Reportagem: Uma casa para quem foge à guerra e à violência
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-09-20
SUMÁRIO: Chukwuemeka acabou de chegar, saiu da Nigéria com medo de ser assassinado. Nasri é palestiniano mas não conhece a Palestina, era ainda bebé quando os pais fugiram para a Síria, há 63 anos. Foi para eles, e tantos como eles, que o Conselho Português para os Refugiados foi criado, faz hoje 20 anos.
TEXTO: Em cima da secretária há uma placa de madeira que tem o seu nome esculpido: Nasri. Ele é a primeira pessoa que se vê ao passar a porta, é dele a voz que atende o telefone. Nasri é um sorriso que quase nunca se desfaz. Talvez poucos empregos lhe dessem tanto prazer como este em que é recepcionista no Centro de Acolhimento para Refugiados da Bobadela, a 15 quilómetros de Lisboa. Aqui recebe todos os que, como ele, um dia pediram asilo a Portugal. Entre um telefonema que chega e um recado, Nasri, “só Nasri”, vai contando a sua história. É refugiado há 63 anos, tem 64. Os pais levaram-no ainda ao colo para a Síria durante a guerra entre judeus e árabes de 1947, pouco antes da formação do Estado de Israel. Nunca foi outra coisa senão refugiado, e em 2005 até da Síria teve de partir, num barco de mercadorias rumo a Portugal. A cidade onde nasceu, Safad, é hoje território israelita. Acabou por fugir da Síria por “problemas políticos” de que prefere não falar. Seis anos depois de ter chegado a Portugal, olha “com tristeza” para a repressão das autoridades de Damasco. “Mas não é uma tristeza de hoje, é de há 40 anos. ”Nasri foi recebido no centro de acolhimento da Bobadela, de onde chegam da cozinha cheiros de comida de todo o mundo. E quando se lhe pergunta como foi recebido, responde: “Sabe como é recebido um bebé? Foi assim. Cheguei aqui e nasci. ” Nunca teve passaporte, só os documentos que se dão aos refugiados para poderem viajar. Um dia gostava de usar esses papéis para voltar à Palestina que nunca conheceu. Deixemo-lo atender o telefone, que voltou a tocar, e sigamos o cheiro. Na cozinha do centro de acolhimento há vários tachos no fogão, ouvem-se muitas línguas. Dois marroquinos conversam no terraço voltado para Tejo, talvez à espera que o almoço fique pronto, um miúdo iraquiano joga computador e uma menina da Guiné-Conacri, que não terá mais de dois anos, passeia de colo em colo. É o benjamim da casa e não pára de rir e acenar. No centro de acolhimento da Bobadela são instalados todos os que chegam à fronteira e pedem asilo. Só dois ou três meses, até que se encontre uma casa ou quarto. Há famílias e miúdos sozinhos. No final de Agosto viviam aqui 55 pessoas. À segunda-feira é dia de lavar os lençóis e as toalhas, que são entregues na lavandaria do primeiro andar, junto aos quartos onde se alinham três ou quatro camas. Quem pede asilo não fica na rua, ainda que possa nunca vir a receber o estatuto de refugiado ou a autorização de residência por razões humanitárias. Isso é questão para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) decidir mais tarde, após entrevistas e um parecer do Conselho Português para os Refugiados. Para já, o que importa é o mais urgente: tecto e comida. Há alguma roupa para quem veio sem nada e uma pequena ajuda alimentar, o passe ou um cartão de telefone. E um pijama lavado, escova de dentes e chinelos. Por vezes, quem chega não via uma cama há muito tempo. Chukwuemeka está refastelado no sofá a ver televisão, tem 41 anos, chegou da Nigéria a 22 de Junho. Um conflito familiar fê-lo temer pela vida e um homem ajudou-o a apanhar um avião para Madrid. Não gostou que não entendessem bem o seu Inglês, e daí a Portugal foi um pulo. Diz que dormiu na rua 12 dias até ganhar coragem para entrar no SEF. “O meu pai tinha duas mulheres”, começa por explicar. “Quando morreu, a segunda mulher quis partilhar a herança mas o meu irmão mais velho recusou. ” Foi esse irmão, conta, que acabou por matar a segunda mulher do pai, e então a família dela ter-se-á vingado. “Matou um irmão meu e uma irmã. Fugi para não me matarem também. ”Chukwuemeka escondeu-se na casa de um homem que conhecia, em Lagos, e pensou na América ou em Inglaterra. Mas esse homem sugeriu-lhe Alemanha, comprou o bilhete e ficou-lhe com o passaporte. Quando o primeiro avião que apanhou aterrou em Madrid, desembarcou ali mesmo. “Agora estou aflito por causa da minha mãe. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades SEF