Não abandono o Japão
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-03-20
URL: https://arquivo.pt/wayback/20110320160553/http://www.publico.pt/Mundo/nao-abandono-o-japao_1485776
SUMÁRIO: Para ter uma perspectiva do sismo que atingiu o país para onde me mudei no ano passado, caminhei até ao Grande Buda de Kamakura, a mais famosa atracção desta cidade nos arredores a sudoeste de Tóquio.
TEXTO: Sinto sempre uma grande serenidade quando olho para esta estátua de bronze de 13, 4 metros de altura. Não sou espiritual, muito menos budista. Mas fui confirmar, com os meus próprios olhos, que o Buda não mudou de aspecto - que não parecia, digamos, radioso com os raios mortais emitidos pelas centrais 320 quilómetros a norte. Disparate? Claro. Mas não muito mais do que as muitas reacções que vi ou li nos últimos dois dias: as multidões de expatriados que tentam sair do país, as autoridades na China, na Coreia do Sul, em Singapura e outras que estão a testar os produtos japoneses por causa da radioactividade, as pessoas nos EUA que estão a comprar comprimidos de iodeto de potássio para se protegerem das partículas atómicas que atravessam o Pacífico. Estou a ser inundado com perguntas se tenciono sair do país. Apesar de as preocupações serem tocantes, estamos para ficar. Em parte porque não vivemos nas imediações das centrais nucleares, achamos que estamos tão seguros aqui como sempre estivemos - ou seja, extremamente seguros, o tipo de segurança que nos deixa confortáveis em mandar o nosso filho que frequenta o quarto ano apanhar um comboio de longa distância e depois um autocarro para chegar à escola, uma rotina bastante comum aqui até para crianças tão pequenas. Réplicas, cortes de energia, pânico para comprar comida, longas filas para a gasolina - também isto passará e é difícil termos pena de nós próprios dada a miséria que as pessoas da costa Nordeste do Japão estão a atravessar desde o dia 11. Se há alguma coisa com que nos preocuparmos é com os danos económicos e psicológicos que serão provocados pela percepção do Japão como um país que não é seguro. Isso irá agravar a tragédia que está a atravessar, prejudicar a sua capacidade de recuperação e aumentar os desafios que enfrenta quando mais precisa de apoio. Os japoneses despertaram nos últimos anos para a necessidade de promover o seu país como um destino turístico - mas quantos irão visitar os deslumbrantes templos de Quioto com medo da exposição radioactiva? O Japão começou a vender arroz, fruta e outros produtos de alta qualidade para os mercados novos-ricos da Ásia, dando esperança de que o sector agrícola do país se pudesse tornar mais aberto e moderno. Irão esses mercados importadores acabar se os produtos alimentares japoneses forem contaminados?O número de japoneses que estudam e trabalham fora deve aumentar para que o país responda mais eficazmente à globalização - mas irá isso acontecer se sentirem que vão ser tratados como assustadores emissores de raios gama? Como noticiou o meu ex-colega Rob Stein esta semana, pessoas das áreas onde se deram os anteriores acidentes nucleares foram estigmatizadas e rejeitadas, deixando-as ainda mais vulneráveis a doenças ligadas ao stress. Admito que quando surgiu a notícia sobre as centrais nucleares questionei se as partículas perigosas poderiam chegar a nossa casa. Mas ao ler as notícias percebi que os riscos eram mínimos para praticamente todos os 125 milhões de habitantes do arquipélago do Japão (excepto, claro, para os heróicos trabalhadores da central). Li, por exemplo, que depois do desastre de Tchernobil, a maior parte da morte das crianças na zona circundante deveu-se ao leite de vacas que tinham pastado em erva contaminada. Um erro que os japoneses não vão repetir. Apercebi-me que até o "derretimento do núcleo" - algo que sempre achei que era fatal para milhões - não traria necessariamente efeitos adversos para a saúde humana, certamente não para pessoas que vivem a uma distância suficientemente longa para as partículas dispersarem. A radiação, aprendi, é fracamente cancerígena. Mesmo entre os hibakusha, como são conhecidos os sobreviventes dos bombardeamentos de Hiroxima e Nagasáqui, os níveis de cancro não são muito mais elevados do que entre a generalidade da população.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA