Dominique Strauss-Kahn: o francês que usou a crise para salvar o FMI
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DATA: 2011-05-15
SUMÁRIO: Em Paris, Dominique Strauss-Kahn foi um dos ministros mais brilhantes. Entrou para o Fundo Monetário Internacional quando este começava a definhar e aproveitou a crise para dar à instituição novo discurso e novo papel no cenário económico mundial. Em 2012, D.S.K. poderá ter outro desafio: tentar novamente ser Presidente da França.
TEXTO: Em Novembro de 2007, quando Dominique Strauss-Kahn assumiu a liderança do Fundo Monetário Internacional (FMI), a instituição sexagenária estava, como ele próprio disse, "numa encruzilhada". As intervenções de ajuda a países do Sudeste Asiático ou à Argentina foram criticadas como desastrosas, contribuindo para agravar a recessão nessas economias. Além de uma crise de legitimidade, que lhe roubou novos "clientes", o FMI abeirava-se de uma crise de financiamento, à medida que países como o Brasil e a Indonésia resolveram pagar antecipadamente todos os empréstimos à instituição. Cinco anos depois, o cenário é outro. Dominique Strauss-Kahn (conhecido em França pelo petit nom de D. S. K. ) mudou as regras do jogo, alterou o discurso rígido da instituição e abriu-a a uma realidade que, para muitos, parecia impensável: ajudar países da própria União Europeia (UE). A sua bagagem política, que o levou a fazer rupturas signifi cativas quando foi ministro da Economia e Finanças em França, deu-lhe o ímpeto para tirar o FMI do esquecimento e projectá-lo de novo na cena económica mundial. Com um empurrão, claro está, da própria crise. Nascido a 25 de Abril de 1949 na cidade francesa de Neuilly-sur-Seine, Dominique Strauss-Kahn tem raízes judaicas. O seu pai, conselheiro jurídico, e a mãe, de origem tunisina, levaramno para Marrocos com apenas seis anos e foi em Agadir que Strauss-Kahn viveu os primeiros anos da sua vida, até ao terramoto de 1960, que destruiu a cidade. A família decidiu então ir para o Mónaco e depois para Paris, onde Strauss-Kahn fez estudos em Economia, Direito, Administração de Empresas, Política e até Estatística. Pai de quatro crianças, Strauss-Kahn soma já dois divórcios e é actualmente casado com a jornalista de televisão Anne Sinclair. Eterno apaixonado pela música clássica e pela arte, o director-geral do FMI aproveita o pouco tempo livre que tem para jogar xadrez ou partir para uma montanha e fazer esqui. Além de advogado e professor de Economia, Strauss-Kahn enveredou desde cedo pela política, alinhando com o Partido Socialista Francês, onde ganhou nome e estatuto. Aos 61 anos, conta no currículo com cargos como o de ministro da Indústria e Comércio (entre 1991 e 1993) e ministro da Economia e Finanças (entre 1997 e 1999). Nestes últimos anos, em que os destinos da França eram presididos por Lionel Jospin, Strauss-Kahn ganhou o rótulo de liberal ao empreender a privatização de grandes empresas como a France Telecom, a Air France e o Credit Lyonnais. Paralelamente, pôs em ordem as finanças públicas, permitindo à França aderir ao euro. A fama de ser um dos grandes peritos económicos do PS francês deu-lhe fôlego para concorrer às primárias do partido como candidato às presidenciais em 2007, disputando a corrida com Ségolène Royale e Laurent Fabius. Acabou por ficar em segundo lugar, atrás de Ségolène, não chegando assim a disputar a vitória nas presidenciais com Nicolas Sarkozy. Agora, com o crescente protagonismo na crise internacional, Strauss-Kahn é apontado como o favorito para liderar a candidatura do Partido Socialista nas eleições presidenciais francesas de 2012. Contudo, o seu mandato no FMI só termina em Outubro desse ano, seis meses depois da eleição, pelo que teria de renunciar ao organismo internacional para concorrer ao lugar de Sarkozy. Perda de influência Apesar dos dois escândalos em que já se viu envolvido, Dominique Strauss-Kahn tem sabido gerar consenso em torno da sua figura. A primeira polémica, em que foi acusado de corrupção enquanto exercia advocacia, levouo a demitir-se, voluntariamente, do cargo de ministro das Finanças. Seria depois ilibado pelo tribunal. Mais recentemente, foi o próprio FMI que o considerou inocente do crime de abuso de poder no final de 2008, depois de ter sido acusado de dar tratamento preferencial a uma ex-funcionária do FMI, a húngara Piroska Nagy, com quem manteve uma relação extraconjugal. Aquando da sua eleição para o FMI, Strauss-Kahn conseguiu reunir o apoio dos países europeus e da Comissão, que valorizou a forma como o socialista francês se empenhou pelo "sim" à Constituição Europeia (chegou mesmo a lançar um DVD para defender a sua posição), na campanha que dividiu a Europa em 2005 e acabaria por conduzir ao Tratado de Lisboa, que substituiu a falhada constituição. A sua escolha para assumir a liderança do FMI acabou por se tornar óbvia, apesar da declarada oposição da Rússia (que defendia o candidato Josef Tosovski, antigo primeiro-ministro checo) e das reticências dos países emergentes, que protestavam contra o facto de a instituição nunca ter tido um director que não fosse de um país membro da UE. O seu perfil - homem, nacionalidade francesa, na casa dos 60 anos - encaixava-se no modelo de que pareciam saídos a maioria dos antigos directores do FMI. Mas, logo depois de ser eleito, tratou de quebrar com a tradição. Dando resposta ao desejo de maior protagonismo dos países emergentes, Strauss-Kahn mudou as regras e reforçou as quotas deste grupo de nações, dando seguimento ao trabalho já iniciado pelo seu antecessor, o espanhol Rodrigo Rato. Contudo, ainda antes de assumir funções, o discurso do director executivo já marcava pela diferença. "O FMI, actualmente, parece-se muito com os médicos do século XVII. Em caso de doença, aplicam sempre as mesmas duas receitas: isolamento e dieta", dizia Strauss-Kahn no final de 2007, dando eco às fortes críticas sobre as intervenções do FMI nas crises financeiras do Sudeste Asiático (1997-1998) e da Argentina (2001-2002), onde as apertadas políticas de contenção orçamental da instituição foram acusadas de agravar a crise das economias. Estas intervenções desastrosas, aliadas à perda de clientes, ditaram a perda de influência do FMI. Países como o Brasil, Argentina, Indonésia e Uruguai anunciaram o pagamento antecipado dos seus empréstimos, enquanto vários países asiáticos arranjaram mecanismos próprios para evitar recorrer aos empréstimos da instituição e estarem sujeitos às suas condições sufocantes. Num artigo de 2007, Soren Ambrose, do Institute for Policy Studies (Instituto de Estudos Políticos), em Washington, escrevia que, "com todos estes pagamentos antecipados, e quase a certeza de que nenhum país em desenvolvimento iria recorrer à instituição, parece certo que o FMI vai enfrentar em breve uma crise de solvência". O analista político considerava mesmo que estava em risco a sobrevivência desta instituição, criada na fase final da II Guerra Mundial para assegurar a estabilidade do sistema financeiro e ajudar os países com crises de pagamento internacionais. "A menos que alguém arranje um papel para o FMI, um grupo de economistas irá inundar os mercados", brincava Soren Ambrose. A crise internacional abriu uma janela de oportunidades. Um novo discurso À medida que países como a Islândia, a Letónia e a Hungria se viram obrigados a recorrer à ajuda internacional, o FMI renasceu. "Com a crise, o FMI foi repescado para a ribalta e está a ser reavivado em termos de interesse e necessidade de actuação", considera o economista português João Duque, que é presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão. Também Miguel Beleza, que foi economista do FMI entre 1984 e 1987, considera que a organização irá ganhar um papel maior nos próximos tempos, como o comprova a ajuda à Grécia, que surpreendeu o antigo ministro das Finanças. "Pensei que o problema grego ficasse apenas no âmbito da União Europeia", realça. Do mesmo modo, José Castro Caldas, economista do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, diz que o FMI está a assumir "um papel completamente novo, que é, simultaneamente, formador de consensos à escala global e emprestador de último recurso da UE, que é algo absolutamente insólito". O docente considera que esta mudança de papel tem a ver com o perfil de Strauss-Kahn, que tem uma "atitude mental flexível" e "abertura para aprender com a experiência". A isso soma-se a escala da crise e o facto de se ter dado nos países desenvolvidos. "É mais fácil aprender quando nos dói a nós do que aos outros", conclui. Depois de ter conseguido aumentar substancialmente os recursos do FMI para os 750 mil milhões de dólares (cerca de 608 mil milhões de euros), Strauss-Kahn tem marcado presença nos palcos de discussão da crise e com um discurso que, por várias vezes, tem surpreendido ao afastar-se da doutrina rígida típica da instituição em matéria orçamental. Há uma década ou até há menos tempo, seria impensável ouvir o líder do FMI defender, por exemplo, que os políticos correm o risco de "dar um tiro no pé" se retirarem demasiado depressa as medidas de relançamento da economia. Ou ainda que os défices públicos podem ser um pouco mais sacrificados, um apelo feito por Strauss-Kahn no início de 2008, no Fórum Económico Mundial, em Davos, e que foi assinalado pelo ex-secretário do Tesouro norte-americano, Lawrence Summers, como "um momento histórico". "É a primeira vez num quarto de século que o director executivo do FMI apela a uma subida dos défices. Tradicionalmente é sempre consolidação orçamental", afirmou Summers na altura. Mais recentemente, um trabalho de três economistas do FMI veio deitar mais achas na fogueira e até motivar reacções do Banco Central Europeu (BCE), que falou de "irresponsabilidade". Nesse documento, Olivier Blanchard e dois outros economistas defendiam que os bancos centrais deviam ter como objectivo uma inflação de 4 por cento em vez dos actuais 2 por cento que são usados pelo BCE. Isso traria não só mais agilidade à política monetária como permitiria, por exemplo, reduzir os acentuados níveis de endividamento de alguns países. Austeridade mantém-se Mas, quando se passa do discurso à prática, será que a forma de actuação do FMI está também diferente? As exigências que acompanharam os pacotes de ajuda à Islândia, à Letónia e à Hungria não se diferenciam muito das que, no século passado, a instituição fez aos países do Sudeste Asiático e à Argentina: corte abrupto na despesa pública, reduções salariais e descida de preços (através da desvalorização da moeda ou da deflação). O mesmo parece acontecer agora com a Grécia. Para conseguir a ajuda da União Europeia e do FMI, o Estado grego teve de delinear um plano de austeridade intenso a três anos, que permitirá poupar aos cofres estatais cerca de 24 mil milhões de euros. Além de um novo aumento do IVA, os gregos vão perder os subsídios de Páscoa, Natal e férias e só poderão reformar-se a partir dos 67 anos. Os salários públicos serão congelados e haverá um forte emagrecimento das entidades e serviços do Estado, que, por si só, emprega 13 por cento da população activa do país. O próprio Strauss-Kahn admitiu já que esta estratégia será "dolorosa" e as vozes críticas não se fizeram esperar, dizendo que estas medidas irão penalizar o consumo interno, abrandar o crescimento económico e, portanto, aprofundar a recessão. "É claro que o FMI traz sempre uma receita e isso obriga sempre a contenção, mas a alternativa é continuar a dar droga a um doente e, portanto, gerar uma recessão ainda maior", defende João Duque. Já Eduardo Catroga, antigo ministro das Finanças, considera que este "tratamento de choque" do tipo FMI só vale a pena se, ao mesmo tempo, se criarem condições para o crescimento económico. "Caso contrário, o doente morre da cura", sustenta. Nesse sentido, Eduardo Catroga defende que o FMI deveria estar mais articulado com o Banco Mundial e outros bancos regionais, de modo a introduzirem políticas não só de estabilização financeira, mas também de crescimento económico, competitividade e emprego. "Os problemas financeiros estão sempre ligados a problemas económicos e não há estabilização financeira sustentada sem crescimento económico sustentado", conclui. O FMI já mudou o discurso. Falta agora saber se, no seu novo papel na cena económica mundial, há lugar ou não para uma mudança de receita. Texto publicado originalmente na PÚBLICA de 23 de Maio de 2010
REFERÊNCIAS: