Ruiva, solteira e primeira-ministra
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.07
DATA: 2010-06-28
SUMÁRIO: Protagonizou a mais rápida mudança de liderança que os australianos já viram, mas chegou ao lugar ao qual há muito já se percebera que se dirigia. Em Outubro vai a votos.
TEXTO: Disse um dia que não estava na política para ser a primeira mulher a fazer isto ou aquilo. Mas há anos que se adivinhava que era precisamente isso que seria. Julia Gillard tornou-se em 2007 vice-primeira-ministra, cargo a que nenhuma australiana tinha chegado. Muitas vezes referida como possível líder do Labour e do Governo, até Kevin Rudd, que ainda na quinta-feira era chefe do governo, já dissera que "um dia" ela seria "uma óptima primeira-ministra". O dia chegou e Rudd não conseguiu adiá-lo: quarta-feira, Gillard desafiou-o e ele não resistiu. Menos de 24 horas depois ela estava a prestar juramento como primeira-ministra. Gillard, que tinha sido sua aliada fiel, sentira-se traída. Garantira a Rudd que não tentaria ficar-lhe com o lugar mas soube que ele tinha sondado o partido para saber que apoios teria num eventual confronto, sugerindo assim que não acreditava na sua palavra. Rudd, até ao ano passado um dos mais populares primeiros-ministros de sempre, perdera nos últimos meses o apoio do país e do partido. Face ao desafio da sua "número dois", com quem se aliara desde que ambos chegaram ao Parlamento e com cujo peso na ala mais à esquerda do Labour contara para ser eleito, percebeu que não tinha votos e atirou a toalha. Para já, Gillard foi escolhida pelos parlamentares trabalhistas. Falta-lhe ainda o voto dos australianos, que serão chamados às urnas em Outubro. Para já, foi mais fácil a Gillard ser escolhida pelo partido para primeira-ministra do que para deputada. Desta vez, foi à primeira; quando se decidiu a entrar na política profissional, foi preterida três vezes como candidata a um lugar no Parlamento de Camberra. Mas tornou-se numa parlamentar de qualidades reconhecidas, considerada por muitos a melhor tribuna do país, e foi, pela mão de Rudd, "ministra de tudo", assim chamada por ter três pastas de relevo: Inclusão Social, Educação e Emprego e Relações de Trabalho. Nos últimos dois anos e meio geriu um ambicioso programa de investimento nas escolas e travou políticas do Executivo conservador que tinham erodido o poder dos sindicatos, seus aliados desde que era advogada especializada em questões industriais. Agora, aos 48 anos, é primeira-ministra. As primeiras páginas de todos os jornais mostraram Gillard a prestar juramento perante a representante da rainha, Quentin Bryce. "Quem pensaria que veríamos a primeira primeira-ministra tomar posse diante da primeira mulher governadora-geral?", perguntou o jornal Sydney Morning Herald. A feminista Gillard desvalorizou este marco, brincando com uma característica sua que, não tendo nada a ver com as suas capacidades políticas, já foi usada nos ataques da oposição: a cor do cabelo. "Primeira mulher, talvez a primeira ruiva - deixo-vos a escolha de qual das duas será mais improvável na actualidade. "Desde que chegou ao Parlamento, em 1998, Gillard foi julgada e escrutinada em todos os aspectos da sua vida pessoal e até características físicas, da voz nasalada ao pronunciado sotaque australiano (ela que até nasceu no País de Gales e é a segunda líder do país que não nasceu na Austrália), passando pela sua escolha de roupa e penteado e, acima de tudo, pelo facto de ser uma mulher sem filhos. Em 2007, o senador liberal Bill Heffernan provocou uma polémica ao afirmar que uma mulher "deliberadamente estéril" não podia conduzir os destinos do país e que ter filhos a ajudaria a compreender melhor as necessidades dos australianos. Numa entrevista, em 2008, Gillard disse ter "enorme admiração pelas mulheres que conseguem gerir a vida profissional e familiar", mas que ela "não tinha a certeza de ser capaz". "Há algo em mim que se impõe e que me diz que se me tivesse calhado a sorte de [ter uma família], não teria sido capaz de fazer isto [a carreira política]. ”Gillard não é só a primeira chefe de Governo, é também a primeira pessoa a chegar ao cargo na Austrália que não é casada, algo que os conservadores gostam de lhe cobrar. "Ela vai ser uma primeira-ministra fantástica. Tem o pensamento certo e sabe ouvir. Tenho muito orgulho em apoiá-la", disse à imprensa australiana Tim Mathieson, cabeleireiro que é há quatro anos o seu companheiro. De Gillard, os australianos sabem que é competente, extremamente focada e ambiciosa. É "determinada e segura de si", uma "combinação que fez dela um membro do Governo extremamente bem sucedido no Parlamento", notou o britânico The Telegraph. "O sentido de humor e a capacidade de se rir de si própria estão entre as suas melhores qualidades", escreveu em 2009 o jornalista Peter Mares. Ela costuma falar do seu sentido de justiça e da admiração que tem pelos pais, ambos de classe baixa, que se mudaram de Gales para a Austrália quando ela tinha quatro anos porque, com a sua bronquite, ela precisava de um sítio mais quente para crescer com saúde. Sempre boa aluna, encabeçou no liceu uma revolta contra um professor que acusava de favorecer os rapazes. Na universidade, onde estudou Direito e Artes, tornou-se numa das primeiras mulheres a liderar a União de Estudantes da Austrália. Aos 29 anos, foi uma das primeiras mulheres sócias do escritório de advogados onde iniciou a vida profissional, o mesmo que agora tem uma sala com o seu nome. E com tudo para provar ainda no mais alto cargo político do país, será para sempre, queira ou não, a primeira mulher a exercê-lo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave educação mulher rainha social mulheres feminista