Ana Vidigal é pintora e nunca lhe passou pela cabeça ter filhos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-07-17
SUMÁRIO: Menina Limpa, Menina Suja é o nome da sua exposição antológica no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. A mostra conta a história de uma menina bem comportada que aprendeu com Mae West que, quando era boa, era boa, quando era má, era muito melhor. A inauguração é a 22 de Julho.
TEXTO: Ana Vidigal vai fazer 50 anos. Pinta há 30. As suas peças têm títulos como Secura de Boca Depois de Arfar, Sempre Gostei de Uma Flechada de Cupido, For All the Girls I Loved Before. Os assuntos do coração podem ser, são quase sempre, os seus assuntos. Interessam-lhe os "estragos emocionais" quando fala de um acontecimento que é eminentemente político - por exemplo, a guerra colonial. Faz parte do blogue Jugular. É feminista. "Posta" coisas que quer dizer, mais do que tudo, em imagens. Mas a política e a arte são campos que não gosta de misturar. Gosta de artistas como Louise Bourgeois ou Sophie Calle. Gosta de poesia. Trabalha sobre sedimentos, despojos, memórias, cartas, fotografias, a vida. Pinta quem é como outros escrevem quem são. Pinta sobre os vestígios de uma vida obsessivamente guardada, reconfigurada. O seu trabalho artístico, de certa forma, é um abrir de caixas, caixas, caixas. Faz um "trabalho paralelo" mais experimental que durante muito tempo não expôs na sua galeria de sempre, a 111. Muito disso está na exposição da Gulbenkian, a inaugurar-se a 22 de Julho. A entrevista aconteceu em casa. Tudo acontece em casa. Um mundo, uma infância, uma memória palpável confluem num único espaço. A casa tem vista para o rio, o bairro faz parte da geografia da família há mais de 20 anos. O atelier e a casa estão construídos em círculo; mais do que comunicantes, parecem umbilicais. Como na obra de Ana Vidigal, aliás. Um alimenta-se do outro. Existe por causa do outro. Um é sintoma do outro. É filha de uma família conservadora, de homens e mulheres licenciados há pelos menos duas gerações. Há na casa vestígios desse conforto e finesse. Nas louças antigas, numa cómoda de extremo bom gosto. O pai é arquitecto, a mãe é mãe. Ana é pintora e nunca lhe passou pela cabeça ser mãe. Isso seria outra vida, outra pessoa. Foi educada para ser uma menina limpa que podia sujar-se de vez em quando?Hum. Fui educada para ser uma menina limpinha. Tudo se transforma em 1974. A minha mãe, que foi educada para casar e ter filhos, pensou que o quadro anterior ao 25 de Abril se poderia manter; eu percebi rapidamente que a revolução me iria permitir, um dia que fosse autónoma, fazer aquilo que muito bem entendesse. O que é ser limpinha? A menina limpa corresponde ao modelo de uma família conservadora. Uma família de mulheres que estudaram, mas não trabalharam. Todas as minhas amigas de infância e adolescência casaram e tiveram filhos. Sou a única que exerço uma profissão que não me dá disponibilidade para mais nada. Sou uma menina de colégio de freiras. Andei até aos 15 anos, até 1976, nas Doroteias. O 25 de Abril afectou a vida da família? Houve uma mudança radical, no sentido de a família achar que algumas das suas prerrogativas deixavam de existir?Não. O meu pai não tinha qualquer actividade política, nem à esquerda nem à direita. Tinha sido chamado para fazer a tropa pela segunda vez. Isso foi a primeira desestabilização na família. Ele tinha 30 e poucos anos quando teve de ir para a Guiné e nós ficámos cá sozinhos com a nossa mãe. Quando foi o 25 de Abril, a mãe respirou de alívio: os meus irmãos já não seriam mobilizados. Era um sentimento muito presente nas famílias portuguesas: ou as famílias se desfaziam porque os homens fugiam para não ir à tropa; ou se desfaziam porque iam para a guerra e morriam. Há uma peça que evoca esse período. É uma cama feita com as cartas que os seus pais trocaram. Chama-se Penélope.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra filha mulheres feminista