Família: Maria tem nove anos e gosta de viver com a mãe, com o pai e com a avó
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2010-09-27
SUMÁRIO: Fazem companhia uns aos outros, mas também se livram de tarefas. Sara sai com o marido quando quer e só tem de dizer à mãe o que deseja para o almoço ou o jantar.
TEXTO: Maria não gostaria de viver só com a mãe e com o pai. Gosta de viver com eles e com a avó. Com a avó na mesma casa, não é obrigada a dormir sozinha. Só tem pena de ela ser tão arrumada e de a forçar a sê-lo também. Vê-a esconder bonecas debaixo da cama e ordena-lhe que as vá acomodar no quarto dos brinquedos. E Maria desejava tanto tê-las ali, à mão, para as agarrar mal abrisse os olhos. A co-residência de três gerações é um bom tema para se estudar num país que combina escassez de respostas sociais com altíssima taxa de actividade feminina, considera Paula Albuquerque, do Instituto de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. Sabe-se que "é comum". Não se sabe o quanto. Só os próximos Censos, previstos para 2011, o poderão revelar. Em 2001, a co-residência de três gerações acontecia numa em cada dez casas. O fenómeno resistia mais por necessidade das gerações intermédias. "Havia muitos casais jovens que viviam com os pais ou com os sogros até terem casa", aferiu a investigadora, na altura. Dividiam o espaço por razões económicas. Também havia casais mais velhos que partilhavam o espaço "por solidariedade" - os pais ou sogros tinham adoecido e/ou enviuvado. As duas mulheres e a criança sentam-se na rua, à sombra, em torno de uma pequena mesa de ferro. Rosa, de 59 anos, tem os óculos de sol a afastar os cabelos dos olhos; Sara, de 36 anos, traz os cabelos presos com um elástico; e Maria, de nove anos, usa os cabelos demasiado curtos para os apanhar. Sara cresceu naquela casa de paredes brancas e telhas de canudo. Dali saiu para morar com o marido, em casa dos sogros, a uns três quilómetros da rua estreita com campos de milho a espreitar - Arada, freguesia rural do concelho de Ovar, é boa para o cultivo do milho, do feijão e da batata. Sara viu uma geração inteira recorrer à banca para comprar ou construir casa própria. Resistiu, resistiu sempre: "Sou filha única. À partida, esta casa será para mim. " E a verdade é que lhe garantiu conforto. A sogra ainda agora lava, estende, apanha, dobra as roupas dela, do marido e da filha. E a mãe, atenta aos seus paladares, pergunta-lhe: "O que queres comer?" Não se atormenta com renda nem prestação de um crédito à habitação que é incapaz de determinar quando é que desata a subir. Tem quem lhe trate do almoço e do jantar. Se lhe apetecer sair só com o marido, namoriscar, confraternizar, seja lá o que for, é só pedir a Rosa que olhe pela neta. E pode convidar familiares ou amigos para petiscar. Sara quis amparar a mãeA miúda não gosta de ver a mãe sair à noite. "Ela pode chegar tarde e eu fico com medo que não chegue!" Maria ainda está a terminar a frase naquele tom que abafa tudo à sua volta e já está a virar-se para a mãe: "Sofro de quê?! Ansiedade de adulto, não é?" A mãe sorri: "Excesso de mimo! No meu tempo, resolvia-se com duas bofetadas. Agora, resolve-se com ansiolíticos. "Rosa mata o silêncio que guardou nos primeiros minutos de conversa: "Não interfiro na vida do casal. Se achar que devo dar um conselho, puxar as orelhas à minha filha, faço-o em particular. " Sara olha-a com um ar muito sério: "Também não admitia!" Quando regressou, quase se esvaziara a casa que Sara deixara com o vozear do pai, da mãe, da avó e do avô postiço. Morreu um, outro, ainda outro. E ela quis amparar a mãe, de repente sozinha. E o marido apoiou-a. Iam ficar um mês. Ficaram um, dois, três meses. Ficaram um, dois, três anos. Só este Verão trouxeram a mobília do quarto de Maria - colaram fadas por cima da cama que ela ainda não usa.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filha criança medo mulheres feminina ansiedade