Reportagem: As ruas do Cairo estão a viver uma festa e uma tragédia
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-01-31
SUMÁRIO: A polícia desapareceu das ruas e foi substituída pelo Exército. Toda a gente diz tudo perante a apatia dos militares. A liberdade ou a ilusão?
TEXTO: A revolução ganhou? É uma espécie de ilusão, ou um intervalo na guerra, ou uma armadilha, mas o que se vê é a liberdade, a rebelião à solta pelas ruas. Ninguém sabe exactamente o que se passa, nem quer saber. Cheira a fumo e a queimado, ouvem-se gritos, gargalhadas e canções, há grupos sentados no meio da rua, passam manifestações para baixo e para cima, entoando palavras de ordem espontâneas e confusas. Instintivas. As lojas, os bancos e os restaurantes estão fechados mas vendem-se laranjas em carroças no meio da rua. De um lado vem a música do hi-fi de um carro, do outro soa o chamamento do muezin para a oração, as buzinas não param, as chamas irrompem de todo o lado, há apitos, palmas, gargalhadas, e olhares aterrorizados. É a anarquia, ou será o caos? É uma festa e uma tragédia ao mesmo tempo. Um jipe enorme e velho acelera pela avenida Saled Salim com uma bandeira egípcia a sair pela janela. Lá dentro segue um grupo de rapazes, metade deles com barbas de islamista, outra metade com cortes de cabelo hip-hop. Raparigas de jeans rasgados e véu na cabeça correm para assistir ao incêndio do edifício do Partido Nacional Democrata do Presidente. Um grupo de homens grita "Fora Mubarak", e um outro, só de mulheres, traz cartazes pintados à mão e repete em uníssono: "O Egipto não vai morrer. "A cidade ao contrárioMal começa o recolher obrigatório, é hora de sair para as ruas. Tudo funciona ao contrário no Cairo insurrecto. A noite avança e todos recolhem, sim, mas às ruas. Parece que o medo está a desaparecer. Ou então está a aumentar. Há tanques e blindados do Exército nas avenidas, e bloqueando várias ruas. "São as ruas de onde ontem saíam os manifestantes", explica Karim, de 26 anos, licenciado em Informática, desempregado. "As pessoas estavam aqui sem fazer nada, e de repente apareciam daquela ruela uns com paus e pedras. E de um momento para o outro estava tudo a atirar-se à polícia, e começava o tiroteio. "Isso foi ontem, sexta-feira. Hoje, sábado, há tanques nas ruelas traiçoeiras. Ninguém pode passar. Os militares fazem sinais de stop. Mas muitos desobedecem e não acontece nada. Há quem cole nos blindados cartazes a dizer "Mubarak demite-te". Anteontem houve confrontos, ontem não. Os soldados parecem apáticos, sonâmbulos a olhar para os manifestantes, que sobem aos tanques e se fazem fotografar com os "irmãos das forças armadas", como lhes chamam. Onde está a políciaO problema não são eles. O problema é a polícia, explicam. E hoje não há polícia. Depois da repressão que marcou todo o dia e noite de sexta-feira, a polícia desapareceu de repente. Nem um agente em toda a cidade do Cairo. Algumas esquadras estão queimadas, ainda a fumegar, dos ataques da noite passada. Mas agora não há pretexto algum para assaltar uma esquadra de polícia. A repressão acabou. Magotes de gente desfilam empunhando cartazes contra o novo vice-presidente e contra Mubarak. Ninguém os impede. Fala-se livremente. "Ninguém sabe o que está a acontecer", confessa Karim. Um homem aproxima-se. "Estamos a ser ingénuos. Isto vai acabar mal. Ninguém me ouve". O homem já está aos gritos, mas diz que quer manter o anonimato. "Mubarak vai deixar que o povo ganhe confiança, e venha todo para a rua. Depois, quando ninguém estiver à espera, vai haver um massacre. "Karim tem outra teoria. "Mubarak é inteligente", diz. "Ele quer mostrar que o povo não sabe governar sozinho, sem as forças de segurança. Vamos acabar a matar-nos uns aos outros. E a certa altura as pessoas vão implorar que ele volte a impor a ordem. "Os vigilantes
REFERÊNCIAS:
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