Natalidade pode ser afectada por corte nos abonos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-11-01
SUMÁRIO: Os especialistas são unânimes: os cortes no abono de família que hoje entram em vigor reduzem a quase nada as políticas de apoio à natalidade.
TEXTO: Sofia Oliveira não só gostava de dar um irmão à sua filha Matilde, de 16 meses, como sonha com isso. O marido até já decidiu que, se nascesse rapaz, seria Rodrigo. E a mobília de quarto que ambos compraram para a Matilde até já veio "com duas caminhas". O pior é o dinheiro: Sofia, 28 anos e a ganhar 700 euros líquidos numa fábrica de cortiça, em Santa Maria da Feira, já viu o abono de família descer de 89, 90 para 22, 59 euros. "Passaram-me do terceiro escalão para o quarto e, quando a Matilde fez um ano, cortaram o subsídio de aleitamento", descreve. O marido, trabalhador na construção civil, teve um acidente de trabalho que lhe inutilizou o braço direito e vai continuar de baixa não remunerada até que se desate o litígio judicial com a seguradora. A perda do seu salário, que era de 500 euros, ajudou a que a prestação da creche baixasse para 55 euros. Mas nem assim - nem com os 45 euros que Sofia vai buscar todos os sábados ao salão de cabeleireiro onde é ajudante - as contas ficam equilibradas. "Ter um filho agora é impensável: caíamos todos no abismo. " Sofia nem sabe que faz parte dos 34 por cento de mulheres portuguesas entre os 25 e os 29 anos que gostavam de ter, pelo menos, dois filhos. A percentagem foi apurada num inquérito que a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) promoveu no início deste ano e que conclui o óbvio: não fossem as condicionantes financeiras e as dificuldades de conciliação família-trabalho, haveria mais crianças a nascer em Portugal e o índice sintético de fecundidade não estaria tão abaixo dos 2, 1 filhos por mulher necessários para garantir a substituição de gerações. Com Portugal transformado no 8. º país mais velho do mundo (contas da ONU), os cortes no abono de família que hoje entram em vigor e nas deduções à colecta das despesas com saúde e educação surgem como "uma confissão de falência do Estado", segundo o demógrafo Mário Leston Bandeira, para quem "ter um filho transformou-se num luxo, assim como comprar uma segunda casa". O mais grave é, para a secretária-geral da APFN, Ana Cid, "a cegueira" dos novos tectos para a dedução em sede de IRS das despesas com saúde, educação, encargos com crédito à habitação ou com lares de idosos, "fixados independentemente do número de pessoas que compõem o agregado familiar" mas que já não atingirão tantas famílias depois do acordo entre PS e PSD para a viabilização do Orçamento do Estado. Cheque-bebé na gavetaOs incentivos à natalidade foram uma das bandeiras do primeiro-ministro. Durante a campanha para as legislativas de 2009, José Sócrates propôs-se investir mais de 20 milhões de euros por ano no famigerado cheque-bebé. A ideia era atribuir 200 euros por cada bebé nascido numa Conta Poupança-Futuro, com benefícios fiscais. Duplo objectivo: incentivar a natalidade e estimular hábitos de poupança. O cheque, porém, nunca chegou a sair do papel. A majoração do abono de família sim, mas por pouco tempo. E as políticas de apoio à maternidade voltaram assim a ficar reduzidas ao subsídio pré-natal que, desde 2007, é atribuído a partir do quarto mês de gravidez, mas apenas aos agregados com rendimentos mensais brutos inferiores a 1989 euros. Para lá dos incentivos financeiros, a presidente da Sociedade Portuguesa de Demografia, Maria Filomena Mendes, reclama políticas voltadas para a igualdade de género. "Os estudos mostram que as questões da igualdade de género, dentro do agregado familiar e no contexto laboral, são determinantes no aumento da fecundidade", diz. O novo regime de protecção da parentalidade, em vigor desde Maio de 2009, dava um passo em frente no sentido da igualdade, ao admitir os seis meses de licença remunerados a 80 por cento, desde que um deles seja gozado em exclusivo pelo pai. O problema é que, 14 meses depois, apenas 25 por cento dos pais tinham gozado aquele mês de licença.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD