Portugueses regressam de Trípoli com histórias de um país mergulhado no caos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-02-23
SUMÁRIO: As viagens foram longas e com adiamentos sucessivos, muitas paragens e trocas de voos, mas já começaram a regressar a território nacional alguns dos 80 portugueses que, a bordo do C-130 da Força Aérea, deixaram a Líbia na noite de segunda-feira.
TEXTO: Iam chegando ao Aeroporto da Portela, Lisboa, aos poucos, em voos comerciais da TAP a partir de Roma – durante a tarde terão chegado apenas cinco, mas num voo que aterrou pouco depois das 21h00 eram mais de 30 – e traziam consigo histórias que pouco condiziam com os relatos de caos e de violência que chegavam pelos órgãos de informação às famílias, em Portugal. Talvez tenham abandonado o país no momento certo. Ana Simões da Silva esperava o pai, junto à saída e confirma-o. “À meia-noite e meia, quando já estavam na Sicília [onde fica a base da NATO para onde foram transportados pela Força Aérea], falei com o meu pai e disse-lhe o que tinha sabido pela CNN: ‘Olhem que estão a ser bombardeados’. Ele repetiu alto o que eu dizia e todos ficaram: O quê?”O pai, Joaquim Simões da Silva, 72 anos, sai acompanhado apenas de uma pequena mala e um saco de portátil no carrinho. “Voltar? Amanhã, se a minha empresa o permitir e se houver condições mínimas de segurança. ” O engenheiro da Consulgal, uma empresa portuguesa de consultoria em engenharia e gestão, diz não ter testemunhado situações de violência, “apenas vestígios” disso e “manifestações como as que há cá nos jogos de futebol”. “A gente ainda não morreu, pá. ” O grito, numa gargalhada, era de um homem com ar de marinheiro, que descia a rampa à saída da porta das chegadas, e anunciava o grupo de mais de 30 portugueses que vinham também de Roma, trabalhadores, acompanhados de familiares, da Zagope, uma empresa de construção especializada em obras públicas a operar na Líbia. Vários casais saíam acompanhados de crianças ao colo, de mão dada. Manuel Morais, 56 anos, conta que estava em casa, no domingo à noite, e “via as balas”, “ouvia os gritos de pessoas, ao longe”. Mas voltava? “Se me permitirem. ”Manuel, responsável de obra, partilha das poupadas críticas ao regime de Muammar Khadafi, gerais entre os portugueses que ontem chegavam a Lisboa. “É um líder africano, como há outros em África, com a sua política, que nós temos de respeitar”, considera José Casaleiro, 42 anos, arquitecto da Consulgal. Em Trípoli, onde estava sedeado, “vive-se bem, embora com todas as condicionantes que tem um país daqueles para nós, que gostamos de álcool e de vinho, que não há lá, não existe”, observava Joaquim Simões da Silva. “De resto há tudo e as pessoas viviam em tranquilidade até agora. ”Os que chegaram no voo da noite estavam visivelmente mais abalados – se uns chegavam orgulhosos das memórias que traziam, outros vinham banhados em lágrimas. José Eduardo, 41 anos, medidor contabilístico da mesma empresa, vivia perto de um aeroporto militar. “Tínhamos receio que houvesse bombardeamentos. Nós viemos embora mesmo na linha amarela”. Ele a mulher que o acompanha tinham apenas duas pequenas malas, muita coisa ficara em Trípoli. “Ontem ainda tentei ir ao escritório, ir comprar pão, mas vi que não dava. Às 15h00 soubemos que podíamos vir no voo humanitário. ”O misterioso voo BUR301Depois de ontem ter regressado a Trípoli para outro voo de repatriamento, que permitiu a 42 portugueses e 42 cidadãos de outras nacionalidades saírem da capital líbia, o C-130 deverá chegar ao Aeroporto Militar do Figo Maduro, Lisboa, de madrugada, por volta das 3h. Já para os 26 portugueses que estão em Bengasi continua “tudo na mesma” e, adiantou ao PÚBLICO uma fonte do gabinete do secretário de Estado das Comunidades, António Braga, só amanhã seriam retomadas as tentativas para os retirar do país, sendo que a via aérea permanece uma hipótese remota.
REFERÊNCIAS:
Entidades NATO