Memórias de um dia com pouca história no Sudoeste
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.18
DATA: 2011-08-07
SUMÁRIO: A meio da noite, quando Marina Gasolina, a ex Bonde do Rolê, se enfrascava em palco e pedia ao público para “mexer a bunda” ao som do seu rock desbocado e “apunkalhado”, chovia um orvalho abundante na Herdade da Casa Branca, às portas da Zambujeira. Não sendo inédito na história do Sudoeste, é acontecimento raro. Nada de preocupante. Entre os 48 mil presentes, até houve quem improvisasse capas de plástico, mas a maioria, porque Verão é Verão e nem estava tanto frio quanto isso, continuou a sua vida de festival sem sobressaltos.
TEXTO: Esperavam-se os Scissor Sisters, nome forte da noite de sábado, aumentava a fila para a montanha-russa, passeava-se pelo recinto e pelas muitas bancas e barracas com outras tantas actividades de Feira Popular (mas com patrocinadores) ou dançava-se no Good Vibes, o palco reggae que, como sabemos há muito, é um festival dentro do festival. Se, nos dias anteriores, havia a curiosidade para ver Snoop Dogg e, principalmente, Kanye West, nomes grandes e atípicos nos festivais de Verão portugueses, sábado não teve destaques óbvios. Foi mais um dia de Sudoeste, e da “experiência” Sudoeste que leva à Herdade na Zambujeira uma maioria de adolescentes sempre muito excitados na sua adolescência, mas também pais e mães com as suas crianças e casais de meia-idade olhando curiosos o espectáculo em volta. Neste contexto, ainda assim, acabaram por sobressair os Scissor Sisters. Gigante pista de dançaDepois de um dia atribulado que envolveu uma perda de bagagem pelo meio – Ana Matronic ficou sem lentes de contacto e maquilhagem, mas a solidariedade do resto da banda providenciou os bens em falta -, a banda subiu a palco e foi exactamente o que dela se esperava. Muito disco-sound, uns pós de glam, homoerotismo q. b . e um arzinho de provocação sexual que, felizmente, já não é coisa que choque quem quer que seja. Festa com os êxitos todos. Take your mama, a versão de Comfortably numb, dos Pink Floyd, e Tits on the radio, do primeiro álbum, Scissor Sisters. I don’t feel like dancing, de Tah Dah, o segundo, ou Running out, do último, Night Work. Ah, claro, e essa Fire with fire que serviu para o público, seguindo as instrucções projectadas nos ecrãs de palco, erguer em delírio as tesouras-pernas (o logótipo da banda) que um dos patrocinadores vem distribuindo desde o início do festival. Com Jake Shears correndo em tronco nu pelo palco e exibindo os falsetes da voz, com Ana Matronic a comandar as operações com graça e autoridade, os Scissor Sisters deram um verdadeiro concerto de festival. Muito exuberante visualmente, muito camp, muito enérgico. A música não deslumbra nem surpreende: é como que o efeito bola de espelhos numa pista de dança; ei-la que roda e, por mais vezes que tenhamos assistido à cena, lá deixamos escapar um sorriso perante aquela excêntrica luz pop a resvalar para prazer culpado. Mas, apesar de um certo ar de festa, não se pode dizer que o concerto tenha inflamado verdadeiramente o público do Sudoeste. Para ver o recinto transformado em pista de dança gigante teríamos de esperar pelo set do homem que encerrou a noite no palco principal, David I Got a Feeling Guetta. E para assistir a um momento de nervo, musicalmente superlativo, teríamos que recuar umas horas e aterrar no palco Planeta Sudoeste, onde King Khan & The Shrines deram um concerto admirável para uma escassa centena de pessoas. Do alto da sua camisa de lantejoulas prateada, o canadiano radicado em Berlim liderou a sua banda de músicos tão talentosos quanto tresloucados por música onde cabem os espíritos de James Brown, Booker T & The MGs e Screaming Jay Hawkins, tudo pintalgado de colorido psicadélico e apresentado em aceleração rock’n’roll. Os poucos que estavam, deixaram-se conquistar sem oferecer resistência – o carisma de Khan é realmente irresistível. Lounge de elevadorHoras depois, o cenário transformava-se. Tenda cheia para receber os Nouvelle Vague que, depois de transformarem clássicos punk e new-wave em lounge de elevador, perceberam o sucesso de que gozam cá na terra e aplicaram a mesmo receita a canções portuguesas da década de 1980, como Cavalos de corrida, Só gosto de ti ou Portugal na CEE - delas será feito um novo álbum -, e trouxeram com eles Rui Pregal da Cunha e as actrizes Dalila Carmo e Inês Castel-Branco. Tudo muito inofensivo, muito música de fundo para dias felizes, sempre felizes, e muito banais. Precisamente o contrário do que víramos antes, quando a noite ainda não caíra.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homem sexual