Reportagem: A emoção de Dilma a chegar e de Lula a partir
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-01-02
SUMÁRIO: Expedito Soares é "duro de chorar". Não chorou, a ver Dilma tornar-se presidente do Brasil e o seu velho companheiro Lula a sair. Mas eles choraram.
TEXTO: Luiz Inácio Lula da Silva, ex-operário de São Bernardo do Campo, pega na faixa de seda amarela e verde que hoje usou pela última vez, coloca-a ao pescoço de Dilma Rousseff, e abraça-se a ela. São 16h50 em Brasília. Trinta mil pessoas assistem de pé. O presidente mais popular da história acaba de entregar o país à mulher que escolheu. Toca o hino nacional. Lula canta e chora. Depois, como nas despedidas difíceis, desaparece sem uma palavra, cumprindo o protocolo à risca. A tribuna agora é de Dilma, que pela primeira vez vai falar ao povo como presidente do Brasil. "Pronto, acabou a era Lula", comenta Expedito, sentado como um buda em frente à televisão, nem uma lágrima. "Sou duro de chorar. O Lula não, o Lula é um chorão. " O Brasil tem visto. Mas o que agora vai ver é como Dilma também se emociona a ponto de interromper o discurso, beber água, recomeçar. A mulher que muitos viram na campanha como um robô chorou perante os deputados no congresso e agora vai chorar perante a multidão que se concentrou em frente ao Palácio do Planalto. "Mas ela segura legal", assegura Expedito. "Ela é dura. " Nascido mineiro tal como ela, Expedito Soares, 58 anos, fez-se à vida nesta cintura industrial paulista, São Bernardo do Campo, ao lado de Lula. Jogaram futebol juntos, foram dirigir o Sindicato dos Metalúrgicos juntos, a ditadura prendeu-os 31 dias juntos, e depois fizeram juntos o PT. "Quem desenhou a bandeira do PT fui eu, com a estrela de cinco pontas. "Há oito anos, quando Lula se tornou presidente, Expedito comprou um bilhete do seu bolso e foi a Brasília assistir à posse no meio da multidão. Sabe todos os passos do ritual. E agora, oito anos depois, aqui estamos, frente à televisão, em São Bernardo do Campo. Porque Lula vai voltar a casa ainda esta noite, e a casa dele é aqui. Rolls com chuvaLá em Brasília chovia tanto quando, no começo da cerimónia, Dilma Rousseff entrou no Rolls Royce presidencial, que o tradicional desfile pela Esplanada dos Ministérios não pode ser feito de pé, com a capota aberta. O Rolls - prenda de Isabel II, há anos - deslizou a seis à hora com Dilma e a filha Paula sentadas lá dentro, uma mão de fora a acenar, e uma equipa de seguranças toda formada por mulheres correndo no meio da chuva, de cada lado do carro. Um espectáculo certamente inédito. Expedito Soares está radiante por ver Dilma "enfrentar uma sociedade machista". Fecha o pulso: "Ela é uma mulher assim. Vai ser muito dura, corajosa, destemida. O Lula é diplomata, é mais de ouvir, mais de diálogo. Ela é de comando. O Lula é líder e ela é comando. É de rédea na mão. Tem coisa que ela não vai tolerar, não. "O Rolls deixou Dilma no Congresso, onde a posse vai acontecer perante deputados e senadores. Dilma faz o juramento, assina o livro, é empossada. No longo discurso que se segue compromete-se em todas as áreas: erradicação da pobreza, justiça social, combate à droga e à violência, avanços na educação e na saúde, liberdade de imprensa, investimento na cultura, crescimento "acelerado sem destruir o meio-ambiente", uma política externa "pela paz, pela não intervenção e pela defesa dos direitos humanos". Cada bloco do discurso é pontuado por "Queridas brasileiras e queridos brasileiros". A tónica é de "continuar a mudança". A promessa é de "governar para todos". E é aqui, na recta final, que a voz de Dilma treme pela primeira vez e ela tem de interromper. "A partir desse momento. . . A partir desse momento sou presidente de todos os brasileiros e brasileiras. " Garante que "a corrupção será combatida permanentemente". Diz que entregou "a juventude ao sonho de um país livre e democrático", aludindo à sua militância na guerrilha contra a ditadura e à tortura na prisão. "Não tenho arrependimento e não tenho qualquer ressentimento nem rancor. " Quando homenageia os que morreram na luta contra a ditadura a voz volta a tremer.
REFERÊNCIAS: