Um guia para o star-system português
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-01-23
SUMÁRIO: Dantes, o sonho dos pais era que os filhos fossem doutores. Hoje querem que sejam famosos. É um mundo de ilusões, esse em que Renato Seabra e muitos jovens entram todos os dias.
TEXTO: Mal se entra no Fábulas, um dos cafés da moda no Chiado, é fácil reconhecer Elizaveta, mesmo sem nunca a ter visto antes: ela é modelo. Alta, magra e loira, tem, porém, outra característica que a torna inconfundível: a confiança no olhar. E, no entanto, Elizaveta Egorova, de 22 anos ("estou muito velha", diz ela), suspira de cansaço, porque terminou agora um trabalho de oito horas seguidas - uma sessão fotográfica intensa, extenuante e não-remunerada. A agência de modelos em que se inscreveu, a Just, pediu-lhe em cima da hora para fazer o trabalho. Só depois Elizaveta percebeu que era de graça. Mas acha natural, porque todos ficam a ganhar - a agência fez um favor a um cliente e ela ganhou mais umas fotografias para o seu book. "Se conseguir ter muitas fotografias bonitas, vou facilmente arranjar outros trabalhos. Moda, publicidade, festas. Não me importo de experimentar tudo. Tenho curiosidade, e preciso de ganhar dinheiro. "Elizaveta é russa, mas já aprendeu as regras do estranho star-system português: é preciso trabalhar sem ganhar, para depois se ser pago por actividades que não são trabalho. Por exemplo, as festas. São as chamadas "presenças", em que o modelo recebe um cachet para simplesmente estar lá. Noutra época, dir-se-ia depreciativamente que estava a "fazer ofício de corpo presente", por analogia com o defunto na missa por sua alma. Hoje, esse papel é quase sinónimo de estar vivo. "Não me importaria nada", diz Elizaveta, "de estar três horas por dia numa festa, para ganhar a vida". Há decerto empregos piores. Mas as festas rendem de maneiras diferentes, para os diversos personagens do sistema. Porque é de um sistema que se trata, bem organizado, com regras claras e eficácia comprovada. As festas são uma componente importante, a placa giratória onde tudo se joga. Depois articulam-se com as revistas cor-de-rosa, os programas de televisão, as agências de modelos, a Moda Lisboa e o Portugal Fashion. Há um percurso a trilhar e dificilmente se saltam etapas. É preciso estar numa festa, para se ser fotografado e aparecer numa revista. A seguir é-se contratado por uma agência de modelos e, por fim, chega-se à televisão. O sonho supremo já não é a moda, mas sim a televisão e, nesta, ser actor. Não por amor às artes performativas, mas para estar na televisão, que, por sua vez, não é um objectivo profissional, mas um veículo, um veículo para a fama. Esta é verdadeira ambição: ser famoso. E como se consegue? Eis um guia prático. "Bichos" e "bichas""Há três situações, três maneiras de se chegar à fama", explica Duarte Menezes, que é cabeleireiro e conhece a fundo os meandros do mundo das celebridades em Portugal. "A primeira situação é: uma cara bonita, um bocadinho loura, que apareça numa festa com as mamas à mostra. Durante meses só se fala dela. " Não falha. Mas é difícil. Tem de se saber jogar. É preciso ser-se convidado para as festas. Há duas maneiras: ou se cai nas boas graças de um relações-públicas (RP), ou se é amigo ou amante de alguém que nos leve. Os RP são peças-chave. São eles que organizam as festas e distribuem os convites. Elaboram as guests lists, das quais é fundamental constar. A partir daí, o caminho para a fama está aberto. E quem são esses RP? Poucos. Uma dezena, segundo Duarte Menezes. "Digo-lhe já os nomes deles: é a Maya, a Helga Barroso, a Marta Aragão Pinto, a Marta Wahnon. . . " Eles é que mandam. Decidem quem vai e quem não vai às festas, que podem ser a inauguração de uma loja, o aniversário de uma discoteca, a antestreia de um filme. O motivo pouco importa: é uma festa e é preciso estar lá.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave corpo