Jovens esboçam planos B e fazem as malas quando o sonho é Medicina
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 3 | Sentimento 0.1
DATA: 2010-06-09
SUMÁRIO: Não tem uma nota abaixo de 19. Pelas contas despreocupadas de Carolina Silva, de 17 anos, a frequentar o Colégio Rainha Santa Isabel, em Coimbra, tem média de 19,25. Ela nem sabe bem. O que sabe, há muito, é que quer ser jornalista. Os avós não acham piada, mas ela não liga a pressões. Passam-lhe "um bocadinho ao lado". Está bem-disposta e confiante de que os exames vão correr bem.
TEXTO: Aluna de dezanoves e vintes, faz rádio, toca bateria e sai com os amigos. Não é de se enfiar em casa dias a fio a estudar e, na escola, os professores até já se queixaram que fala muito e é "despassarada". Quem a conhece realça-lhe a inteligência intuitiva. Às vezes, a mãe diz-lhe que devia ter uma nota "menos boa" para saber como é. Carolina Silva ri-se. Esta é uma descontracção rara de encontrar em quem quer seguir Medicina. Carolina Gomes, de 19 anos, também de Coimbra, está a concorrer pela segunda vez. No ano passado não entrou "por décimas": "Estudei por mim, estava muito insegura. Só tive explicações mesmo antes do exame de Físico-Química", lamenta. Também tentou Espanha. Este ano, "toca a tentar outra vez". Não desiste. Sempre quis Medicina. A mãe, que, tal como o pai, é enfermeira, já lhe disse várias vezes que o dia-a-dia de um hospital não é como nas séries de televisão, mas isso não a demove. Carolina Gomes até já sabe que especialidade quer: obstetrícia. Decidiu-o durante a gravidez da mãe, acompanhou tudo, viu ao pormenor cada ecografia da irmã, a Bia, de sete anos. Falhar o menos possível Para entrar, o ideal seria ter mais de 18 nos exames de Físico-Química e Biologia e Geologia que vai fazer agora. Assim, subiria a média de 17, 3 e a Medicina poderia ser uma realidade. Para já, a missão é fazer exercícios diariamente à secretária e tentar falhar o menos possível. Praticar canoagem, ir a um concerto, ir às explicações de carro com uma amiga - Carolina acabou de tirar a carta e adora conduzir -, ir buscar a Bia à escola: isto distrai-a do dia 22 de Junho, o dia do exame de Físico-Química. O medo de não entrar novamente até já lhe provocou pesadelos: num não entrava porque alguém se enganava a corrigir o exame, noutro porque não a colocaram na lista. A mãe, Libânia Simões, de 46 anos, sabe melhor do que ninguém que a imagem de autocontrolo da filha é conseguida "em esforço permanente". "Somos nós que lhe dizemos que tem que tirar o pijama e sair. " Esquecer os livros. "Às vezes, basta uma questão que não bate certo para entrar numa espiral de inquietação e frustração", conta. E se não entra outra vez? "Digo-lhe: filha, eu acredito que vais conseguir, mas na vida temos sempre que ter um plano B". O plano existe, elas sabem qual é, mas não falam dele - é só para ser accionado em caso de emergência. A inquietação de querer entrar em Medicina atinge jovens de todo o país. Na escola secundária Francisco de Holanda, em Guimarães, Joana Bragança, de 17 anos, há muito que se consciencializou que terá que ir para Espanha. Fez uma simulação contando com as notas dos exames deste ano e deu-lhe 16, 2. "Claro que usei notas mais baixas do que aquelas que espero ter, para ter a noção da média com que fico caso algum me corra mal", diz, consciente de que em Portugal a média ronda os 18. Por um lado, custa-lhe ir para Espanha - é outro país, outra cultura, outra "vivência". Mas, por outro - e o pai tem a mesma opinião -, "é entusiasmante". De qualquer forma, o que interessa é que é Medicina: "Eu quero mesmo tirar este curso". A mãe reconhece que a filha está sujeita a uma "forte pressão" e isso preocupa-a. Maria Fernanda Bragança, 50 anos, engenheira civil, admite mesmo lidar com tudo isto "com bastante tensão": "Mais do que ela, até", desabafa. O pai, Vítor Borges, de 49 anos, advogado, acredita que a filha "tem capacidades e é capaz de enfrentar [esta época] com sucesso". Uma convicção que não o impede, porém, de considerar que "é um erro" pensar que só os maus alunos têm problemas. "Praticamente só se pensa nos maus alunos e, portanto, o nível que se estabelece é baixo. Devia pensar-se nos bons alunos e na melhor forma de optimizar os seus resultados", defende. Os bons são quem mais sofrePara o director do Gabinete de Avaliação Educacional, Hélder Diniz de Sousa, "os alunos que tenham grandes expectativas em relação aos resultados para ingressarem em cursos como Medicina têm mais dificuldades". Também o presidente do conselho executivo da Federação Regional de Setúbal das Associações de Pais, António Amaral, considera que são os bons alunos os que mais sofrem nesta altura. Mas também há alunos que "nem por um momento" encaram a hipótese de não conseguir. Raquel Arié, de 17 anos, a frequentar a Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa, é um exemplo. Está com 17, 1 de média e a universidade para onde quer ir pede aproximadamente 16, 5. Quer Gestão Empresarial na Universidade Católica, em Lisboa; a segunda opção é a Universidade Nova de Lisboa. Considera que a "chave" para o sucesso é "a vontade, a atenção, não desperdiçar tempo, ser organizada, ir sempre estudando e ter prioridades": "Foi esta a forma que encontrei e que me tem permitido, para além de estudar, fazer uma vida social normal, sair, ir ao cinema, estar com amigos num café, fazer ginástica", conta a aluna, que faz ainda parte de um movimento juvenil comunitário, no qual tem actividades todos os domingos à tarde. A mãe, Susana Arié, de 40 anos, licenciada em Psicologia e directora de uma marca de cosmética, diz que "os exames da Raquel são de certa forma de toda a família". A maior preocupação é dar à filha "todos os meios para que possa ter sucesso", quer ajudando-a a estudar sempre que precise, quer criando "o ambiente e a calma" necessários. Embora admitindo estar preocupada, tenta "passar um sentimento de segurança" e, sobretudo, não alimentar "as ansiedades e os stresses". Quem admite ser ansiosa é Margarida Santos, de 17 anos, aluna da secundária do Restelo. Tem média de 16, 8 e quer ir para Direito na Universidade Nova de Lisboa, onde o último aluno a entrar no ano passado teve 15, 8. "Não estou nervosa, mas sou ansiosa, faz parte da minha personalidade. "
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filha escola cultura social medo