Director da Escola de Saúde Pública teme que doentes deixem de ser tratados
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-10-20
SUMÁRIO: O director da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Universidade Nova de Lisboa, admitiu a possibilidade de começarem a surgir doentes sem tratamento por falta de dinheiro.
TEXTO: “Vamos sentir sem dúvida uma maior pressão sobre os profissionais que trabalham nos hospitais, que têm que prestar cuidados em situações em que existe falta de dinheiro, e podemos assistir a doentes que não chegam a ser tratados por falta de recursos financeiros”, admitiu João Pereira, em entrevista à Lusa, referindo-se às consequências das medidas propostas no Orçamento do Estado para 2012. Para João Pereira, não está em causa o desaparecimento formal do Serviço Nacional de Saúde (SNS), contudo, refere, que as medidas actuais “são de tal forma fortes” que “dentro de quatro ou cinco anos” o sistema será muito diferente do actual. “Isto leva-me a crer que em termos formais continuaremos a ter um Serviço Nacional de Saúde pago através de impostos, mas que deixará de ser tendencialmente gratuito no ponto de consumo, para ter uma compartição cada vez maior dos cidadãos”, defendeu, sublinhando que se está a assistir “a uma enorme descapitalização do sistema público de saúde”. Para o director da ENSP, as alterações ao SNS vão trazer “dificuldades de acesso a cuidados de qualidade”, o que levará “as pessoas a procurar outro tipo de cuidados, ou se não tiverem essa possibilidade, a adiar o consumo de cuidados quando tiverem situações clínicas mais onerosas para tratar”. Segundo João Pereira, a contribuir para o decréscimo de qualidade nos serviços do SNS estará o facto de vários profissionais de saúde poderem trocar o serviço público pelo sector privado. Da comparticipação da pílula aos rastreiosReferindo-se a algumas medidas mais concretas, o director da escola considerou que a “não comparticipação da pílula pode trazer um risco de saúde pública muito importante” e que a possibilidade de a vacina contra o HPV deixar de ser comparticipada é difícil de resolver. “É uma situação difícil com a qual se depara o SNS. Fez-se um investimento numa vacina muito cara e normalmente não fazemos investimentos com esse horizonte temporal. Pensamos muito mais no curto prazo”, referiu, salientando que com um bom sistema de rastreio poderiam ser conseguidos ganhos em saúde, menos dispendiosos. No entanto, João Pereira alertou para o facto de o rastreio não ser a solução para todos os problemas, nomeadamente quando se recorre a esta solução em excesso. “Não é certa a noção de que por vezes fazer rastreios, fazer prevenção, é melhor do que curar. Os próprios rastreios trazem problemas. São dispendiosos e retiram-nos recursos que podíamos usar para tratar pessoas que estão doentes”, disse. O director da ENSP chamou a atenção para o facto de também serem levantados “problemas de sobrediagnóstico”. “No caso da mamografia, há mulheres que são alvo de cirurgias apesar de provavelmente nunca virem a desenvolver uma doença ao longo da sua vida. Podiam viver até aos 150 anos que nunca se iria desenvolver”, explicou. João Pereira teme também que o actual contexto de crise em Portugal aumente os problemas de saúde mental e as doenças associadas a uma alimentação inadequada. “Creio que o impacto das alterações pelas quais estamos a passar actualmente será ao nível da saúde mental e ao nível também de algumas doenças associadas a consumos alimentares de menor qualidade”, afirmou. E sublinhou que, perante a crise, “as pessoas podem substituir comida mais saudável por comida mais barata, o que poderá trazer perigos de saúde”. Referindo-se à aplicação de sistemas de vigilância epidemiológica, João Pereira disse que existem investigadores que sustentam que “em momentos de crise económica o nível de saúde da população decresce”. “Um acompanhamento epidemiológico da população poderá ser altamente recomendável para verificar que não estamos a atingir níveis preocupantes de perda de saúde e até de aumento de mortalidade para a população portuguesa”, assinalou o também especialista em economia da saúde.
REFERÊNCIAS: