - as conversas sobre monstros, a tentativa de antecipar a sua queda cobrindo-se de sangue, a actuação nos Video Music Awards da MTV suspensa no ar por um cabo. "Sinto que, se mostrar o meu fim ao público de uma forma artística, consigo curar a minha própria lenda", explicou recentemente. Recusa a maior parte dos pedidos de entrevista, interessando-se pouco em combater os equívocos sobre a sua obra. "Andy disse que os críticos tinham razão", diz, encolhendo os ombros. É uma ascensão improvável, e um nome improvável, e uma imagem absolutamente irreal. Mas o que é a realidade? "Acredito que qualquer pessoa pode fazer o que eu faço", diz Gaga, abrindo os braços. "Qualquer pessoa pode aceder às partes que nela são fabulosas. Sou apenas uma rapariga de Nova Iorque que resolveu fazer isto, ao fim e ao cabo. Controlem o mundo! De que vale a vida se não o controlarem?"Texto publicado na edição da revista Pública de 18 de Abril de 2010
REFERÊNCIAS: