O drama das crianças roubadas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-02-23
SUMÁRIO: Os relatos são tantos e tão espantosos que toda a dúvida parece legítima. E quando se trata de saber quem efectivamente somos e de onde vimos, o caso torna-se explosivo. Práticas falsamente legitimadas pela vitória dos vencedores da Guerra Civil continuaram. Sob o manto do paternalismo para com as mulheres mais débeis. E numa actividade mercantil de compra e venda de recém-nascidos.
TEXTO: Tudo começou nos anos imediatos à vitória de Franco na Guerra Civil, quando às presas republicanas eram retirados os seus recém-nascidos. Ultrapassada a fase mais dura da repressão franquista, a partir dos anos 60 do século passado, esta prática continuou com mulheres em situação mais débil ou mães solteiras. Com a instauração da democracia prosseguiram as adopções ilegais. Iniciativas recentes para favorecer o reencontro entre pais e filhos provocam comoção. Avivam o passado. Despertam suspeitas adormecidas. Suscitam revolta. Geram ansiedades. O drama das crianças roubadas agita a Espanha. "Quando tinha 18 anos, a minha mãe disse-me que tinha uma coisa muito importante para me dizer", recorda ao P2 Inês Madrigal, ferroviária de 41 anos. "Foi então que me disse que era adoptada e eu perguntei-lhe como foi", prossegue. O processo de adopção foi irregular. A própria mãe de Inês o reconhece. Queria um filho e recebeu a recém-nascida Inês das mãos do director da Clínica San Román, de Madrid, como "um presente". Uma bebé fruto de uma aventura extraconjugal de uma mulher casada, segundo a versão do médico: "Nasci, supostamente, em 4 de Junho de 1979. " Franco morrera há mais de quatro anos, a Espanha era governada por Adolfo Suaréz e os espanhóis já tinham referendado a Constituição democrática. "Descobri que o padre jesuíta que me baptizou e me casou, um homem preparado, catedrático de Ciências Exactas, tinha sido o mediador", relata Inês Madrigal. "Fui falar com ele pouco antes de morrer, ao retiro de Múrcia onde residia, disse-me que não sabia nada, mas deu-me o telefone de Eduardo Vela, o director da clínica", recorda. A investigação de Inês ficou, propositadamente, em aberto: "Durante uns anos, por respeito aos meus pais, com os quais tenho uma relação maravilhosa, não fiz mais nada. " Um dia, de visita a Madrid, passou pela clínica. Já não era uma maternidade, mas um hospital geriátrico: "Disseram-me que o médico tinha falecido. " E assim terminaram as suas indagações. Contudo, Eduardo Vela está vivo e mantém um consultório em Madrid. Em declarações ao diário El Mundo de 18 de Julho de 2010, o médico defendeu-se das acusações: "Estou de consciência tranquila. O que eu dizia às mães é que continuassem com a sua gravidez, que podiam dar os filhos para adopção, salvá-los, que as ajudaria, mas nunca por dinheiro. " Ao jornalista, Vela assegura estar "em paz" com o seu "Deus", e é peremptório: "Não sei, como alguns dizem, se havia comércio com as crianças. "Para Inês Madrigal, com a maioridade terminou uma juventude de dúvidas e perguntas. "Tinha sete ou oito anos, então vivíamos em Zafra, na Estremadura, e o filho de um colega do meu pai chamava-me sempre "adoptada"", recorda, referindo-se ao primeiro sobressalto sobre a sua identidade. Mais tarde, procurou o reconhecimento da sua fisionomia na família: "Sempre perguntei com quem me parecia, via as fotos dos familiares e nunca encontrava uma parecença, nada. "Aos 18 anos, acabaram as suspeitas. Apesar de outros relatos se referirem a um negócio, a venda de recém-nascidos, Inês relativiza: "Não quero pensar que o sacerdote jesuíta conhecia a história da venda de crianças", afirma. "Não tenho nenhum rancor", garante. Mesmo "a quem me deixou", à sua mãe desconhecida: "Não posso admitir, para defesa da minha saúde mental, que fui roubada. " Vive sem mágoa. Mas com um desejo: "Agora que sei que o meu caso não foi isolado, farei o possível para encontrar os meus pais biológicos. ""Não sei quem sou"
REFERÊNCIAS:
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