Mutilação Genital Feminina: realidade em Portugal é ainda pouco conhecida
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento -0.09
DATA: 2012-02-06
SUMÁRIO: Lisa Vicente é médica ginecologista e conta que já lhe passaram pelas mãos várias mulheres vítimas de mutilação genital feminina (MGF). A nível nacional, a prática mais comum é a clitoridectomia, ou seja, a remoção total ou parcial do clítoris ou da pele que o cobre. Assinala-se hoje o dia internacional de tolerância zero à mutilação genital feminina. Em Portugal ainda não há números, mas a responsável pelo departamento de saúde reprodutiva da Direcção-Geral da Saúde (DGS) garante que o facto de não existirem dados estatísticos “não significa que [a MGF] não seja uma realidade”. A médica afirma que ainda há uma “face oculta” na sociedade, que faz com que mulheres vítimas de mutilação não queiram dar a cara.
TEXTO: Na conferência promovida pela comissão para a cidadania e igualdade de género (CIG), que decorre hoje em Lisboa, Lisa Vicente vai apresentar as linhas orientadoras para o combate nacional à MGF. O primeiro programa nacional para a eliminação desta prática foi lançado em 2009. Entretanto já vamos no segundo programa, que está em vigor até 2013 inserido no plano nacional para a igualdade de género, cidadania e não discriminação. A mesma responsável da DGS declara que “a educação é crucial”, porque “os próprios profissionais de saúde às vezes não sabem muito sobre a MGF, como orientar as mulheres ou como falar com elas”. “É preciso dizer que isto existe”, diz a médica da DGS, acrescentando que “se uma pessoa não estiver atenta [a MGF] pode passar despercebida”. No sentido de ajudar os profissionais de saúde a “procurar” estes casos e a saber orientá-los, foram já traduzidos diversos documentos e promovidas acções de formação. A Associação para o Planeamento da Família (APF) e a Amnistia Internacional Portugal (AI) têm tido neste campo um papel importante, tentando sensibilizar a população através da elaboração de estudos e promoção de workshops e acções de formação (através de uma campanha a nível europeu). AAPF faz o trabalho de campo e lida com as vítimas, pelo que Yasmine Gonçalves, da associação, antecipa que as directrizes da DGS poderão ser “um empurrão” para que se perceba o real impacto da MGF em território nacional. A responsável explica que ainda não é possível ter dados estatísticos sobre a prevalência nacional porque os trabalhos na área têm sido feitos junto dos profissionais de saúde, e não das populações. “Tem de haver uma sinalização dos casos”, refere. Yasmine Gonçalves considera que neste momento importa saber qual o panorama da prevalência, para que se possa actuar junto das comunidades que defendem esta prática e que, em Portugal, serão sobretudo as de origem guineense. O papel da AI prende-se com a promoção de acções de sensibilização e actividades de lobbying. Ana Ferreira estabelece como prioridade a ratificação portuguesa da convenção do conselho da Europa para a prevenção e combate à violência doméstica que, defende, traz “alterações sérias” da política de igualdade de género, especificamente das práticas de MGF. A responsável também refere a comunidade guineense como a “mais praticante” em Portugal, pelo que a AI trabalha junto de associações guineenses para “tentar envolver a comunidade e promover a alteração cultural”. Ana Ferreira afirma que “existe uma dinâmica de grupo que é muito difícil de combater e medo do que possa acontecer” a quem fizer queixa do vizinho. Um dos pilares da campanha da AI é a exigência da recolha de dados estatísticos focados na realidade de cada país. “O progresso é muito lento, tão lento que ainda não temos consciência da realidade do país”, lamenta. A mutilação genital feminina inclui procedimentos que alteram intencionalmente os órgãos genitais femininos por motivos não médicos, não tendo qualquer benefício para as mulheres. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 140 milhões de raparigas e mulheres em todo o mundo tenham sido submetidas a esta prática. A MGF é mais comum nas regiões oeste, este e nordeste de África, em alguns países da Ásia e do Médio Oriente, e entre migrantes destas áreas. Os motivos para este tipo de mutilação são vários, incluindo causas culturais, religiosas e sociais enraizadas nas comunidades. É considerada uma forma de iniciação da rapariga à idade adulta, bem como uma preparação para o casamento através daquilo que se considera ser um “desencorajamento” da infidelidade. Os órgãos sexuais são, nestas comunidades, considerados “sujos” e próprios dos homens, daí que a sua remoção contribua para a “limpeza” da mulher.
REFERÊNCIAS:
Entidades OMS