O voo TAP 4287 para Maputo
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-09-03
SUMÁRIO: O voo está marcado para as 20h05, mas a essa hora ainda há gente a embarcar na porta 45 do aeroporto da Portela. É o primeiro voo da TAP que vai levantar com destino final em Maputo e paragem em Joanesburgo desde o início dos protestos nas ruas da capital de Moçambique.
TEXTO: Brancos e negros, portugueses e moçambicanos, sul-africanos também. Duas freiras, uma senhora de 87 anos, uma miúda sozinha. Muitas camisolas da selecção portuguesa. Alguns bonés – este não deixa de ser um voo de regresso de férias, depois do Verão do Mundial da África do Sul e de Fábio Coentrão. Com ou sem protestos e violência e militares nas estradas de Maputo. O avião, um A330-200, tem capacidade para 265 pessoas e está pouco mais de meio cheio. Na fila de embarque, as conversas correram naturalmente à volta dos acontecimentos das últimas 48 horas em Maputo. “Não há pão, dizem que não há nada”, comenta uma portuguesa para outra, conhecida. “Claro, roubaram tudo. Para a Matola não se passa. De resto está tudo bem. Há tropa nas estradas…”, responde a amiga. “Depois perdem a razão, com a violência. Pois é, vocês vivem na Matola, não é?”“Sim, desde o ano passado. Não gosto nada. ” E ainda: “Se calhar cancelam o voo outra vez. Quem me dera…”Esta senhora tem de regressar ao trabalho, mas preferia prolongar a sua estadia em Lisboa. “Ai, eu agora já não quero voltar para trás. Já que aqui estamos, não é? Eu a noite passada já não dormi. Não foi por causa disto. Foi a pensar na minha casa, que ia deixar. Vamos fazer obras grandes na casa de banho. Vai ficar linda. Escolhi os materiais. O meu filho fica de olho e toma conta. Não é melhor a senhora ir-se sentar e já a chama?”“Pois é mãe, venha cá. ”Há gente que nem considerou pôr-se em pé, na fila, e permanece nas cadeiras da sala de embarque. Aí discutem-se os motivos da escala em Joanesburgo, que não estava inicialmente prevista para o voo das 20h05, que afinal só levantará depois das 20h30. Há quem sugira simplesmente que “tinha de ser, muitas pessoas do voo da tarde [cancelado] iam para Joanesburgo”. Outros têm teorias mais elaboradas, mas nem por isso despropositadas: “Em Joanesburgo vão trocar de tripulação, para entrar logo a que vai trazer o avião de volta. Porque se não, em Maputo não se sabe se a tripulação vem ou não vem, se chega ao não chega…”Faz sentido: na quarta-feira, no primeiro dia dos protestos, a tripulação da TAP que deveria voar para Lisboa esteve horas sem conseguir sair do hotel, acabando por chegar ao aeroporto de Maputo com escolta e muitas horas de atraso. À entrada para o avião, as conversas mudam de tom. Já toda a gente percebeu que está mesmo a caminho de Maputo. “Avó, posso trocar de lugar contigo?”“Não. ”“Mas quero ir ao pé da mana. ”“Mas eu não quero ir contigo. ”“Posso ir sozinha?. . . ”As três riem com vontade. Às 20h18 o avião começa finalmente a mover-se na pista, devagar. As hospedeiras estão sorridentes, como sempre. Mais do que o habitual? Uma está de chapéu e tem um sorriso que não desfaz, como se estivesse colado. “The flight time will be 10h50m. Thank you. ”As luzes apagam-se. “Mamy!!!”Nestes voos, ninguém deve ter medo de acidentes. Só a menina que gritou “Mamy” e que não deve saber o que aconteceu em Maputo. São 7h38 (menos uma hora em Lisboa) e o avião aterra em Joanesburgo. Afinal, a menina tinha mesmo medo de voar. Vai ficar aqui, na África do Sul, onde os jornais ignoram a violência em Moçambique e dedicam as suas primeiras páginas à greve geral que há dias bloqueia a África do Sul. Metade do avião que vinha meio cheio vai ficar aqui. Afinal, não há assim tantas pessoas com vontade de chegar a Maputo. Errado: de Joanesburgo virão muitas mais. São 8h50 e a fila para embarcar de volta é longa. Não irão sair em Maputo, o seu destino final é Lisboa.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE