Complexo do Alemão: O poder já não é paralelo
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-12-05
SUMÁRIO: Daiana casou entre tanques. Eduardo vendeu pão entre tiros. Thiago treina para as Olimpíadas. E toda a gente vê o que nunca vira: o Estado no Complexo do Alemão.
TEXTO: A vantagem de Mozart é morar no Complexo do Alemão. Mozart, claro, é um brasileiro, e quando o PÚBLICO pára o táxi dele na rua e fala no Alemão, ele vira a cara radiante. Isto acontece ao fim de uma hora em que a rádio-táxis ainda não conseguiu um condutor que aceite ir lá. Todo o Rio de Janeiro dos postais é Zona Sul. O Complexo do Alemão fica na Zona Norte. Não é nada difícil chegar lá de táxi se forem três da tarde e não houver engarrafamento na via rápida que sai do centro: demora 40 minutos, custa 20 euros. Mas o Alemão está a emergir da mais fulminante operação que o Rio já viu, e ninguém a deu como terminada. Ainda há buscas (homens, droga, armas) a que alguma imprensa chama "caça". A atmosfera é volátil, e portanto ainda há medo. Não Mozart, claro. "Essa operação foi excelente. A minha casa até valorizou. " Casa-casa, junto à entrada principal do Alemão. Saiu barata por estar na linha de tiro. "Agora bala perdida vai acabar porque a polícia vai permanecer e eles vão colocar UPP. "UPP - Unidade de Polícia Pacificadora - é a sigla que nos últimos dois anos mudou uma parte do Rio. Não a maior parte, mas uma parte crescente. A polícia tomou vários morros da Zona Sul, o que foi empurrando o tráfico ainda mais para a Zona Norte e inchou o Complexo do Alemão. Complexo por ser um complexo de favelas, aliás, de comunidades. "Já não diz favela", avisa Mozart. "Os moradores não gostam. A palavra é comunidade. "Nas comunidades do Complexo o poder verdadeiro era o Comando Vermelho, um gang com origens na prisão da Ilha Grande (estado do Rio de Janeiro), quando presos políticos politizaram presos comuns, há mais de 30 anos. Mas a recente onda de arrastões e carros incendiados que deixou a Zona Sul em pânico precipitou a queda do Comando Vermelho no Alemão. O poder oficial avançou com tudo. Já se sabia que ia acontecer, mas aconteceu agora e assim porque era preciso responder, e responder certo. O mundo estava olhando, em 2014 há Copa do Mundo, em 2016 Olimpíadas. O poder paralelo transbordara. "Quem provocou essa queima de carros foram eles, a ordem partiu daqui de dentro", diz Mozart, apontando o amontoado que é o Alemão, barracos de tijolo e cimento entre morros. Num dos morros sobressai um teleférico, quase pronto. A seus pés, fábricas velhas e igrejas novas (Igreja Cristo Rei - o Poder Pentecostal). Ao longo da via rápida, um canal de esgoto. O primeiro soldado aparece junto à antiga fábrica da Coca-Cola. É aí que os militares estão acampados, com as suas rações de combate. O trânsito flui, o soldado vai mandando avançar, não há controle de identidade. Quarteirões cheios de habitação social novinha em folha, com painéis do Governo Federal ("Conjunto Habitacional Jardim das Palmeiras"). Anúncios de clínicas e Bolsa Família. Um esforço de mostrar trabalho. Mas quando o PÚBLICO se despede de Mozart na Itararé, última rua asfaltada por onde passam carros, a primeira coisa que vê, morro acima, é um cartaz a dizer: "Sras Autoridades, Socorro. Convivemos com muito lixo, ratos e caramujos africanos. Pedimos obras nesta rua. " Os caramujos africanos são uns caracóis gigantes que transmitem doenças e se reproduzem velozmente. Todos (quase) contentesA principal entrada do Alemão é a Joaquim Queirós, uma rua sem trânsito um pouco caótica, daquelas onde tanto se vendem mangas como mochilas do chinês, e a gente se senta em degraus partidos ou caixas voltadas ao contrário, e fica na conversa. Podia ser um campo de refugiados no Líbano, mas com raparigas de alcinhas e bebés ao colo, e rapazes com nomes de rapariga tatuados nos braços, e todo o mundo chinelando no pó. O que todo o mundo vai dizer é que "antes" - ou seja, há uma semana - os traficantes gingavam por aqui, bem armados. E agora o que se vê é o Estado numa azáfama.
REFERÊNCIAS: