Reportagem: Beja não tem memória de um crime tão hediondo como este
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-02-15
SUMÁRIO: Pai da família é hoje ouvido pelo juiz como principal suspeito da matança de mulher, filha e neta. Nem animais domésticos escaparam à fúria do homicida.
TEXTO: Vestido de negro da cabeça aos pés, entra no snack-bar de paredes garridas do casal ucraniano e pede um bitoque para almoço. Meia dose, que não está com muito apetite. Por esta altura já os corpos de Benvinda, a mulher, Cátia, a filha de 28 anos, e Maria, a neta de cinco, jazem há vários dias sem vida na vivenda que lhes tem servido de casa nos últimos anos. Como não o conhecem por aqui, ninguém lhe estranha a cor da farpela. Francisco Esperança insiste em comer ao balcão em vez de se sentar à mesa e vai emborcando cervejas umas atrás das outras. Um cliente habitual da tasca, Carlos Paquete, conta seis. Um dia depois ainda lhe martelam na cabeça as palavras do outro: "Sabe quanto tempo tenho de vida? Três meses. Tenho um cancro nos intestinos que alastrou aos pulmões. É por isso que estou a beber. Prefiro viver dois meses à minha maneira que os três que os médicos me deram de vida". Não fala nunca na família. "Teve um comportamento normal, simpático", recorda Carlos. Só quando vê as imagens televisivas de Francisco a sair de casa em tronco nu, algemado pela polícia, Carlos Paquete descobre que o desconhecido que meteu conversa com ele escassas horas antes é o principal suspeito do crime mais macabro de que Beja tem memória. Os corpos das duas mulheres e da menina de cinco anos foram desfeitos com uma catana. Nem os animais domésticos, o cão e um gatito, escaparam à fúria do homicida. Só quando vê as imagens Carlos percebe que as calças, as camisas e o blazer negro do antigo funcionário bancário eram, afinal, de luto. Família problemáticaÀ porta do tribunal de Beja, algumas dezenas de pessoas esperam a chegada de Francisco, que passou a noite nos calabouços depois da descoberta dos três cadáveres. A cidade está em estado de choque - não se fala noutra coisa. Toda a gente viu o homem de 59 anos a cirandar por ali nos últimos dias, a fazer as coisas que sempre tinha feito. A beber demais como nunca tinha conseguido parar de fazer, por muito que tivesse tentado. Era o seu pecado - até agora só lhe conheciam esse e mais o do desfalque, e esse tinha passado tanto tempo que até quase já se havia tornado motivo de galhofa. Há 20 anos, quando trabalhava no Crédito Predial Português, fugira com 35 mil contos (175 mil euros). Acabou por se entregar depois de andar anos escondido, e até o curso de Direito conseguiu tirar na cadeia. Quando o libertam, a filha já se tornou adolescente. Bonita e namoradeira, acaba por ser mandada estudar para Lisboa. Anda cá e lá. Também viaja com o pai até ao Algarve, onde a família tem uma loja. Engravida. A família resguarda-se, não dá confiança a ninguém, mas os testes de paternidade acabam por ser motivo de falatório: "Deram todos negativo". Homem de poucas falas, excepto quando bebia, Francisco não era tido como mau pai de família. Uma sobrinha sua que mora na Amadora, em casa de quem ficou várias vezes quando ia fazer tratamentos ao Instituto Português de Oncologia, dá uma resposta enigmática quando se lhe pergunta sobre o tio: "Toda a vida tem sido uma peste. Era bom marido e bom avô". Quando lhe nasceu a menina de paternidade incerta, Cátia voltou a morar com os pais na pacata vivenda da Rua de Moçambique, onde todos se recordam de ver Francisco a passear com a neta no ameno jardim pegado às moradias. "Sempre apoiou a filha solteira", recorda um vizinho, Ricardo Maio. Também por isso, a vizinhança nunca soube as razões de a rapariga se ter atirado da janela do segundo andar abaixo, vai para pouco mais de um ano. "O pai embebedava-se, a filha tentava matar-se. Era uma família um pouco problemática. Mas nunca notámos nenhuns sinais de violência", diz o mesmo vizinho. Uma vida (quase) normal
REFERÊNCIAS: