Só 59 pessoas em Portugal estão a cumprir pena de prisão por violência doméstica
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 16 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-08-07
SUMÁRIO: Maria de Fátima foi a mais recente vítima mortal de violência doméstica. A décima quinta deste ano. Anteontem, o companheiro matou-a em casa, em Oliveira de Azeméis. Já tinha sido condenado no ano passado por violência doméstica. Apanhou apenas 16 meses de pena de prisão suspensa, apesar de no registo criminal constarem outras ofensas à integridade física. Estranho? A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) contabiliza apenas 59 reclusos, todos do sexo masculino, a cumprir pena de prisão pelo crime de violência doméstica.
TEXTO: O número de condenados a penas de prisão está bem distante do de participações à polícia: 30. 543 só no ano passado, o que dá 84 por dia. Em 2008, tinham sido quase 27. 750; no ano anterior, perto de 22 mil. Desde 2000, ano em que a violência doméstica se tornou um crime público, as queixas não param de aumentar. A única excepção foi 2004, menos 1886 participações que no ano anterior. Os dados do primeiro semestre deste ano ainda não estão prontos, mas o secretariado do Sistema de Segurança Interna, que coordena o trabalho das várias polícias e centraliza os dados da criminalidade, adianta que até Maio houve um decréscimo de queixas: "Tendo estes crimes [violência doméstica contra cônjuge ou análogos e contra menores] por base, ainda com carácter provisório, podemos adiantar que, até ao mês de Maio, se assiste a um decréscimo de 4, 6 por cento em relação ao período homólogo do ano anterior. "Crime "muito tolerado"Dos 59 reclusos, 25 cumprem penas entre os três e os seis anos de prisão; 20 entre um e os três anos; oito entre os seis e os nove anos. Só quatro foram condenados a mais de dez anos de cadeia: a penas que oscilam entre 15 e 20 anos de prisão. Mas estes casos estão incluídos no grupo de 31 que, segundo a DGSP, responde por outros crimes, nomeadamente o homicídio tentado e consumado, a violação de domicílio, a ameaça, a detenção de arma proibida, a violação, o tráfico de droga e outras actividades ilícitas. Na opinião da procuradora Aurora Rodrigues, "este crime tem sido muito tolerado" pela sociedade portuguesa. "A recuperação destas pessoas para o direito devia passar pela interiorização da gravidade dos factos", o que implicaria "penas mais severas". Na maior parte dos casos, o inquérito morre à nascença. Isto não é um exclusivo da violência doméstica - a taxa de arquivamento global é muito próxima dos 80 a 90 por cento, indica o juiz António Fialho. Só que, neste caso, muitos morrem pelo caminho. É um crime de difícil prova. Acontece quase sempre dentro de casa - entre quatro paredes. Muitas vezes, só ali estão vítima e agressor. E a vítima cala-se. Por ter sentimentos contraditórios. Por dependência - emocional e/ou económica. Por vergonha. Por pressão. Por receio de represálias. Por achar que o silêncio servirá para resolver outros conflitos com o agressor, compreende o juiz. Ninguém a pode forçar a falar, lembra a procuradora Maria João Taborda. Nem aos filhos, muitas vezes únicas testemunhas de uma violência reiterada. De acordo com o Código do Processo Penal, "podem recusar-se a depor como testemunhas: os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao segundo grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido". Às vezes, calam-se na fase de inquérito. Às vezes, calam-se na fase de julgamento. Não se pode retirar a queixa, como muitas vítimas pensam. Mas pode-se pedir a suspensão provisória do processo - o inquérito não segue para o tribunal durante um período sob condição de que o arguido cumpra determinadas obrigações. Tem de haver concordância da vítima - ao contrário do que acontece noutros tipos de crime. Maria João Taborda não vê aqui forma de contornar a impossibilidade de desistência: a suspensão provisória do processo implica uma averiguação, um consenso entre a vítima, o MP, o juiz de instrução, o arguido. Para Aurora Rodrigues, a suspensão provisória do processo "é um instrumento muito útil, mas é preciso que haja contenção do agressor". Às vezes, o arguido é obrigado a fazer um donativo para uma instituição, mas isso não lhe parece suficiente. "Muitas vezes, isso nada significa. Se a suspensão provisória do processo for um faz de conta, é mais um motivo para o agressor pensar: "Tive um processo e não acontece nada!"" Na sua opinião, "falta alguma seriedade. Tem de haver mais seriedade, mais empenhamento. "Receios dos magistrados
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime homicídio violência tribunal prisão violação doméstica vergonha agressor