Doses baixas de radioterapia em tecidos que rodeiam o tumor podem potenciá-lo
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DATA: 2010-06-25
SUMÁRIO: Estudo de investigadores portugueses publicado na revista científica "PLosOne" esclarece efeitos da radiação ionizante nos tecidos à volta do tumor para optimizar tratamento oncológico.
TEXTO: Nas investigações sobre radioterapia - que, a par com a quimioterapia, é um dos tratamentos mais comuns nas patologias oncológicas - os olhos têm estado postos no tumor. Investigadores portugueses do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Faculdade de Medicina Lisboa decidiram, contudo, ir mais além e estudar o que acontece com os tecidos que estão à volta da área tumoral e que são expostos à radiação, ainda que em doses muito baixas. Os testes laboratoriais permitiram concluir que estes pequenos níveis ionizantes potenciam a formação de novos vasos sanguíneos: uma "cama" perfeita para o desenvolvimento de novos tumores ou de metástases. A boa notícia é que os equipamentos actuais já são muito eficientes e permitem ir ao encontro do estudo. "Os trabalhos têm olhado para a área tumoral onde estão as doses terapêuticas e cujo objectivo é eliminar o tumor. Aí o problema são as células resistentes à radiação ionizante e em que a sua eliminação ou morte se torna difícil", explicou ao PÚBLICO Susana Constantino, investigadora do IMM responsável pelo estudo e que está à frente da Unidade de Angiogénese. A equipa do IMM decidiu, por isso, olhar para as áreas à volta do tumor que são expostas à radioterapia em doses que já não são tão tóxicas como no passado, mas que continuam a ter efeitos. "Estas doses baixas vão promover a formação de vasos sanguíneos que são essenciais para dar nutrientes e oxigénio às células saudáveis mas também às células tumorais", concretizou a investigadora. O trabalho, que acaba de ser publicado na revista científica PLosOne, foi conduzido ao longo de dois anos em células humanas in vitro e em modelos animais: no peixe-zebra, um vertebrado transparente com forte capacidade de regeneração, que quando exposto a radiação baixa aumentou a vascularização, e no ratinho, onde foi usado um modelo de leucemia (apesar de nesta patologia não se receber radioterapia) e um de cancro da mama. A radiação baixa mostrou potenciar uma proteína designada como "receptor 2 do factor de crescimento do endotélio vascular" (VEGF-R2, na sigla em inglês), responsável pela activação das células. "O VEGF é um factor de crescimento que ao chegar à célula que reveste o vaso sanguíneo comunica com a mesma através de um receptor, o VEGF-R2, que é uma porta de entrada para o interior da célula e dá-lhe um sinal de crescimento. A radiação ionizante tem a capacidade de activar o receptor da célula sem a presença do factor de crescimento. "Sobre a aplicação prática António Quintela, do serviço de Oncologia Médica do Hospital de Santa Maria, afirmou que "abre portas importantes", mas sublinhou que "é uma fase pré-clínica que falta ser reproduzida em humanos". E lembrou que a radioterapia "utiliza máquinas que permitem irradiar partes cada vez mais limitadas". Também Rui Rodrigues, membro da Sociedade Portuguesa de Oncologia, insistiu que "tudo isto se passa a nível laboratorial. O que se passa na realidade clínica não é necessariamente igual". E acrescentou: "Há um risco aumentado de segundas neoplasias após os tratamentos com radiações, o mesmo acontecendo com os tratamentos com citostáticos e mesmo com a utilização de RX. No entanto, ninguém irá, para já, abandonar estes tratamentos, já que os benefícios ultrapassam, largamente, os potenciais riscos. Este estudo é interessante, porque define detalhadamente o mecanismo que poderá estar na base das neoplasias secundárias aos tratamentos com radiações. "Susana Constantino ressalvou também que estas conclusões não querem dizer que a radioterapia é um mau tratamento e sublinhou que este estudo vai no sentido do que já se tem vindo a fazer para a melhorar: "A radioterapia hoje já é feita de forma extremamente eficaz e precisa e até já tem em conta a conformação dos órgãos e o movimento deles dentro do corpo da pessoa. "Faltam máquinas e técnicos de radioterapiaO Alto Comissariado da Saúde divulgou no ano passado um estudo, referente a 2008, sobre a realidade da radioterapia em Portugal no qual destacava grandes insuficiências. Este organismo alertava para a necessidade de substituir 15 equipamentos de radioterapia, assim como duplicar o número de aparelhos e de profissionais a operar neste sector. "O equipamento existente na maioria dos serviços está envelhecido e é insuficiente para tratar em tempo útil os doentes oncológicos", acentuava o relatório, onde se explicava também que, actualmente, há 70 médicos nos centros de radioterapia e 250 técnicos, sendo preciso o dobro. Sobre a fiscalização das radiações em exames médicos já em 2001 um relatório da Sociedade Portuguesa de Física dava conta da falta de especialistas em física médica, a quem cabe o controlo para que os exames e tratamentos tenham segurança e qualidade - um problema que tem vindo a aumentar por haver mais doentes.
REFERÊNCIAS: