As viúvas iraquianas são a sombra da guerra que a paz preferiu esquecer
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-08-06
SUMÁRIO: Ninguém sabe quantas viúvas há no Iraque. São muitas e poucas recebem ajuda do Governo. Fatimah Khadum faz o que pode e a Cruz Vermelha também ajuda.
TEXTO: Entidar, que quer dizer "à espera", foi uma das primeiras iraquianas viúvas da nova guerra. "O meu marido morreu durante a invasão. Estava a trabalhar num moinho e os aviões americanos bombardearam o moinho e mataram-no. "Tem 24 anos e três filhos nascidos antes de Março de 2003, quando as bombas dos Estados Unidos lhe mataram o marido enquanto ele fazia farinha em Bassorá, a primeira cidade do Sul. Hussein, o mais velho, tem dez anos; Shazenade tem nove; Abdul Hassan sete. Hoje, Entidar é uma viúva de sorte. Vive com a mãe, viúva da guerra com o Irão (1980-1988), e com os filhos numa casa alugada em Hayaniyah, um bairro conservador. Hoje, Entidar tem um trabalho e paga uma renda. Mas já foi como a maioria das viúvas, a viver com a mãe e o irmão e a cunhada e o sobrinho numa casa de duas divisões, sem saber como vestir os filhos. A sorte de Entidar foi Fatimah Khadum, fundadora da organização não governamental Iraqi Al-Firdaus (Paraíso) Society. A sorte de Fatimah foi o Comité Internacional da Cruz Vermelha, que há quatro meses iniciou um programa para ajudar viúvas de guerra em parceria com ONG locais. Fatimah já fazia muito. A sua ONG dá cursos de alfabetização, faz campanhas de prevenção do cancro da mama, outras de sensibilização sobre os princípios constitucionais e até já deu aulas de "mediação por meios pacíficos" a polícias e soldados. Nunca recebeu nada do Governo, mas trabalha com o Governo. Dos partidos e das milícias que dominam o Sul só recebeu ameaças - por telefone, por escrito e entregues pessoalmente -, mas recusou parar ou aliar-se a quem a ameaça. Por isso, a Cruz Vermelha, que só colabora com grupos independentes, escolheu-a. "Graças a Deus", é a frase que Entidar mais repete. Quando a Cruz Vermelha foi ter com Fatimah, ela foi ter com viúvas que conhecia e perguntou-lhes o que fariam se recebessem ajuda para iniciar um negócio. Entidar escolheu vender roupa para crianças, tecidos e utensílios de cozinha. "Não tinha esperança. Não sabia fazer nada, por isso recorri à minha família", diz Entidar, que estudou até ser mãe e foi mãe aos 14 anos. "Agora estou muito feliz. É bom estar ocupada, ganhar o meu dinheiro. Agora é melhor. Podemos pagar mais coisas". A sorrir com um sorriso doce que já não vai voltar a mostrar. Não é preciso saber quantas são as viúvas do Iraque para saber que este é um país de viúvas. Há quatro anos, no pico da violência sectária, 90 a 100 mulheres enviuvavam a cada dia. Entre 2005 e 2008, quando o Iraque parecia uma bomba humana, muitas mulheres fizeram-se explodir em atentados, como nunca antes em lugar nenhum. Dezenas eram viúvas. Um milhão, três milhõesHoje há entre um e três milhões de viúvas. Num país de 29 milhões, em que 40 por cento tem menos de 14 anos, basta saber isso para perceber que há demasiadas mulheres sozinhas com demasiados filhos para alimentar. Nas contas de Fatimah, "as mulheres são 60 por cento da população e metade são viúvas". Algumas "perderam o marido na guerra com o Irão, outras na guerra de 1991 e na revolta xiita que se seguiu, muitas nas explosões e assassínios". A partir de um inquérito feito há dois anos, a Cruz Vermelha concluiu que entre as mulheres chefes de família em situação vulnerável só 10 por cento recebia pensão de viuvez, o que se explica pela burocracia, pela corrupção e por falta de fundos. Há um ano, a ajuda estatal chegava a 120 mil, sortudas, mas pouco: 70 mil dinares (45 euros) por mês mais 14 mil por filho não chega. Para a Cruz Vermelha, como nos explicou Hind, responsável da subdelegação de Bassorá para o programa Mulheres em Guerra, a linha de pobreza traça-se abaixo dos 230 mil dinares por mês.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra violência filho ajuda mulheres pobreza