Pescadores são ameaçados pelo mar, mas resistem a perdê-lo de vista
MINORIA(S): Animais Pontuação: 12 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-02-28
SUMÁRIO: Os olhos confirmam o cansaço de noites acordadas ou mal dormidas. O mar voltou a entrar nas casas dos pescadores de Esmoriz, em Ovar. Apesar de nunca terem visto o Atlântico tão furioso, muitos recusam sair do bairro.
TEXTO: A história repetiu-se, só que desta vez os personagens garantem que houve mais violência, mais água a circular pelas ruas, mais pedras caídas nas estradas, mais areia acumulada nos passeios, mais noites mal dormidas, mais chamadas para os bombeiros. Os Invernos são vividos em constante sobressalto no bairro piscatório de Esmoriz, que, se nada for feito, pode vir a desaparecer do mapa. Mas, entre os moradores, há muitos que recusam sair deste lugar onde, ano após ano, o mar lhes bate à porta sem pedir licença. Os moradores estão habituados à intempestividade do mar: têm sacos resistentes preparados para encher de areia e tampos de madeira ou metal para evitar que a água cause estragos. Nas últimas semanas, voltou a acontecer. Com mais força. Casas e estradas não foram poupadas e os habitantes não descansaram. A água inundou habitações e lojas, andou pela avenida principal, chegou a atingir 20 centímetros de altura. A humidade entranhou-se nos ossos, a névoa não ia embora e as ondas aumentavam de tamanho. Nos dias seguintes, o bairro recebeu alguns curiosos com máquinas fotográficas e perguntas como "foi você que apareceu na televisão?". Há anos que vivem ao pé do mar que foi comendo areia e agora bate nas rochas que protegem as habitações. Conhecem as marés, mas este Fevereiro está a ser mais doloroso. Luzia Silva e José Rocha moram encostados ao mar numa casa verde baptizada de "casa do Portugal dos pequeninos". Andorinhas e santos na fachada, patos e ovelhas de barro no pátio. A habitação diminuiu de tamanho quando o passeio cresceu ao nível do meio da porta que quase foi "engolida". O casal deu o jeito, ficou com uma fachada pela metade e uma porta que quase não abre e foi-se habituando a que a habitação sirva de modelo às fotografias de turistas e inquilinos do parque de campismo de Esmoriz. José não quer sair dali, mesmo com as desavenças com o mar, não quer partir. "Aqui podemos ter tudo e mais alguma coisa, num apartamento é tudo à niquinha". Ali cabe mesmo tudo: dezenas de pássaros, as canas de pescas e as armas da caça. "Temos de saber tirar partido do mar que nos dá o bem e o mal". Luzia não está muito convencida. Há 22 anos com o mar à porta, sente que perdeu saúde e está cansada de noites mal dormidas. Fazer as malas é sempre uma hipótese em aberto, mas neste momento o seu corpo pede uma cama longe de um mar violento. "O mar embirrou com a nossa casinha do Portugal dos pequeninos", diz. O casal e o filho de 17 anos foram obrigados a sair de casa porque a segurança estava em risco. Eram 2h00 e os estragos eram visíveis: casa inundada, telhas partidas. Ainda resistiram a abandonar o lar e não quiseram ser realojados num hotel. Abrigaram-se na carrinha vermelha e acompanharam as movimentações dos bombeiros até às 5h30, quando puderam regressar. Cinco dias depois, os olhos acusam o cansaço e o mar sobe mais uma vez, a meia da tarde, e passeia pela rua colada à casa. Os sacos de areia já estão preparados, a cozinha tem um barrote a meio para que as telhas não cedam. O filho decidiu dormir na casa da irmã, para não estar de olhos fechados nas aulas. "Não dá para descansar, estamos sempre preocupados", desabafa Luzia. Rosa Santos é a vizinha do lado. O mar também lhe causou estragos, mas a vontade é permanecer ali, mesmo a conviver com Invernos complicados. "Gosto muito de estar aqui. Tenho medo, mas já estamos habituados". Sente-se aconchegada na vizinhança. Rosa Santos cresceu com o mar. "Lembro-me da barraquinha de gelados na praia, de uma bomba para tirar água que havia ali e do posto marítimo mais adiante". Hoje já nada disso existe e a pouca praia que conseguiu sobreviver desaparece no Inverno.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência filho medo corpo