Lobo Antunes assegura que nunca faltaria a encontro por "medo do confronto físico"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.06
DATA: 2010-08-23
SUMÁRIO: António Lobo Antunes garante que só quem não o conhece pode acreditar que tenha faltado a um encontro literário, no sábado, em Tomar, por "medo do confronto físico" com um grupo de militares reformados que tinham ameaçado agredi-lo. "A cobardia não é decerto um dos meus defeitos", explicou ao PÚBLICO o escritor, lembrando que correu "várias vezes risco de vida" durante a guerra colonial.
TEXTO: Lobo Antunes está, por isso, "chocado e ao mesmo tempo com vontade de rir" com as "razões de segurança" invocadas em seu nome pela Entidade Regional de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo, uma das promotoras da iniciativa, depois de o escritor ter cancelado a sua ida a Tomar. Lobo Antunes contou que estava a caminho daquela cidade quando soube que a Entidade Regional de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo tinha feito um "aproveitamento político" da sua visita, ao citá-lo como exemplo de que "os portugueses famosos valorizam as férias cá dentro" e como sendo uma resposta ao apelo do Presidente da República para que os portugueses passem férias no país. Por essa razão, o escritor regressou de imediato a casa, mas o vice-presidente daquela entidade, Manuel Faria, disse que o autor tinha alegado "razões de segurança", já que um grupo de militares reformados tinha prometido agredi-lo pelas suas afirmações sobre a guerra colonial. António Lobo Antunes admite que o tema da guerra é sempre "quente e sensível" e, por isso, percebe algumas das reacções às declarações que fez durante uma entrevista publicada no livro Uma Longa Conversa com António Lobo Antunes, do jornalista João Céu e Silva, publicado em 2009. Apesar disso, "reitera a responsabilidade" do que disse e sublinha: "É muito perigoso escrever porque nem sempre se faz uma leitura mais profunda do que é dito e há coisas que estão mal interpretadas. Não se pode confundir a linguagem simbólica com a literal. " Lobo Antunes faz também questão de expressar o seu "respeito" pelos militares - "o meu avô, que era o meu maior orgulho, foi militar até à ponta das unhas" -, mas esclareceu que "não faltaria a nada por cobardia". "Nunca tive medo do confronto físico e não é agora que vou ter. "Num dos parágrafos mais polémicos do livro, Lobo Antunes afirma: "Eu estava numa zona onde havia muitos combates e para poder mudar para uma região mais calma tinha de acumular pontos. Uma arma apreendida ao inimigo valia pontos, um prisioneiro ou um inimigo morto outros tantos pontos. E para podermos mudar, fazíamos de tudo, matar crianças, mulheres, homens. Tudo contava e, como quando estavam mortos valiam mais pontos, então não fazíamos prisioneiros. "O parágrafo tem valido várias acusações em blogues na Internet e, em Julho, chegou uma queixa-crime ao chefe do Estado-Maior do Exército onde se alega que Lobo Antunes descreve "um chorrilho de infames mentiras", segundo a edição de sábado do Expresso. O Estado-Maior do Exército respondeu que se trata de uma "obra de ficção". Entre os militares estará o coronel Morais da Silva, ex-chefe do Estado Maior da Força Aérea. O escritor diz "concordar" com a resposta do Estado-Maior à queixa e defende que "quanto mais simbólica é a linguagem mais verdadeira se torna". E assevera que o tema acarreta "reacções emocionais fortes", até porque "a guerra colonial foi profundamente injusta". "Pode esquecer-se a guerra mas ela não nos esquece. Deu cabo da nossa juventude e há-de dar cabo da nossa velhice. A negação de nada serve e a guerra continua a ser uma experiência muito dolorosa para mim. Quando venho de um almoço com os meus camaradas essa noite é muito difícil. Todos nós morremos um bocadinho na guerra. "
REFERÊNCIAS: