"O Carlos vivia o amor como um fantasista"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.5
DATA: 2011-01-12
SUMÁRIO: Amigo de Carlos Castro durante 40 anos, o jornalista Guilherme de Melo conta sem rodeios a forma como o cronista social se tornou uma figura pública e criou para si um mito romântico.
TEXTO: Como é que eu conheci o Carlos? Há os irmãos que o sangue nos dá e há os irmãos que a vida nos dá. O Carlos foi o irmão mais novo que a vida me deu. Eu tinha 43 anos, estava a meio da minha carreira de jornalista, o Carlos era um rapaz de vinte e poucos anos. Ele sempre esteve ligado ao mundo do espectáculo. Em Angola, tinha colaborado numa revista, tinha ganho um prémio de poesia, mas não era jornalista. Quando chegou a Lisboa, em 1975, conheceu a Ruth Bryden, um travesti muito famoso, e foi ela que lhe deu a mão. Foi assim que ele começou a ganhar dinheiro e foi quando o conheci, numa noite de espectáculo no cabaré Scarlatti. Foi lá que o Carlos reencontrou a Maria Alzira Bento, que tinha sido jornalista em Angola e era chefe de redacção da Nova Gente. Sabia que o Carlos gostava de escrever e, como estava ligado ao mundo do espectáculo, dos artistas, ela teve a ideia de criar uma página de fofocas - assim nasceu a Daniela. Depois, começou a escrever croniquetas e quando o Correio da Manhã foi fundado convidaram-no a ter uma página sobre o mundo do espectáculo. Como ele não tinha experiência de escrita, pedia muito a minha opinião e do Fernando Dacosta. A carteira profissional ele conseguiu-a com o Cáceres Monteiro. Daí para diante, voou por ali fora, especializou-se naquele tipo de crónica social. Tinha uma forma muito peculiar de escrever. Muita gente nem se apercebeu, mas ele tinha uma sensibilidade requintada, era um apaixonado por pintura. Um sonhadorDepois dos conselhos profissionais, passei a dar-lhe conselhos mais pessoais. A nível sentimental, éramos totalmente opostos. Eu sempre tive os pés bem assentes no chão. O Carlos era um fantasista, um sonhador. As coisas eram como ele queria, não como na realidade eram. Sempre foi um naïf, uma pessoa de uma grande ingenuidade, uma criança grande. E nos amores. . . Quando amava, entregava-se completamente. Estava desfasado do seu tempo, vivia fora do tempo. Na cabeça dele, existia o amor romântico, às vezes sem essa necessidade sexual. Ele só tinha um grande defeito: quando amava, era extremamente absorvente, possessivo e obsessivo. Eu às vezes dizia-lhe: deixa-os respirar. O Carlos só teve uma grande ligação em toda a vida - estava agora a tentar ter outra. . . [Essa grande ligação] foi o grande amor da vida dele. Era uma pessoa ligada ao meio artístico e conheceram-se quando o rapaz saiu da tropa. Tornou-se fotógrafo e procurou o Carlos, que estava no Correio da Manhã, para ver se ele lhe dava uma oportunidade. Nunca se conseguiu ligar sentimentalmente a um homossexual, tinha que haver sempre uma componente de masculinidade. Essa ligação de 15 anos acabou porque o rapaz gostava de mulheres e o Carlos não aceitava isso. Quando uma pessoa entrava na sua vida, era só dele. Ele exigia o que dava. Acredito sinceramente - porque ele me disse - que nunca o traiu. O rapaz casou-se e houve um corte radical. O Carlos não queria aceitar e teve uma depressão terrível. Andou meses deprimidíssimo. O amor mais maduro não resultava para ele. Porquê rapazes tão novos? Porque era ávido por beleza e só se é belo quando se tem 20 ou 30 anos. Eu também fui assim. Vivi 28 anos com o meu companheiro, que morreu em 2004, mas que era um rapaz de 25 quando o conheci. Mas ele foi amadurecendo ao meu lado, foi envelhecendo ao meu lado. Viver um amor com tanta diferença de idade é mais difícil nas relações homossexuais. Os mais novos vivem nesse jogo de entrega e rejeição, entrega e rejeição, e o homossexual mais velho não aceita isso. Porque quando o Carlos tinha as suas paixões e acabavam, ele caía no imobilismo, na depressão. Era um exaltado em termos sentimentais. Um crédulo, e toda a vida, famoso como era, serviu de trampolim para muita gente. Teve muitas desilusões. Entregava-se totalmente e não queria ver que muitas vezes esses rapazes jogavam com o que tinham, a sua beleza, o seu corpo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave social criança sexual mulheres corpo homossexual