Cinco mil presos em casa desafogaram cadeias nos últimos nove anos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.25
DATA: 2011-05-29
SUMÁRIO: Em vez de irem para a cadeia, aguardam decisão judicial ou cumprem pena em casa e junto das suas famílias. A vigiá-los, uma pulseira electrónica presa ao tornozelo.
TEXTO: Enquanto fala, Rui balança a perna e desvia o olhar num sorriso nervoso. Está sentado no sofá da casa onde vive num bairro de má fama, em Lisboa, onde está detido há 15 meses. Balança a perna, inquieto ao contar a sua história. Os jeans escondem a pulseira electrónica colocada à volta do tornozelo, mesmo acima dos sapatos de ténis. É o seu "bilhete de identidade electrónico" que permite que seja vigiado durante 24 horas por dia. Tem 29 anos, a antiga quarta classe e trabalhava na construção civil quando a polícia o foi buscar por suspeita de traficar droga (cocaína). "Quando somos novos temos o nosso orgulho, está a ver? O patrão gritou comigo, eu disse-lhe "não grita comigo", ele não gostou e despediu-me. " Ficou com a renda de casa para pagar, as prestações do carro, os filhos. . . "Meti-me aí com um amigo meu. Vender, nunca vendi, mas guardava. Encontraram mais ou menos 30 gramas, não foi mais. " Evita mencionar a palavra droga, sorriso nervoso, olhar inquieto. Foi preso, julgado e condenado a quatro anos e meio de prisão efectiva. Recorreu e, enquanto aguarda o resultado do recurso, o juiz aplicou-lhe a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação (abreviada por OPH) com vigilância electrónica, uma medida alternativa à prisão preventiva, cuja aplicação tem em vista combater a sobrelotação prisional e poupar dinheiro ao Estado. A pulseira, uma espécie de "guarda electrónico privativo" de cada arguido ou condenado, transmite sinais em rádio frequência, a curtos intervalos. Esses sinais são captados por um equipamento semelhante a um telefone instalado na habitação, no qual é descarregado um ficheiro informático com os dados eferentes aos horários a que tem de obedecer. Rui é uma das 542 pessoas (segundo dados de ontem) sujeitas a vigilância electrónica, das quais cerca de 400 nesta medida de coacção, em todo o país. E é um dos quase cinco mil que já estiveram submetidos a este regime desde que foi introduzido em Portugal. A grande maioria (90 por cento) é homem entre os 21 e os 30 anos. Os crimes contra o património predominam seguidos do de tráfico de estupefacientes. Nos dois últimos anos, os casos de arguidos acusados de violência doméstica a quem foi aplicada a vigilância electrónica têm vindo a aumentar, totalizando os 50 no passado dia 30 de Abril. "No que respeita à violência doméstica, está a ser analisada a possibilidade de maior rigor na fiscalização da proibição de contactos entre agressor e vítima", segundo Nuno Caiado, responsável dos Serviços de Vigilância Electrónica. Há oito meses que Rui está impedido de sair de casa a não ser para ir levar e buscar dois dos seus três filhos à escola. Das 8h50 às 9h10 e das 15h20 às 15h40. O mais novo, com dois anos, não está na creche e passa o dia com o pai enquanto a mãe trabalha nas limpezas. "Às vezes pede-me: "anda passear", mas eu digo "o pai não pode, tem pulseira", conta Rui. Agora mostra um sorriso largo. "são a minha alegria, os meus filhos". Para aproveitar o tempo entretém-se com a Internet, a televisão e com as visitas que vai recebendo. E tem medo do resultado do recurso, da possibilidade de cumprir a pena na cadeia. "Se isso acontecer vai ser muito complicado". Diz que está "bastante" arrependido. E que "se soubesse" o que sabe hoje, não se tinha "metido nisto".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola violência prisão homem medo espécie doméstica agressor