Sudão entre o receio da guerra e o momento do nascimento de um país
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-01-09
SUMÁRIO: Os sudaneses do Sul decidem a partir de hoje o seu futuro. Os desafios após a previsível vitória da secessão com Cartum são enormes. A paz é o maior de todos.
TEXTO: Quando chegou a Juba, na terça-feira, o Presidente sudanês, Omar al-Bashir, tinha à espera tapete vermelho, fanfarra e guarda de honra. Tudo como é da praxe. Só que a verdadeira mensagem que os anfitriões pretendiam transmitir-lhe não estava nas palavras de boas-vindas, mas no exterior do aeroporto. “Não à unidade”, gritaram em ambiente de festa meio milhar de manifestantes, bandeiras sulistas nas mãos, impacientes pela chegada do dia de hoje, que pode ser o momento zero do nascimento de um país. Frases escritas em cartazes, e registadas por um repórter da AFP, só reforçavam a ideia de que o referendo que hoje começa e se prolonga até dia 15 deve ditar a divisão do maior país africano: “Estamos orgulhosos por te voltar a receber para celebrar a independência do Sudão-Sul” e “Bemvindo ao 193. º Estado [do mundo]”. Um estudo de opinião feito para um grupo de organizações não-governamentais da região, divulgado no último dia de Dezembro, indica que 97 por cento dos sudaneses do Sul são favoráveis à secessão. Já no ano passado, uma sondagem do National Democratic Institute norte-americano dava conta do apoio de mais de 90 por cento da população a uma independência que poderá chegar em Julho, consagrando a divisão de um Estado onde Arábia e África, raças, culturas e religiões diferentes se encontram. À impaciência pelo referendo juntam- se expectativas. “Estamos confiantes no futuro. A independência permitirá ao nosso país desenvolverse”, disse Betty, 29 anos, ao site francês rue89. Mas será mesmo assim? A independência é muito mais do que secessão e se, como tudo indica, os quase quatro milhões de sudaneses do Sul recenseados escolherem separarse do Norte, à previsível festa seguirse- ão os desafi os – enormes num território onde décadas de guerra que provocaram mais de dois milhões de mortos e subdesenvolvimento deixaram quase tudo por fazer. O entusiasmo “lembra as imensas expectativas que acompanharam a vaga de independências africanas de há 50 anos”, escreveu na revista Politique Africaine Anne Walraet, do Departamento de Estudos do Terceiro Mundo da universidade belga de Ghent. Violência mais longínqua O receio de uma reacção violenta do Norte, muçulmano e em grande medida árabe, a um cenário de separação do Sul, negro e maioritariamente cristão e animista, parece, por estes dias, mais longínquo do que, até há pouco, se temia. “Celebrarei a vossa decisão, mesmo se escolherem a secessão”, disse terça-feira Bashir. Mas, como afirma o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, se é verdade que “os principais actores políticos estão comprometidos com o processo de paz”, a posição do próprio Bashir “não é fácil, porque há gente dentro do partido dele que não concorda” com uma independência do Sul. Riscos de guerra? “Não diria que há uma probabilidade, mas uma possibilidade”, disse ao PÚBLICO o governante, que em Dezembro visitou o Sudão, no quadro da preparação da presença de Portugal no Conselho de Segurança da ONU. Mesmo no cenário de uma separação pacífica, os indicadores mostram a dimensão dos desafios. O Sudão está na posição 154, em 169 países, no Índice de Desenvolvimento Humano. Mas no Sul a situação é ainda pior: mais de 90 por cento dos quase dez milhões de habitantes vivem com menos de um dólar por dia, para cima de quatro milhões necessitam de ajuda alimentar de emergência, há um único hospital razoável num território com área equivalente à da Península Ibérica. Uma em cada sete mulheres que engravidam morre de problemas de gestação ou parto, a mortalidade infantil é de 170 por mil nascimentos e mais de metade d apopulação não tem acesso a água potável. Tudo somado, a esperança de vida fica-se pelos 42 anos. O território quase não tem indústria e as estradas asfaltadas contam-se por algumas dezenas de quilómetros.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU