Marina Silva: "O Brasil avançou muito, mas na política há um atraso sem tamanho"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.183
DATA: 2010-12-31
SUMÁRIO: Cresceu a vender borracha, lá na Amazónia. Aprendeu a ler aos 16 anos. Em 2010 conquistou 20 milhões de brasileiros na primeira volta das eleições. Será de novo candidata a Presidente se em 2014 isso fizer sentido.
TEXTO: Delgada, e com uma voz de menina, mas vibrante de uma forma que arrebatou 20 milhões de votos, Marina Silva mudou as eleições no Outono passado. Não passou à segunda volta, mas fez com que ela existisse, quebrando o que se preparava para ser um simples plebiscito ao poder de Lula. Prestes a completar 53 anos, volta agora à sociedade civil, ao fim de 16 anos no Senado. Ao candidatar-se a Presidente não podia recandidatar-se a senadora. Sabia que ia perder essa tribuna. Recebeu o P2 antes do Natal, durante uma visita a São Paulo. Vai preparar agora a candidatura à presidência em 2014?Não quero ficar a priori nesse lugar de candidata. Volto à condição de cidadã. A decisão de candidatura não deve ficar já colocada. Porquê?Porque é muito ruim quando você não trabalha com o imponderável. E se surgir um nome melhor que o meu para liderar esse processo? Não sei. Tem de se trabalhar como um todo para uma candidatura que represente de facto a luta sócio-ambiental, a transformação que é precisa na política. O Brasil avançou em muitos aspectos, económico, social, cultural. Mas onde identifico um atraso sem tamanho é na política. A política pode, inclusive, significar perdas para os avanços. Então quero trabalhar isso de forma ampla, suprapartidária. Se chegar a 2014 e esse chamado for legítimo, espero ter forças para responder sim, mas se for outra coisa não quero já ficar aprisionada. Nunca me programei dizendo: "Ah vou ser senadora, ministra, deputada. " Até brinco, dizendo que a única coisa que me programei para ser acabou não dando certo: eu queria ser freira. Você tem de trabalhar, participar dos processos, sem achar que existe uma cadeira cativa. Parte do património que conquistou nas eleições tem a ver com o facto de muita gente se sentir inspirada pelo seu percurso desde a Amazónia. Foi a mais jovem senadora no Brasil, e provavelmente a única nascida num lugar tão remoto, numa família com 11 irmãos, que conheceu a pobreza, que acendia o fogo para fazer o café. Como era essa família?O meu pai e a minha mãe vieram do Nordeste, do Ceará, por volta de 1945. Chegaram no Acre, o meu pai como soldado da borracha, para o esforço de guerra na Segunda Guerra Mundial, suprindo os aliados de borracha natural. Era uma família simples, humilde, mas muito sofisticada, porque havia ali um grande espaço de estímulo. Minha mãe era uma mulher muito corajosa e determinada. Sou de uma família de matriarcas pelos dois lados, e entre nós, as irmãs, isso continua. As mulheres decidem tudo?Não é que decidam tudo, mas se constituem na referência. A minha avô materna era a referência, a minha avó paterna era a referência, quando os meus avós ficaram velhinhos, a minha mãe era a referência. E hoje somos sete irmãs e um irmão, e a minha quinta irmã é a referência. Não é um processo em que alguém diga: vou ser a matriarca. É algo que acontece, muito natural, e não tem como desconstruir isso. Eles estão onde?Lá no Acre. A minha mãe morreu quando eu tinha 14 anos, mas o meu pai, as minhas irmãs, o meu irmão, os meus sobrinhos e sobrinhos-netos, estão lá. Eu é que estou em Brasília com os meus quatro filhos, e o meu marido fica dividido entre o Acre e Brasília, porque trabalha no Acre. Com que idade aprendeu a ler?Aos 16 anos. Fiquei analfabeta para escrever e ler até aos 16 anos, ainda que soubesse as quatro operações de matemática, porque se não, quando ia vender a borracha, acabava sendo enganada pelos patrões que calculavam de forma desonesta o peso da produção de látex que a gente fazia.
REFERÊNCIAS: