O caracol ainda nos reserva muitas surpresas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2010-07-20
SUMÁRIO: É uma lesma ou é uma ostra? Comer caracóis é um acto que divide as pessoas. Mas comem-se cada vez mais e muitos deles já provêm de explorações intensivas. A cosmética descobriu-os, talvez a farmacêutica venha a seguir.
TEXTO: Mesmo neste microclima da região Oeste, o ar fresco e húmido que aqui se respira surge como uma bênção. Acabou de "chover" há alguns minutos e a areia entre os canteiros insiste em colar-se aos sapatos, num contraste evidente com a secura da terra que ficou do lado de fora. Estamos à sombra, por acção conjunta da colina que se eleva a poente contra o sol e da rede estendida sobre as nossas cabeças. Mas aqui dentro, nesta estufa forrada de vegetação, não é só a frescura que nos assalta os sentidos. Há também o cheiro e o ruído viscoso de milhares de criaturas rastejando. Estamos numa quinta de caracóis. Lá fora é Julho, aqui dentro respira-se uma Primavera delicada. O sistema de rega acabou de lançar água sobre os canteiros onde milhares e milhares de caracóis estão a sair para se alimentarem. À sua espera, os trevos e couves plantados por mão humana no início da época e todas as outras espécies do mato da região, que cresceram espontaneamente nestas condições de temperatura e humidade ideais. Há também ração, espalhada pelo dono da exploração, uma forma de complementar a dieta dos caracóis e levá-los a crescer a um ritmo mais célere. O objectivo é que alcancem em breve a dimensão ideal para serem comercializados. Ou seja, comidos. E este é um dos temas que mais facilmente dividem os portugueses. Que haja adeptos do Benfica na cidade do Porto e "dragões" assumidos em Lisboa já não espanta ninguém. Que se vote agora PSD e depois PS, ou vice-versa, é coisa que os analistas políticos encaram como uma inevitabilidade no sistema político actual. Mas com os caracóis a coisa fia mais fino. Para alguns, eles não passam de lesmas com casca. Outros comparam o sabor ao das ostras, de quem, afinal, são parentes próximos. Dificilmente se encontra um artigo de culinária sobre o qual as posições se extremem tanto: os caracóis amam-se ou odeiam-se. Em Portugal, comem-se essencialmente cozidos, como petisco, mas estão gradualmente a aparecer noutros pratos, à medida que se sucedem as experiências - nem sempre muito felizes, acrescente-se. O caracol pequeno servido em restaurantes e tascas, feiras e esplanadas, arraiais e cervejarias vem, essencialmente, de Marrocos. É apanhado à mão por pastores e entregue aos responsáveis de cada aldeia, que servem de agentes do negócio, controlado pela família real. Portugueses, espanhóis, franceses, italianos, gregos. Todos querem uma fatia deste produto de exportação - o consumo em Portugal ultrapassa as 40 mil toneladas anuais. A partir de Julho, em Portugal, começa a haver também caracol nacional, que resiste melhor ao passar do Verão devido às temperaturas mais amenas, por comparação com o Norte de África. Mas este é o mundo do caracol pequeno (espécie Theba pisana). Um mundo que ainda gira à volta do sistema tradicional de apanha na Natureza e posterior encaminhamento para intermediários ou casas comerciais. O seu tamanho reduzido e a sazonalidade do consumo - brilha como um cometa entre Abril e Setembro, mas desaparece nos restantes meses - retiram-lhe interesse do ponto de vista agrícola. Mas o cenário é bem diferente no caso do caracol grande, normalmente conhecido como caracoleta (espécie Helix aspersa), que tem uma produtividade bem mais interessante e se consome todo o ano. Bichinhos irrequietosSão estes os inquilinos dos canteiros que se alinham sob a rede neste vale vigiado por aerogeradores num flanco e árvores do outro, lado a lado com alguns cavalos que pastam ali à volta. Ao todo, são cerca de 3000 metros quadrados, quase metade da área de um campo de futebol, divididos em vários canteiros com corredores de serviço entre eles. Cada canteiro está delimitado por uma rede de cerca de 50cm de altura, barrada, perto do limite superior, por uma substância que parece massa consistente, daquela que se encontra nas peças móveis dos automóveis ou se coloca nas dobradiças das portas, por exemplo.
REFERÊNCIAS: