Nos hospitais a fazer contas impossíveis aos mortos de Maputo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.43
DATA: 2010-09-06
SUMÁRIO: Não é fácil confirmar os números oficiais de mortos e feridos em resultado dos protestos e da repressão aos protestos de quarta a sexta-feira. No Hospital Central de Maputo, por exemplo, os jornalistas são enviados de pessoa em pessoa até esbarrarem na mesma frase: "Falar só pode o director, o Dr. Assis, que não está por ser fim-de-semana".
TEXTO: Na fila da "aceitação", cá fora, onde se registam todas as entradas, alguém agita o jornal Notícias enquanto aponta um título dos últimos dias. "HCM. É preciso ajoelhar para ter informação. "Há registos e os registos podem ser consultados à segunda tentativa em dois dias consecutivos. Consultados não é bem o termo. Há alguém que abre o Livro de Pauta à nossa frente e que lê os dados que lá estão inscritos, menos os que se referem ao dia 1 de Setembro, quarta-feira, das 7h00 às 14h00 - não houve tempo para os colocar no sítio certo, ficam por isso para o fim. A espera fez-se primeiro cá fora, à porta, depois no hall de entrada, lá dentro. Ao todo, uns 40 minutos de muito movimento no Hospital Central na Avenida Eduardo Mondlane, centro de Maputo. Há uma menina que chega trazida de carro por um casal. Não consegue andar, mal pousa um dos pés no chão. Um senhor velhote que não pode respirar nem abrir os olhos nem falar chega trazido por um miúdo num carro logo atrás. Os enfermeiros aproximam as macas dos carros estacionados em frente à porta. Há lençóis amachucados e com muitos buracos mas bem lavados por cima das macas de pernas fininhas e quatro rodas. O miúdo que trouxe o senhor e o casal que trouxe a menina ficam com os chinelos de uma e com as sandálias do outro nas mãos. Não entram ferimentos de bala entre as 10h40 e as 11h20 da manhã de domingo no Hospital Central, mas há quedas feias e maleitas variadas. O senhor mais velho, de calças de ganga, camisa aos quadrados e casaco de malha não deve estar para morrer. Vinte minutos depois de ter entrado chega a filha, mesmo a tempo de lhe dar uma festa na testa, antes de ele ser finalmente tirado do hall de entrada e levado para uma sala. É na sala dos asmáticos que vamos ouvir ler os registos de entradas e óbitos entre dia 1 e dia 4 de Setembro, sábado. Das 14h00 às 19h00 de quarta-feira foram registadas 50 "doenças graves", três "asmáticos", quatro "acidentes", 21 "agressões" e nenhum óbito. No turno seguinte, das 19h00 de dia 1 às 7h00 de dia 2, quinta-feira, quando ainda houve protestos significativos, violência, mortos e feridos em Maputo e na periferia, deram oficialmente entrada no Hospital Central 43 "doenças gerais", três "asmáticos", 3 "queimaduras", um "acidente" e 24 "agressões". Na manhã de dia 2 as "doenças gerais" saltaram para as 97, os "asmáticos" chegaram aos sete e as "queimaduras" foram outra vez três. Houve um "acidente" a registar e 24 "agressões". "Óbitos": 0, mais uma vez. Durante a tarde de quinta-feira já houve só 44 "doenças gerais", quatro "asmáticos", duas "agressões", uma "queimadura", dois "acidentes" e, uma vez mais, nenhuma morte. Um óbitoSomando os dois turnos seguintes, das 19h00 de quinta-feira às 7h00 de sexta-feira, mais o turno que se prolonga até às 14h00 de dia 3, obtemos 213 "doenças gerais", 26 "asmáticos", sete "acidentes", nove "agressões", uma "queimadura" e zero mortes. Só dois turnos mais à frente se registou um "óbito", entre as 19h00 de dia 3 e as 7h00 de dia 4, sábado. Para o fim ficou a primeira manhã, de quarta-feira, altura em que o trabalho foi tanto que os dados ainda não estão inscritos no Livro de Pauta. São então 25 "doenças gerais", sete "asmáticos", quatro "acidentes", 21 "agressões" e nenhum óbito. A ouvir a leitura destes registos estão o PÚBLICO e o jornalista Alcides, do diário moçambicano Notícias. "Entre mim e outros dois colegas, só na quarta-feira, contámos 20 mortos. Estivemos na zona da Hulene, no Zimpeto e na Matola. " O Hospital Central já confirmou ter tido quatro mortes dos protestos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte filha violência