Irão: Um ano depois das eleições, um país domado pelo medo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-06-12
SUMÁRIO: O som de uma música a sair de um carro pode ser a expressão máxima de protesto no Irão. Um post no Facebook pode ser o suficiente para ter um pai preso. A violência da repressão e o clima de medo deixaram mais silenciosa a maioria dos que protestaram contra o resultado das eleições de há um ano. Os dois líderes reformistas retiraram o apelo a uma manifestação pacífica e silenciosa, para protecção "da vida e dos bens das pessoas".
TEXTO: O medo impera na República Islâmica de hoje. E uma e outra vez, ouve-se a comparação: parece o Iraque de Saddam. Ainda não é tão mau como o regime do xá, derrubado pela revolução islâmica de 1979, embora esta referência possa surgir ocasionalmente. Mas é tão mau como na "república do medo" de Saddam. A comparação é feita por iranianos aos raros jornalistas ocidentais que conseguiram visitar o país desde as manifestações populares contra as eleições - o Irão expulsou os jornalistas ocidentais e recusa dar vistos alegando que os media estrangeiros estão a incitar aos protestos. Mas fez uma excepção, convidando alguns para uma cimeira sobre o nuclear em Abril. O regime conseguiu "uma ditadura discreta mas eficaz", diz Dieter Bednarz, da revista alemã Der Spiegel, um destes jornalistas que conseguiram visitar Teerão. "Os rufias do Governo, os pasdaran [Guardas da Revolução] e a milícia Bassij não são especialmente visíveis nas ruas. Mas o medo de ser observado, de ter as conversas escutadas e de ser preso por críticas ao regime asfixiaram a vida política relativamente liberal sob o predecessor do Presidente [Mahmoud] Ahmadinejad, Mohammad Khatami". A jornalista do diário britânico The Independent Katherine Butler demorou algum tempo a perceber por que é que as pessoas tiravam as baterias do telemóvel antes de falarem com ela. "As pessoas têm medo [de que os telefones sejam usados para escutas]. Temos memórias da Savak", a temida polícia política do xá, disse um dos seus entrevistados. "Entra-se num táxi partilhado e o volume da música é logo aumentado", exemplifica. A jornalista quis ver o local onde morreu Neda Agha Soltan, que se tornou o símbolo da brutalidade da repressão depois de ter sido morta numa manifestação pacífica. Foi aconselhada a mudar de táxi duas vezes. "Não pergunte pelo cruzamento entre as Ruas Khosravi e Salehi ou levantará suspeitas", disseram-lhe ainda. "Metade dos taxistas são espiões. "Ameaças no estrangeiro"O medo é palpável dentro do Irão", diz Rudi Bakthiar, director de comunicação da Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no país. Na verdade, é palpável dentro e fora do Irão. Um artigo recente no Wall Street Journal contava como vários iranianos a viver no estrangeiro (EUA, Europa) foram ameaçados por mostrarem apoio aos protestos em redes sociais como o Facebook ou o Twitter. Um irano-americano contou como recebeu um e-mail anónimo ameaçando-o caso continuasse a escrever comentários críticos do regime no Facebook. Não ligou. Dois dias depois, a mãe telefonou-lhe do Irão: o pai tinha sido preso. Noutros casos, iranianos que regressaram a Teerão foram interrogados no aeroporto sobre as suas páginas no Facebook ou sobre participação em manifestações nas suas cidades. Um jovem conta que negou ter conta no Facebook, mas foi levado para uma sala por um guarda com um portátil. O guarda pesquisou o seu nome, e lá estava a sua página. "Tive de assinar um papel a dizer que daria informação sobre outras pessoas", contou ao Wall Street Journal. "Já recebi e-mails deles; nunca respondi. "Um dos raros entrevistados que dão o nome no artigo do Wall Street é Omid Habibinia, que vive na Europa há sete anos. O dissidente conta que foi criada uma conta falsa do Facebook em seu nome - ele diz que pelos serviços secretos, que contactaram pessoas através desta conta para aceder aos perfis destas pessoas e obter informações. Rumores contra o regimeA República Islâmica é ainda, por estes dias, fértil em rumores. "Agora estão a espalhar boatos contra eles próprios", diz uma fonte à jornalista do Independent. "Eles falam de mudança, de que algo vai acontecer em breve", diz uma entrevistada. A jornalista não percebeu por que havia o regime de espalhar um rumor contra si próprio. "Porque faz baixar a actividade", explicou-lhe a jovem. "Um condenado a prisão perpétua cava um túnel; outro que vai sair dali a pouco não faz nada - só espera". O candidato reformista Mehdi Karroubi acha que as pessoas aguardam, sim, mas algo as vai inflamar. "As pessoas estão apenas à espera de uma faísca", disse à Spiegel. Analistas dizem que a faísca poderá ser a situação económica: com uma inflação na casa dos 20 por cento e o desemprego a aumentar, o descontentamento popular, especialmente das camadas mais baixas que são a base de apoio de Ahmadinejad, poderia significar uma perda de apoio significativa. Enquanto isso, os dois líderes do movimento verde estão "isolados", praticamente sob prisão domiciliária, e quando saem é sob "protecção" de forças de segurança. Karroubi viu o seu jornal fechar e o seu partido ser proibido. Um dos seus filhos teve o passaporte revogado, outro foi impedido de deixar o país para receber tratamento médico em Londres (foi gravemente ferido na guerra contra o Iraque) e o mais novo foi detido, interrogado e agredido. Apesar disso, continua a dizer que Ahmadinejad tem de ser combatido "sem violência mas com toda a nossa força". Mir Hossein Mousavi, o líder natural do movimento (o verde era a cor da sua campanha), teve um sobrinho assassinado numa manifestação em Teerão. E o ex-Presidente reformista Khatami foi impedido, ou aconselhado (a formulação varia conforme as fontes), a não sair do país para uma cimeira sobre nuclear no Japão. Mas o cancelamento dos protestos, feito numa declaração na quinta-feira, apanhou todos de surpresa. Os líderes invocaram a proibição das autoridades; mas uma autorização não era esperada. No site de Karroubi, uma explicação lacónica: o cancelamento visa "proteger as vidas e bens das pessoas". Numa das manifestações canceladas, logo a 15 de Junho, milhares de iranianos foram ainda assim protestar. Mas este protesto seguiu-se a enormes manifestações - algumas chegaram a ter milhões de pessoas. Já passou um ano, e o medo das consequências poderá paralisar muitos. A última grande manifestação decorreu em Dezembro; morreram oito pessoas. Execuções em antecipaçãoA brutalidade é o meio de dissuasão dos protestos, diz a Amnistia Internacional, indicando que foram executadas 115 pessoas este ano, e que as "execuções com motivações políticas" aumentam antes de dias de aniversário, quando se esperam manifestações. No relatório Dos Protestos à Prisão, divulgado esta semana, a Amnistia chamou a atenção para os prisioneiros pós-manifestações. Há ainda 500 nas prisões, incluindo activistas, jornalistas, cineastas, estudantes, defensores de direitos humanos, advogados. Grupos que eram já ilegalizados e alvo de repressão viram a perseguição aumentada: é o caso dos baha"í, monarquistas ou do grupo Mujahedin e-Khalk. A Amnistia conta algumas histórias de detidos, que relatam mais uma vez os espancamentos, confissões forçadas, violações. "Os que me violaram riram-se de mim. Eram três. Todos sujos e com barba", contou Bahareh Maghami, de 28 anos, numa carta aberta. "Mesmo vendo que eu era virgem, obrigaram-me a escrever uma carta a dizer que era prostituta. " A violação acabou por forçá-la a si e aos pais a sair do país - agora moram na Alemanha. Maghami termina a sua carta com uma pergunta ao Supremo Líder, o pai da nação: "Eu sou uma filha do Irão. Os teus filhos violaram-me. Quem pagará pela perda da minha dignidade?"Apesar de muitos opositores terem saído do país, de outros terem assinado confissões sob tortura, de muitos se terem calado e de se terem passado muitos meses sem protestos, parece que há ainda pequenos meios de mostrar oposição. Um deles, conta um artigo no New York Times, é a música. Ainda que os artistas vivam no exílio, as tentativas das autoridades impedirem a disseminação de canções de Mohsen Namjoo, o Bob Dylan iraniano, ou de Shahin Najafi, cujas músicas seriam o equivalente persa dos temas-protesto dos norte-americanos Rage Against the Machine (segundo o Times), não têm resultado. Passadas por tecnologia Bluetooth de telemóvel para telemóvel ou vendidas em CD-pirata por dois ou três dólares nas ruas de Teerão, as canções de protesto têm conseguido passar através da fina malha de restrições do regime. Diz o New York Times: "Música alta a sair das janelas abertas dos automóveis num semáforo vermelho tornou-se uma das formas mais públicas ainda disponíveis para assinalar que o espírito da luta está vivo".
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA