"No futuro os países não serão atacados apenas por tanques"
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DATA: 2010-06-27
SUMÁRIO: A NATO é mais necessária do que nunca, diz deputado alemão. Para enfrentar as novas ameaças, tem de explicar a sua missão aos cidadãos.
TEXTO: Karl Lamers é vice-presidente da Comissão de Defesa do Parlamento alemão, chairman do Comité Político da Assembleia Parlamentar da NATO e presidente da Associação do Tratado Atlântico, que promove a organização e o diálogo entre países-membros e parceiros. Esteve em Lisboa numa altura em que a NATO ultima a revisão do seu conceito estratégico - o "guião" da Aliança que será aprovado na cimeira de Novembro, em Portugal. Disse ao PÚBLICO que a NATO continua a fazer sentido 60 anos depois da sua criação e que para cumprir a sua missão não se pode limitar às suas fronteiras. Este é o pior momento para a NATO rever o seu conceito estratégico? A guerra no Afeganistão está a entrar numa fase difícil, a Europa atravessa uma crise financeira, há desacordo na União Europeia. É um momento difícil, exigente, mas dez anos depois da última revisão é altura de o fazer. O mundo mudou totalmente desde 1999, é muito útil e necessário acordar um novo conceito estratégico. Como membro da Assembleia Parlamentar da NATO, estou muito contente por termos contribuído. Trabalhámos dois anos na nossa proposta, que entregámos em Abril ao secretário-geral da NATO. Não teme que um Verão que se adivinha difícil no Afeganistão e os cortes que os países estão a fazer na defesa prejudiquem a discussão?Todos os membros da NATO têm problemas financeiros e défices elevados. Temos de dar aos soldados que mandamos para o Afeganistão o melhor equipamento, a melhor tecnologia. Temos de reduzir despesas, mas não à custa do equipamento dos nossos soldados. Mas é previsível que os países, incluindo a Alemanha, tenham de reduzir de forma significativa os gastos com a defesa. Sim, temos de fazer grandes cortes, mas não à custa do equipamento. Se enviamos os nossos soldados para o combate, é nossa obrigação darmos-lhes o melhor possível para que a sua missão possa ser bem-sucedida e para proteger as suas vidas. Cortes, sim, mas não à custa disso. O relatório que o grupo de sábios entregou sustenta que a NATO deve ter dois objectivos principais: garantir a segurança dos seus membros e ter um envolvimento dinâmico fora das suas fronteiras. É consensual?É. Esses são os verdadeiros objectivos da Aliança. Além de garantir a segurança dos seus membros, olhar para fora das suas fronteiras e perceber o que pode fazer para contribuir para um mundo mais estável e seguro, em especial nas zonas onde os seus interesses podem ser afectados. Mas vários europeus, em particular no Leste, argumentam que a NATO é uma organização regional, que deveria estar focada na segurança interna. Os EUA, por outro lado, vêem a NATO mais como uma aliança global, pronta a enviar os seus soldados quando e para onde for preciso. Não há aqui desacordo?Não creio. A NATO tem de dar garantias de segurança aos seus membros, como está previsto no artigo 5. º [do Tratado do Atlântico Norte], segundo o qual o ataque a um é um ataque contra todos. Por outro lado, e olhando para o Afeganistão, percebemos que a NATO está lá por causa das ameaças aos seus membros. A missão no Afeganistão destina-se a evitar que no futuro os taliban e a Al-Qaeda exportem novamente o terrorismo para os nossos países. É por isso que hoje temos de ir à origem das ameaças, de as enfrentar nos países onde existem. Não há diferença [entre estas duas missões]. E depois do Afeganistão, acredita que a NATO se envolverá a breve prazo numa missão semelhante?Não o excluiria. Envolver-nos-emos em missões sempre que houver ameaças aos nossos membros. Vários analistas sublinham que a Europa está a perder influência e que, mais do que os EUA, precisa da NATO para se afirmar no mundo. Se não estiver disposta a envolver-se mais, os EUA podem desinteressar-se da Aliança?Actualmente, nenhuma nação tem capacidade para sozinha enfrentar os desafios, nem sequer os EUA. Se nos mantivermos unidos, temos hipóteses. Enfrentamos hoje novas ameaças - o terrorismo internacional, proliferação de armas de destruição maciça, ciberterrorismo, insegurança energética, escassez de água, alterações climáticas, imigração ilegal. Só podemos enfrentá-las se estivermos unidos numa grande aliança como a NATO, com 60 anos de história. A NATO foi necessária quando foi criada, em 1949, e foi necessária durante um longo período, em especial durante as grandes mudanças no Centro e Leste da Europa, quando abrimos a porta à adesão de novos membros. E é necessária no futuro para enfrentar as novas ameaças. Mas para enfrentar essas ameaças, os europeus têm de pagar a sua parte. Contribuir com fundos, soldados, equipamento. Continuam dispostos a fazê-lo?Claro. É uma questão importante para a nossa própria segurança. E a primeira missão dos políticos é explicar isso. A NATO não comunica devidamente. Ainda temos problemas para explicar à população o que é a NATO, o que defende, qual é a sua missão, incluindo no Afeganistão. Mesmo no meu círculo, as pessoas perguntam-me o que estou a fazer longe de Heidelberg, fora da Alemanha. A nossa missão é melhorar a comunicação e, por isso, fiz uma proposta e estou aqui para discuti-la com o presidente do Parlamento português: a criação de um Dia da NATO. Recomendo a todos os países que dediquem um dia por ano para falar da NATO nas escolas, nas universidades, com a imprensa, para explicar o que é e o que está a fazer. Para que as pessoas percebam melhor as missões em que nos envolvemos. É essa a mensagem que vou espalhar por todos os países e talvez os Governos a aceitem. Talvez então haja mais aceitação por parte da opinião pública. Muitas das ameaças de que falou e que o grupo de peritos refere não são convencionais. Como pode uma organização que é sobretudo militar enfrentar o ciberterrorismo, ou o aquecimento global?Excelente questão. Temos discutido isso no Comité Político. Diz-me que a NATO é uma instituição militar. Eu digo que a NATO é uma instituição política, com capacidades militares e não deve reagir apenas com acções militares. Temos de pensar nestas novas ameaças, como o ciberterrorismo, que pode destruir uma sociedade, sistemas bancários, redes energéticas. Temos de pensar como podemos trabalhar com os serviços de informação e outros organismos, de uma forma como nunca fizemos, sobre como lidar com estas ameaças. No futuro, os países não serão apenas atacados por tanques e aviões. E até agora não temos respostas claras para os novos desafios. Mas os problemas estão identificados, sabemos que temos de reagir e penso que a NATO, enquanto instituição política, tem de decidir como o vai fazer. Não há o risco de interferir no campo de outras instituições, como a União Europeia?Não creio. Temos de trabalhar em conjunto. Esse é o pensamento do passado [em que cada um tem o seu campo de acção]. Hoje temos de trabalhar em conjunto, porque os desafios são tão grandes. Temos de reunir esforços, dinheiro e inteligência para encontrar soluções. Recentemente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão gerou polémica ao defender a retirada das armas nucleares americanas. O grupo de sábios, por seu lado, recomenda a sua manutenção. O tema vai estar na cimeira?Não sei, mas a NATO quer responder a esta questão como um todo. Esta não será a decisão de um país, mas de toda a Aliança. É de esperar uma decisão na cimeira de Lisboa?Não creio. No centro da discussão estará o conceito estratégico, mas não espero decisões.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA NATO