No Centro Comercial do Rock
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2010-05-30
SUMÁRIO: Cerca de 83 mil pessoas fizeram a festa no terceiro dia do Rock In Rio, ao som dos Muse e Xutos & Pontapés, num recinto que é um misto de parque de atracções e centro comercial ao ar livre.
TEXTO: O que há de novo? Mais atracções. Mais marcas a inventarem divertimentos para atraírem os potenciais clientes. Mais sensação de estarmos num misto de parque de atracções e centro comercial ao ar livre. E um cartaz que consegue ser ainda menos conseguido do que nas edições anteriores. Menos mundo melhor. Um mundo como o de todos os dias. Onde contam os números. Como os de ontem. Diz a organização, 83 mil pessoas. Nem todas iguais. Há Vips. Muitos Vips. A maior parte do tempo estão muito longe do palco, na tenda que domina o sopé do Parque da Bela Vista. Não estão lá para verem concertos – embora Vip que se preze ande sempre de binóculos – mas sim, claro, para serem vistos. Na edição deste ano há Vips intermédios. Acomodam-se nos espaços dos chamados parceiros comerciais e de imprensa. Sentam-se em cadeiras, um luxo, e olham cá para baixo, para os outros, com algum paternalismo. Os jornalistas, esses, continuam a não ter espaço próprio para poderem assistir, com o mínimo de condições, aos concertos. E o que fazem os outros? Há quem venha logo ao final da tarde, normalmente os mais novos, para desfrutar de tudo, como quem vai, em simultâneo, ao Centro Comercial e à Feira Popular, enquanto ouve, distraidamente, em fundo, a RFM. Há também quem venha só depois de jantar. Ver as montras. O rebuliço. A gente. Querem comprar uma camisa no Tommy Hilfiger, mas acham caro e têm razão. Querem comprar um CD na FNAC, mas acham caro e têm razão. Acabam à procura da barraca de farturas, mas desiludem-se, porque não há. Não deve ter cachet. O que vale é que no El Corte Inglês, enquanto se ouve em fundo Jorge Palma, voz embargada pela emoção, só pela emoção, há um desfile de moda com meninas. E se mesmo assim não saiu satisfeito do Rock In Rio é porque não soube procurar. Há filas para tudo. Brindes para todos. Guitarras insufláveis. T-shirts com os mais diversos dísticos. Actores da TV que se mostram, sorrindo, sempre alegres, nos espaços das diferentes marcas. Passatempos em que o objectivo do cavalheiro-concorrente é seduzir uma menina evanescente, enquanto o locutor de serviço da marca, grita aos ouvidos dos dois, perante a algazarra em redor, sem compreender que sem privacidade eles não vão lá. Depois há as fotografias. Muitas. A toda a hora. Para colocar no Facebook amanhã. E a música. Ontem, os cabeças de cartaz eram os Muse. Iguais a si próprios. Um rock barroco, opulento, cheio de pirotecnia – aliás, a primeira canção, foi sublinhada por fogo de artificio – reiterando quase todos os clichés do rock. Fazendo-o, é verdade, com profissionalismo, entrega e sentido de espectáculo, mas destituídos de qualquer criatividade. O mar de gente responde a cada momento com entusiasmo. Cada acorde de guitarra é celebrado. Cada gesto do vocalista Matt Bellamy é sublinhado com gritos de fervor. Quando o baterista faz o número habitual de colocar a bandeira portuguesa aos ombros é o delírio. Quase todas as canções são reconhecidas (“Map of the problematique”, “Neutron star collision”, “United states of eurásia” ou “Plug in baby”). Tudo como manda o figurino. Há quem ache que os Muse são a maior banda rock da actualidade, como há quem ache que o Rock In Rio é o maior festival. Ao nosso lado alguém diz “grande som!” Lá grande é. Antes tinham tocado os Snow Patrol, banda da terceira divisão inglesa dentro da especialidade rock-de-estádio, muito atrás dos U2 ou Coldplay. Também piscaram o olho a Portugal – convidando Rita Redshoes para uma canção e ela saiu-se bem – mas quanto ao resto, nem sim, nem não. Muito pelo contrario. O cantor Gary Lightbody pede ao público que puxe do telemóvel e este faz-lhe a vontade, com milhares de ponto de luz a confundirem-se com o arraial publicitário. Há canções de sentido épico (“Shut your eyes” ou “Run”) e algumas baladas como convêm, mas tudo mastigado, previsível, sem chama. Valham-nos os Xutos & Pontapés, que vão acumulando vitórias no Rock In Rio – são totalistas – apesar de ficar a sensação que também é por falta de comparência de adversários à altura. Claro, já não existe espaço para a surpresa. Mas a verdade e a intensidade são as mesmas de sempre na interpretação das canções que toda a gente conhece (“Contentores”, “À minha maneira”, “Não sou o único” ou “Circo de feras”), cantadas a plenos pulmões. Em palco e na plateia, uma só entidade, Xutos. À mesma hora, um velho cúmplice do grupo português, Jorge Palma, também faz o seu habitual desfile de sucessos. Ele diz “Dá-me lume”, pede “Encosta-te a mim” e diz que é capaz de fazer “Tudo por um beijo” e a verdade é que pela reacção, o público parece acreditar nas suas palavras. Depois subiu ao palco o brasileiro Zeca Baleiro e, lá para o final (não vimos, mas confirmámos), Rui Veloso, João Gil e Lúcia Moniz, fizeram uma surpresa a Palma, interpretando em conjunto “Frágil. ” Sai-se do recinto e fica-se a pensar se não é isso que falta ao Rock In Rio. Fragilidade. Organicidade. Vida. O problema não é querer ser festa, celebração, riso. É ser riso pepsodent. O problema não é querer ser entretenimento. É ser mau entretenimento.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE