Nuno Ferrand de Almeida: Nunca se olha para o outro país que existe
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.12
DATA: 2010-11-05
SUMÁRIO: Choca-o o pessimismo das elites portugueses. Acredita que o país tem pessoas e conhecimento que lhe garantem um futuro. Diz que as crises são uma espécie de "ajustes que é preciso fazer". Como "as réplicas de um terramoto". Tem uma convicção: "Vamos dar a volta a isto."
TEXTO: É biólogo, director do Cibio, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, professor do Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da mesma universidade, onde lecciona Genética e Evolução. Move-se no circuito da ciência internacional. Tem 47 anos e olha para o país com um inesperado optimismo, que esta entrevista acaba por explicar. Há 25 anos não tínhamos nada. Hoje temos nichos de excelência que podem ombrear com o melhor do melhor. Um país que tem isto tem futuro. Esta entrevista ocorreu, por acaso, no dia em que terminava em Nagoya, Japão, a cimeira da ONU sobre a Biodiversidade. Como é que se mobilizam as pessoas para a importância da biodiversidade, quando o mundo, e sobretudo as sociedades ocidentais que normalmente financiam estas iniciativas, atravessa uma tremenda crise económica da qual não se sabe ainda bem como vai sair?É difícil, mas penso que podemos transformar esta crise numa oportunidade. A crise resulta também do modelo de crescimento que temos tido ao longo destes últimos 50 anos, praticamente desde o pós-guerra. E, se quiser, tem raízes históricas que começam há 10 mil anos, quando o homem começa a domesticar os animais, que é o início daquilo a que chamamos hoje "civilização". Este distanciamento do homem em relação à natureza acentua-se com a Revolução Industrial. A maior parte das pessoas começa a dirigir-se para as cidades, onde hoje vive mais de 50 por cento da população mundial. Há uma espécie de dissociação entre a nossa espécie e a nossa vivência e o mundo natural, que é o mundo que nos suporta. Basicamente, aquilo a que chamamos "recursos naturais e recursos biológicos" fazem parte de uma pequeníssima camada a que chamamos "biosfera" e que tem recursos finitos. Explicar isso não é nada fácil. . . Não é nada fácil, mas este é o momento ideal precisamente por ser um momento de crise. É preciso que as pessoas percebam - e percebem agora melhor - que alguma coisa vamos ter de mudar, porque a perda de recursos a que se está a assistir hoje, a perda dos serviços dos ecossistemas, não é compatível com a preservação do enorme nível de bem-estar que alcançámos. Mas é difícil explicar às pessoas que o papel de uma borboleta, de um pássaro ou de um lince são fundamentais para o seu bem-estar e para a sua sobrevivência. Isso é importante, porque cada espécie vale por si. Mas não devemos ir por aí. Devemos explicar que há uma diferença qualitativa na crise da biodiversidade em relação a tudo o resto - às alterações climáticas, à poluição, à destruição do ambiente. A perda da biodiversidade é irreversível. Não há retorno possível. O que está a dizer é que este modelo de desenvolvimento actual é insustentável? É. Muita investigação recente mostra uma progressiva dissociação entre aquilo que ganhamos, o nosso rendimento, e os nossos níveis de bem-estar e de fruição da vida. Atingiu-se uma espécie de patamar que põe em causa aquilo que estamos a fazer. Não temos de crescer por crescer. Há outras maneiras de avaliar o progresso. Mas essa é hoje a lógica das nossas sociedades. . . Que é incompatível com os recursos que temos, porque são finitos. O que está a propor é uma verdadeira revolução dos nossos padrões e do nosso modo de vida. Hoje, melhorar a vida das pessoas é melhorar o seu acesso ao consumo e a bens fundamentais, como saúde e educação. Absolutamente. A ideia de consumo vai ter de ir mudando. Há muitas outras formas de fruir a vida que podem estar muito mais ligadas à nossa satisfação intelectual e que não estão ligadas ao consumo material. Vai demorar gerações a mudar, mas acho que esta crise que estamos a viver é o primeiro grande sinal. . . Que implica uma mudança de valores?
REFERÊNCIAS: