Eles não confiam na Net e são os últimos irredutíveis à porta do Colégio Moderno
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-12-31
SUMÁRIO: São cada vez menos os que passam a noite à espera de inscrever os filhos numa escola privada. A maioria já recebe pré-inscrições pela Internet. A selecção vem depois.
TEXTO: São quase nove horas da noite, o casal está sentado dentro do automóvel e espreita pelos vidros embaciados. No banco de trás, os casacos e a manta revelam a intenção de passar a noite. À frente, em cima do porta-luvas está uma lista com dez nomes e uma caneta presa. Noutros anos eram mais, muitos mais. "Duzentos. . . trezentos", conta o porteiro do Colégio Moderno, na manhã seguinte. São os nomes das pessoas que fazem fila para inscrever os filhos naquela escola privada de Lisboa. A bicha à porta do colégio deixou de fazer sentido desde que as pré-inscrições podem ser feitas pela Internet. No entanto, para esta dezena de pais que não arredou pé durante toda a noite, fazer fila é mais seguro do que usar os meios tecnológicos, acreditam. "O computador podia bloquear", justifica a mãe de João, pouco depois das 9h00 de ontem, satisfeita porque o filho foi o terceiro a ser inscrito para a turma dos três anos. "Pré-inscrito", corrige. Apesar de ser filha de uma professora do ensino público e ter feito a sua formação na escola pública, o Colégio Moderno é a primeira opção, "porque as coisas já não são como eram" e o ensino não tem a mesma qualidade, diz. Os pais "querem ter a tranquilidade de ter os filhos numa boa escola", justifica a directora Isabel Soares, por isso é que se organizavam, muitas vezes com uma semana de antecedência, à porta do colégio; faziam uma lista por ordem de chegada e confirmavam as presenças a cada três ou quatro horas. Noutros tempos, a pastelaria, em frente ao colégio, estava aberta durante a noite e até roulottes a servir refeições estacionavam ali, mas há três anos que deixou de ser assim, relata o porteiro. Má publicidade"Nós pelos filhos fazemos tudo, não é?", interpela a mãe de João, de sorriso rasgado. Como não tem ninguém naquela escola, o "sacrifício" pode compensar. Às seis e meia, o porteiro chega e distribui as senhas aos pais, respeitando a lista feita pelos mesmos. O seu horário de trabalho começa às oito, mas neste dia entra mais cedo "por pena", para os pais não estarem tanto tempo à porta, revela. Mas nem com a senha na mão os pais arredam pé. Já no dia anterior, a directora falou com eles, disse-lhes que não valia a pena ficar, que podiam fazer a pré-inscrição pela Internet ou que regressassem no dia seguinte. "Mas há dois ou três que continuam à porta porque querem garantir a vaga", dizia a directora, a meio da tarde de quarta-feira. "É constrangedor vê-los a dormir no carro e, hoje em dia, não faz qualquer sentido", desabafa, acrescentando que aquela "não é boa publicidade" ao colégio. Aqueles pais são os irredutíves, os que não ouvem a directora e que na manhã de ontem se recusam a falar e a ser fotografados pelo PÚBLICO, os que se fecham num círculo de sobretudos e chapéus-de-chuva a falar sobre o crescimento da China, ignorando os jornalistas, os que se refugiam nos carros de alta cilindrada quando a chuva cai com mais força. Na noite anterior, a mãe que estava no carro confessava: "Fazemos cada figurinha triste. . . ". No dia seguinte, o casal já não responde ao "bom dia" do PÚBLICO. "Ó minha senhora, de mim não leva nada", atira incomodado o cabeça do casal. A mulher evita falar convidando outros pais a ir à pastelaria. Até às sete e meia foram distribuídas 19 senhas. A partir das oito começam a chegar outros pais, os que ouviram o apelo de Isabel Soares no dia anterior, os que sabem que não há fila ou os de primeira-água. Vinte minutos antes da secretaria abrir, uma funcionária vem à rua distribuir fichas de pré-inscrição. Os primeiros a saírem, o casal que tinha a lista na noite anterior, fá-lo um pouco antes das nove, o horário definido para as pré-inscrições começarem pela Internet. "Já que fizemos este sacrifício que sejamos recompensados!", exclama a mãe de João, antes de atender o telefone ao pai, para o informar: "Já está! Agora vamos ver. . . "
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filha escola filho mulher bicha