iPad: Rui Tavares gosta, Miguel Esteves Cardoso não gosta
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-07-19
SUMÁRIO: Não foi preciso arranjar um para o historiador, ele tem o seu e diz que merecia ser uma ferramenta do renascimento. O jornalista usou um emprestado: é pesado, não incentiva uma leitura longa, não acrescenta muito a quem já tem outras ferramentas. Testemunhos na primeira pessoa.
TEXTO: DaVinciPadNa Antiguidade o papel não era abundante nem barato. A Humanidade tinha então duas estratégias para lidar com a escassez. A primeira era memorizar. Sabemos pelos autores gregos, latinos e hebraicos que os seus jovens estudantes decoravam milhares e milhares de palavras organizadas em versos, versículos ou listas - da Odisseia à Bíblia ou ao Código Justiniano. A segunda consistia no recurso a superfícies lisas onde se acumulavam anotações que depois eram apagadas e substituídas por outras notas. A mais vulgarizada destas soluções era uma tabuinha de madeira emoldurada por um pequeno rebordo e coberta por uma camada de cera de abelha. Os alunos escreviam com um pequeno estilete pontiagudo (com que também pelo menos uma vez mataram um professor, o cristão Santo Ambrósio) e depois usavam uma pequena régua para alisar a cera e assim apagar as notas anteriores. A solução mais duradoura foi a da combinação de ardósia+giz, que os nossos pais ou avós ainda levavam para a escola em meados do século XX. No Museu do Louvre está guardado num armário com demeans de outras coisas um pequenino e engenhoso instrumento que parece um híbrido de baralho de cartas e leque. Creio que é indiano; consiste em várias plaquinhas de marfim, do tamanho de cartas de jogar, unidas por um único parafuso num dos cantos, precisamente como se faz nos leques. Quem olha para aquilo não entende à primeira vista do que se tratava: uma versão extraordinariamente subtil de um bloco de notas. Em vez de ser apenas uma tablete, o seu possuidor poderia usar várias das placas para diferentes ideias, abri-las em arco ou fechá-las com um movement do pulso, extrair apenas uma ou duas para comparação. Quando já não houvesse espaço para mais notas, um simples pano molhado permitiria limpar tudo e começar de novo. Outra coisa que os antigos sabiam perfeitamente é que cada uma destas mudanças de tecnologia - uma simples ardósia é "tecnologia", tanto quanto o mais sofisticado computador - tinha consequências inesperadas na nossa forma de pensar e agir. Mesmo pessoas muito sábias reagiam teimosamente mal a algumas das tecnologias que mais fizeram pela humanidade. Um dos casos mais célebres é o de Sócrates, que rejeitava uma tecnologia relativamente recente no seu tempo - a escrita - por considerar que ela poderia destruir a memorização e assim encorajar o facilitismo. Este e outros seus argumentos foram estudados por um historiador neozelandês chamado MacKenzie, que sugeriu que estes eram muito semelhantes aos que viriam depois a ser usados contra as máquinas de escrever, as calculadoras e os computadores pessoais. Inversamente, também poderemos aprender a ler as criações tecnológicas do nosso tempo à luz dos objectos do passado. A primeira lição deste exercício é a seguinte: os objetos têm a sua própria lógica. Para os entendermos não os podemos forçar à lógica que nós trazemos dos outros objetos anteriores, que têm a sua lógica anterior. Uma ardósia não é um pergaminho que não é um disco de vinil. Cada um destes objetos precisa de ser escutado com algum tempo. Cada um deles se desdobrará de uma maneira diferente. A segunda é que cada um destes objetos acabará por se tornar no efeito acumulado daquilo que ele é (tecnologia) e daquilo que nós aprendermos a fazer com ele (cultura). Tecnologia+cultura.
REFERÊNCIAS: