Com o Império no Sambódromo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-03-08
SUMÁRIO: O Sambódromo é um milagre em movimento. Estaremos vivos ou teremos passado para o Outro Lado, seja lá o que isso for? O P2 desfilou sábado à noite na Ala dos Devotos, integrado na escola Império Serrano.
TEXTO: 1. Chove sem parar sobre o Rio de Janeiro. Faltam umas 12 horas para o Império pisar o Sambódromo. A nossa entrada deverá acontecer entre as 3h20 e as 3h45 da manhã. É portanto sábado à tarde e eu estou a decorar os 29 versos do samba-enredo ("Cantar! É preciso cantar!/ Aplausos no seu despertar! / Com a bênção de pai. Oxalá! / Vininha, velho, saravá!. . . ") mas no intervalo de cada repetição ouço o Verdes Anos do Carlos Paredes. Ser português tem muitas entradas e não tem saída. Ou será ao contrário? Ou será da chuva? Já os brasileiros fazem samba-enredo com a saudade ("E por falar em saudade / Onde anda você, poeta? / Hoje o Império é seu! Desperta!"). O Império, ou seja, a escola de samba Império Serrano, é das mais amadas do Rio. Tem tradição de vitórias, logo a seguir à Portela e à Mangueira, mas em 2009 caiu do Grupo Especial, primeira divisão, para o Grupo de Acesso, segunda divisão. Para voltar a subir, tem de ser campeã esta noite, com o seu samba-enredo 2011 dedicado a Vininha, ou seja, Vinicius de Moraes. Todos os carros alegóricos e todas as três mil fantasias, divididas em várias alas, são inspiradas nas canções do poeta. Os paramentos da Ala dos Devotos brilham no meu sofá, verde-alface, vermelho-rubi, cor de ouro e branco. Não pensem em roupa, pensem num monumento. Só a minha gola vai quase de parede a parede, e depois de a pôr fico de braços abertos como num andor. Tem uma cauda com rosas que batem no calcanhar. E ainda há o chapéu, com rosas, claves de sol e plumas verdes, que acaba um metro acima da minha cabeça. E cintos, punhos, caneleiras: "Templários, prisioneiros da lua! / Cavaleiros que servem à grande princesa! / Poema que é ponto de partida / Pra serrinha entrar em cena / Com Vinicius nessa avenida. . . "Chamem-lhe Serrinha ou Império, o culto é o mesmo, Império Serrano, lá da favela em Madureira, subúrbio de dureza, mesmo. Às sete da tarde ainda troco os versos, já não falando dos passos. E Carlos Paredes continua a tocar na minha cabeça, fundido com as rosas do samba e do mar, que na verdade são cravos vermelhos. Será da chuva, ou da revolução. 2. Felizmente chegam os meus amigos de Minas que adoram o Carnaval do Rio, trazem o que beber, e têm carro. É que o monumento da fantasia tem regras. Não dá para ir de malinha ao ombro. Não dá para fazer batota no sapato, mesmo com chuva. Terei de ir com a chave de casa e o dinheiro numa bolsinha escondida na anca, debaixo do meu cinto de rosas. E levar o sapato de tecido na mão, se abandonar as havaianas lá pelo Sambódromo na hora de entrar. Desfile é de coração aberto e sem nada na manga. Mas os meus amigos põem gola, chapéu e sapatos no porta-bagagens, eu ponho um vestido por cima das transparências da fantasia e vamos comer, mas sobretudo beber para a Adega Portugália, no Largo do Machado, porque a concentração de dez dos 100 da minha ala é num bar do Largo do Machado. Então pela uma da manhã, abrimos o porta-bagagens e concluímos o monumento ali mesmo, deixando o vestido no carro. Rua fora até ao bar, sinto-me do tamanho de todo um carro alegórico, mas a estranheza é só minha. As pessoas acenam, perguntando: "Qual é a escola???" Eu grito: "Império!!!" E polegares ao alto. Não há como errar o bar. Na montra, em vez de pernis ou pastéis, amontam-se golas e plumas. São os meus irmãos Devotos, cheguei a casa. E assim sou recebida entre aplausos, ainda que 99 por cento da mesa não saiba quem sou. Sou uma Devota, e basta, só falta a maquilhagem, diz uma gentil Bia, talvez Beatriz, que logo me leva para a casa de banho, no momento em que me lembro que não tenho sequer uma folha de papel onde tomar notas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola concentração princesa