Para cá e para lá, assim se movem dois milhões nos "chapas" de Maputo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-09-09
SUMÁRIO: À volta de Maputo vivem dois milhões de pessoas e quase todas trabalham ou estudam na cidade. Os transportes públicos, TPM, Transportes Públicos de Maputo, quase não existem, e nasceu por isso uma rede informal de "chapas" - podem ser carrinhas de nove lugares onde cabem 25 pessoas, incluindo duas ao lado do motorista, ou miniautocarros com uma lotação de 29, uma fila de um lugar do lado esquerdo; outra de dois no lado direito, onde cabem umas 70 pessoas, bem apertadas. É assim que esses dois milhões se movem, para lá e para cá.
TEXTO: 5h15Leonora, casada com um homem que já tinha dois filhos de outra mulher, mãe de outro, vive na Mahota, para lá de Magoanine, para lá do aeroporto, depois do bairro de Xiquelene. Veste uma T-shirt cor-de-laranja, uma capulana e uma touca que é tecido e acaba com um nó a tapar-lhe as trancinhas. Já está a pé, a encher um balde de água na torneira que tem no quintal da sua casa de tijolo cinzento e cimento, tecto de chapa com uma rudimentar estrutura de madeira, três quartos mais a sala que tem sofás novos e outros velhos, o armário da loiça, a mesa e a televisão pequena, pousada num armário de ferro preto e dourado que mais parece a cabeceira de uma cama. Leonora começa o dia a lavar a loiça do jantar, em pé, de costas dobradas. Tudo muito bem esfregado à mão e passado de um alguidar para outro, pratos, talheres, copos, tachos e ela a sorrir. Ainda é noite, mas o céu vai ganhando tons de azul-petróleo desmaiado. Leonora tem uma lâmpada acesa no alpendre de cimento onde funciona a cozinha: dois lumes de madeira e ferro. A casa mais próxima não tem quintal nem alpendre, mas a luz por cima da porta azul de ferro também já está acesa. Sai um homem de calças e pólo vermelho escuro que ainda há-de entrar e sair de toalha e reentrar em tronco nu e voltar a sair com outra roupa e o filho pronto para ir para a escola. Há uma boa meia hora que o som dos galos ecoa por todo o lado. Leonora anda à volta de um tacho que pegou no fundo e ela raspa com a mão, de pé curvada, pernas levemente abertas para conseguir raspar melhor o tacho. 5h35Começam a chegar vozes que não são de animais. O céu já é quase cinzento e descobrimos que atrás do muro da casa de Leonora há mais uma casa abarracada de madeira. Alguém ouve música bem longe. A Mahota é grande, muito grande. Cheia de casas de tijolo e de ruas de areia e sem luz, aqui e ali restos das queimadas dos protestos da semana passada. Mas não perto da casa de Leonora, que fica a uns 15 minutos em passo rápido da estrada onde nos deixara o "chapa" que vai do Xiquelene a Magoanine. No quintal de Leonora há uma divisão de caniço alto embrulhado numa lona que parece tecido de tenda, cinzento metalizado por fora, roxo por dentro, a ver-se numa ponta a cair. O sobrinho do marido de Leonora, que é, como o tio, natural "da ponta Norte do país", ao contrário de Leonora, que é de Maputo, aparece para dizer bom-dia e lavar os dentes cá fora, antes de sair para a cidade. A torneira já se fechou e ainda há água no balde amarelo que já foi de 20 litros de Meteor PVC e agora está ali, em cima de umas pedras para não estar na terra e na pedra. E ela a lavar os dentes, em frente ao caniço e à lona. Já é dia o suficiente para se ver que o céu está nublado, como na véspera, quando chegou a chuviscar. É Inverno em Maputo e nem sempre estão 24 graus e até está vento e vestem-se casacos de malha e cachecóis e até gorros nesta manhã. 5h56Escolhemos o caminho mais perto até aos "chapas", para evitar de novo o labirinto de casas e de areia que percorremos na véspera, à chegada, pelas 20h40, à casa de Leonora. Demoramos pouco a deixar a areia e a chegar a uma estrada larga, de um lado a Mahota de onde saímos, do outro uma zona nova que nasceu depois das últimas cheias e onde entretanto gente com mais dinheiro, funcionários, já construiu casas maiores no meio dos arbustos. Esta estrada também tem restos das queimadas dos protestos contra o aumento dos preços do combustível, da água, da luz, do pão e do arroz que na terça-feira, véspera de se cumprir uma semana das manifestações em que morreram 13 pessoas, o Governo decidiu congelar. 6h08
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola filho mulher homem