Mineiros regressam à realidade depois da salvação
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-10-14
SUMÁRIO: Um por um, hora a hora, num processo metódico que terminou hoje ao início da madrugada, os 33 novos heróis do Chile abandonaram a húmida e insalubre prisão de granito a 700 metros de profundidade onde sobreviveram nos últimos 69 dias.
TEXTO: Uma cápsula metálica com o formato de um míssil e a largura de uma roda de bicicleta, a Fénix, mergulhou mais de 40 vezes até ao interior da terra para trazer de volta à superfície os 33 mineiros soterrados na mina de ouro e cobre de San José durante dois meses. Sãos e salvos, barbeados, sorridentes, numa espantosa condição física e impressionante estado de espírito, tendo em conta o pesadelo que viveram. O dia 5 de Agosto foi a última vez que viram a paisagem do deserto de Atacama, o impressionante cenário de uma saga absolutamente inédita que prendeu as atenções de todo o mundo. Nunca na história alguém resistiu tanto tempo em situação tão extrema. Os homens ficaram presos quando um muro de sustentação ruiu, atirando 700 toneladas de rocha para cima da galeria onde trabalhavam. O regresso à superfície não estava isento de riscos: a ascensão das profundezas sombrias e escaldantes da mina implicava um esforço de descompressão e um reajustamento térmico que podia deixar qualquer um em choque. À chegada, os homens foram submetidos a um exame médico preliminar num hospital de campanha. Nenhum deles exibiu sintomas preocupantes, informou o ministro da Saúde chileno, Jaime Manalich. Mas estão sob observação, internados no hospital da cidade de Copiapó por pelo menos 48 horas. O pior, avisaram todos os especialistas, está para vir. Stress pós-traumático, pesadelos, alucinações, irritabilidade, depressão, os técnicos de saúde mental enumeraram uma série de maleitas que podem pairar no seu futuro. Inevitavelmente, alertavam, a euforia esmorecerá, e é possível que no seu lugar surja o desespero. A normalidade, diziam, é um conceito que estes homens não deverão voltar a conhecer. Pela televisão, o Chile e o resto do mundo puderam ver os homens escapar do seu involuntário cativeiro - pálidos, gratos e felizes. Florencio Avalos, o primeiro a escapar, fora o narrador dos vídeos que transformaram os mineiros numa sensação mundial. "Acabou. Acabou finalmente", balbuciou. O sindicalista que veio em segundo, Mário Sepúlveda, foi o mais efusivo: saltou da Fénix carregado com uma saca de pedras, que imediatamente começou a distribuir pelas equipas envolvidas no resgate. "Estive com Deus e o diabo. Agarrei-me à melhor mão", contou. Juan Ilanes Palma levantou os braços ao céu; Mário Gomez, o mais velho do grupo, ajoelhou-se a rezar - um gesto repetido por tantos outros companheiros, Alex Vega, Omar Reygadas, Esteban Rojas. . . As mulheres e filhos abraçavam-nos por segundos, sob o olhar emocionado dos dirigentes políticos e do pessoal técnico. O sucesso e alegria do dia do salvamento esconderam temporariamente a realidade bem menos efusiva que os espera. Os mineiros soterrados juntaram-se numa acção judicial contra o Governo chileno, ao qual pedem responsabilidades pelas frágeis condições de segurança na mina, cuja laboração fora suspensa por duas vezes na sequência de outros acidentes. "Não nos tratem como artistas, tratem-nos como mineiros", pediu Sepúlveda, que não esperou nem um minuto para exigir reformas na regulação e supervisão da indústria e nas condições de trabalho dos mineiros. "Estou contente por ter chegado este momento, mas este país deve entender que são precisas mudanças no mundo laboral", declarou. Os seus colegas, que conseguiram escapar da mina no dia do desastre, enfrentam um futuro tão ou mais incerto do que o dele. Impedidos de trabalhar há mais de dois meses, estes mineiros não terão acesso às indemnizações que garantem a subsistência financeira dos 33 mineiros soterrados.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens mulheres cativeiro