Reportagem: Se "a maioria dos católicos não fala católico", os vaticanistas explicam
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.25
DATA: 2010-05-14
SUMÁRIO: Para todo o lado onde vai, o Papa leva atrás uma estranha comitiva, de cronistas não-oficiais. Os vaticanistas são os correspondentes do Vaticano, mas muito mais do que isso. São eles que interpretam para o mundo as mensagens cifradas do Pontífice. São uma elite e o Vaticano não poderia viver sem eles, mesmo que não saiba disso.
TEXTO: O vaticanista-tipo é homem, usa fato preto italiano, está na casa dos 50, fala línguas e gosta de uma boa discussão teológica. É claro que, hoje, há mulheres e alguns jovens (na casa dos 40) entre esta trupe de jornalistas que segue o Papa. Mas são a excepção. Ser vaticanista não é para qualquer um. É preciso ser culto, experiente, e possuir um tipo muito especial de inteligência intuitiva e especulativa. Uma arte, dizem alguns. Tecnicamente, os vaticanistas são os correspondentes dos órgãos de comunicação social no Vaticano. Ao todo, são cerca de 500, embora o núcleo principal, que viaja com o Papa para todo o lado, a verdadeira elite, não ultrapasse os 50. Reportam sobre o Vaticano, da mesma forma que um correspondente, por exemplo, da Casa Branca, escreve sobre o Presidente e a política americana. Tecnicamente é isto. Na realidade, não é nada disto. "Em Washington, o talento de um jornalista é convencer os políticos a calarem-se. No Vaticano é fazer com que eles digam qualquer coisa", explica o americano John Allen, jornalista da CNN, um dos mais famosos vaticanistas. A razão é simples: "Os políticos de Washington têm de preocupar-se em ser reeleitos. Os do Vaticano não. " Por isso não falam, e quando falam poucos os entendem. "Um vaticanista tem de entender três línguas", diz John Allen. "Italiano, a língua da liturgia e a língua da Cúria. " Ou seja, é preciso conhecer os termos técnicos, mas também a gíria do Vaticano. "A maioria dos católicos não fala católico", diz Allen. Só nos intermináveis corredores do Vaticano se fala esse linguajar esquisito, que não muda com os tempos. "Eles acham que são culturalmente diferentes, e que não têm de se adaptar a este mundo pós-moderno, que abominam. "Uma das funções essenciais dos vaticanistas é a interpretação. O Papa fala quase sempre por enigmas, por metáforas ou por frases ambíguas. E é preciso traduzir. Mas antes é preciso compreender, o que não é fácil. "Não é necessário ser católico, mas convém saber Teologia, História e História da Igreja", diz Andrea Tornielli, 46 anos, vaticanista do italiano Il Giornale. E "é preciso ter contactos privilegiados e relações de confiança". Isso nem sempre acontece. Apesar de todo o estatuto de que se orgulha, um vaticanista não possui livre-trânsito nos corredores do Vaticano. "Eles têm medo e uma desconfiança sistemática em relação aos jornalistas", diz Tornielli, que é autor de várias biografias de Papas e um livro sobre o terceiro segredo Fátima. "Temem ser mal interpretados e têm uma tendência para a vitimização: quando as coisas correm mal, dizem sempre que a culpa é dos jornalistas. "Por via dessa apreensão, o clima na sala de imprensa do Vaticano é de grande respeitinho. Não há perguntas agressivas nem insistência em temas incómodos. "É uma questão de estilo", diz Valentina Alazraki, 55 anos, da estação televisiva mexicana Televisa. "Se as perguntas forem agressivas, eles não respondem. Por isso habituamo-nos a fazê-las de outra forma. " Mas fazem-nas. Recentemente, com os escândalos da pedofilia, o Vaticano está a ganhar alguma humildade nas respostas. Valentina é a vaticanista que fez mais viagens papais - 115, ao todo, as primeiras com Paulo VI. Como todos os seus colegas, Valentina é perita na arte da interpretação. "Devemos informar-nos sobre os países das visitas, para podermos perceber as palavras que o Papa lá profere. Por exemplo, ele ontem referiu-se ao casamento entre um homem e uma mulher, porque a questão do casamento homossexual está na ordem do dia em Portugal. "No fim de uma das conferências de imprensa em Fátima, Federico Lombardi, o porta-voz do Vaticano, criticou os vaticanistas: "Aquele tema eram escusado! Duvido que as 500 mil pessoas que estiveram aqui hoje se interessem por isso. " O tema era o Terceiro Segredo e o facto de o Papa ter usado a palavra "profético" para se referir a ele. "O terceiro segredo falava do assassínio do Papa", diz ao PÚBLICO Tornielli, muito excitado. "Ora João Paulo II sobreviveu ao atentado. Se agora Bento XVI diz que o segredo é profético. . . " Mas "a palavra profético, segundo a Bíblia, significa apenas iluminado pela fé", argumentou Lombardi. A discussão prolongou-se até ao fim da conferência e facilmente se imagina que deve ser sempre assim, nas longas sessões do Vaticano. Eles adoram isto. "Tem tudo o que apaixona um jornalista", diz John Allen. "Intriga, mistério, política, história, arte. Não há nada de interessante no mundo que não tenha uma ligação com o Vaticano. "
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE