Um centro médico para tratar feridas escondidas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.08
DATA: 2010-08-19
SUMÁRIO: Noura é uma médica de clínica geral que escolheu trabalhar num hospital com objectivos particulares. "Gostei do que eles fazem e fiquei. Gosto muito do meu trabalho, especialmente quando vejo resultados num paciente. Conseguimos tratar muitas pessoas, deixá-las psicológica e fisicamente bem. Depois, se têm novos problemas, podem voltar, continuamos a acompanhá-las. A maioria precisa de antidepressivos, mas a terapia é mais benéfica", diz Noura.
TEXTO: O Iraque vive há mais de 30 anos em guerras, interrompidas por 12 anos de sanções e revoltas esmagadas. Três décadas de loucura ininterrupta. Há iraquianos que perderam orelhas, por tentarem desertar, há iraquianas que perderam os filhos e os maridos. Há os que perderam pernas e empregos e esperanças. Outros perderam o juízo. Há muitas feridas e nem todas estão à mostra, que as feridas profundas gostam de se esconder. Em Kirkuk, no Centro para as Vítimas de Tortura, tortura quer dizer violência mental, que pode ser acompanhada de violência física. Faz sentido, a definição adoptada na Convenção da ONU contra a Tortura fala de "qualquer acto pelo qual dor severa ou sofrimento, físico ou mental, é intencionalmente provocado numa pessoa". De fora, ficam os sofrimentos "fruto de sanções legais", e isso também faz sentido. Se há coisa que tem faltado no Iraque é legalidade. Ainda é muito cedo. É de manhã que vêm mais pacientes ao Centro para as Vítimas de Tortura de Kirkuk, mas é demasiado cedo e as consultas nem começaram. Por esta hora, nas vilas e aldeias da província já andam as equipas móveis que também vão às prisões. Este centro é só para mulheres e crianças. Há outro na cidade só para homens. Na sala de espera já há gente a querer entrar. Há uma mulher à espera com duas crianças pequenas, um filho e uma filha. Vai entrar num dos consultórios onde uma médica a vai ouvir e fazer um primeiro historial, acompanhado de algumas informações sobre o seu estado físico - mede-lhe a tensão arterial, por exemplo. O miúdo é tímido e esconde-se atrás da mãe. Depois lá se ri. A mãe fala pouco e devagar, a filha está meio sentada meio em pé, encostada à mãe. Desaparecem todos atrás da porta do consultório. Não sabemos o nome desta mulher, nem o que ela tem para contar à médica, uma das Evin, há três médicas chamadas Evin a trabalhar aqui. Sabemos outros nomes, de mulheres que não estão aqui nesta manhã. Awja, por exemplo, que também veio com os filhos. Tem dois rapazes e duas raparigas. Um dos rapazes trabalhava numa loja e desapareceu. Dias depois, a família encontrou o cadáver. Aconteceu o mesmo ao marido da filha que já é casada. Awja não tem marido, mas tem diabetes, hipertensão e uma depressão profunda. "Também tem uma situação social muito má. Queixa-se de tudo", conta Noura, a médica com ar de anjo e lenço de cores claras na cabeça. Noura começou a trabalhar neste centro em 2008. Os dois centros de Kirkuk, este e o que recebe os homens, abriram em 2005. Este é o primeiro espaço de reabilitação para vítimas de tortura no Norte do Iraque. Funciona numa casa de dois andares, com um pequeno jardim na entrada. É a casa mais agradável que se vê por aqui. É bonita, quase. Não há casas bonitas em Kirkuk, mas esta é. Ao lado há um muro que se prolonga e prolonga por muitos metros: é uma base militar norte-americana e por causa disso é muito difícil falar ao telemóvel nesta parte da cidade. Desde 2009 há dois centros como este a funcionar no Curdistão iraquiano, em Erbil e em Suleimanyah, as duas maiores cidades da região que começa aqui perto, um pouco mais a norte. "Agora, estamos a tentar abrir um novo centro em Halabja", a cidade curda onde num só dia de 1988 Saddam Hussein matou cinco mil pessoas num ataque químico. "A seguir, queremos abrir outro em Chamchamal, especializado em crianças", explica Noura, uma das médicas que nos acompanha na visita pelo centro.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU