Culatra tem um médico da "velha guarda" que não quer computador nem telemóvel
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.1
DATA: 2011-08-01
SUMÁRIO: Ao princípio da manhã, Sérgio Vito chega a um dos cafés da ilha da Culatra e não segue o ritual de tomar a "bica", no despertar para mais um dia. O que pede é uma "cervejinha" para "limpar o sal da garganta", porque já carrega muitas horas de trabalho a mariscar e sente a necessidade de um gole de frescura. O pescador, de 53 anos, afirma que foi apanhado por uma doença que dizem ser de "gente rica", mas que pelos vistos toca a todos. "Não aguento as dores nos pés, doem-me as articulações", queixa-se a quem o quer ouvir.
TEXTO: Após ter passado duas noites sem dormir, foi às urgências do Hospital de Faro, e nem foi preciso médico para que lhe fosse feito o diagnóstico. "Quando disse que era da Culatra, uma enfermeira virou-se para mim e apontou - pois claro! marisco e cerveja em excesso dá nisso, ácido úrico elevado. "Na verdade, Sérgio Vito não ficou surpreendido, visto que a sua doença é "natural" nesta ilha, onde há marisco em abundância e a bebida também não falta. Jogadores de foraNa extensão da Culatra do Centro de Saúde de Faro, o enfermeiro Abrantes, enquanto o pescador aguarda pela consulta, comenta: "Esta é a terra onde se bebe mais cerveja em Portugal. " Sérgio Vito contra-ataca: "Olhe que vêem muitos jogadores [bebedores] de fora. O enfermeiro ri, e deixa cair uma confidência. "No ano passado, em Setembro, também andei à rasca com o ácido úrico", acrescentando que, também ele, é um apreciador dos muitos petiscos da ria Formosa. A funcionária administrativa da extensão do centro de saúde Maria Suzel, (tratada pelos doentes por Suzi) revela um segredo da ilha. "As mulheres, quando os homens se queixam com dores nas articulações, aproveitam para apelar à moderação no consumo de bebidas - quer dizer da cerveja. " Eles, é claro, "não ligam". O médico, de 62 anos, que só está a espera da publicação em Diário da República para passar à reforma, faz outra revelação. "Quando lhes falo da doença da próstata, que pode surgir a partir dos 50 anos, e dos medicamentos para evitar a cirurgia, perguntam - e isso não faz perder a potência [sexual]?" Os homens, diz, "têm muito medo de perder a potência. . . " João Mata Artur assume-se como um médico da "velha guarda", que não usa telemóvel. "Ainda faço a auscultação aos pulmões por ouvido, porque os aparelhos do Serviço Nacional de Saúde [SNS] são um pouco rascas. " Uma vez por semana dá consultas na extensão de saúde da Culatra e nos restantes dias presta serviço no Centro de Saúde de Olhão, onde possui uma lista de mais de 1800 doentes. Na passada sexta-feira, deu 18 consultas na ilha. Já passava das 13h00 quando terminou, mas o serviço continuou, sem interrupção para almoço. A funcionária administrativa chegou com um monte de papéis, 37 pedidos de renovação de medicação e exames complementares. Uma hora depois, ainda se encontrava a preencher papelada. "Quando chegar o computador, isto ainda vai ser mais demorado, acredito que a malta nova se possa desembaraçar melhor pela via electrónica, mas eu prefiro escrever à mão, é mais rápido", observa. Oficialmente, é hoje mesmo que isso acontece. O Ministério da Saúde exige que, a partir do dia 1 de Agosto, os medicamentos, para serem comparticipados pelo Estado, terão que ser receitados através do computador. Falta saber se Mata Artur se encaixa nas quatro excepções que a lei prevê para a obrigatoriedade de o fazer e se poderá continuar a prescrever os medicamentos à mão. No futebol foi guarda-redes"D. Verónica?", O médico sai do consultório a chamar pela paciente, que se encontra na sala, de braços caídos sobre os joelhos e olhar pregado no chão da sala. "Sofro de uma depressão há seis anos, devido a problemas familiares", justifica, a propósito do motivo da consulta. "Venho cá para que o médico me mande fazer uns exames à cabeça, ando com grandes dores de cabeça. " No final das consultas, Mata Artur admite que também ele fica deprimido por lidar com tantos problemas. "Fico muitas noites sem dormir a pensar nos doentes, tenho medo de falhar", nota o médico, com 36 anos de carreira profissional.
REFERÊNCIAS:
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