"O desemprego não é uma doença infecto-contagiosa"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-03-26
SUMÁRIO: O desemprego nunca apanhou tanta gente em Portugal. Manuela Almeida carrega-o, como um fardo. Parece demasiado pesado para os 50 anos que a antiga administrativa acaba de fazer. Ainda pensou que a exposição a que se sujeitou no projecto "Um ano na crise", que hoje chega ao fim, lhe abrisse alguma porta. Recebeu mensagens de apoio, comoveu-se com elas. Mas não teve qualquer oferta consequente, apenas uma ou outra esperança vã.
TEXTO: Agrada-lhe que os vizinhos não se tenham dado conta da sua situação crítica ao ler o PÚBLICO. "Continuo a sair e a entrar em casa como se tivesse trabalho. Neste país quem é desempregado é ostracizado. Quantas mais dificuldades temos, pior somos tratados. . . em qualquer lado. [Sinto- -o] todos os dias. O desemprego não é um vírus, uma doença infecto-contagiosa!" Não é só o rendimento que vai com o emprego. "Os amigos também desaparecem", diz Sandra Fonseca, membro de outra das quatro famílias acompanhadas pelo PÚBLICO. A rapariga de 30 anos, mãe de dois miúdos, perdeu "quase tudo" com o fecho do snack-bar que explorava, perto de Faro. A família desmembrou-se. Os laços de solidariedade que julgava serem eternos desataram-se. "Procuro, desesperadamente, um novo trabalho. " Sandra ainda teve uma oportunidade: um trabalho precário numa empresa de limpezas. Ganhava pouco mais do que o ordenado mínimo, mas, com os 212 euros de pensão de invalidez do companheiro, Luciano, o orçamento familiar "compunha- -se". Três meses depois, perdeu-o. Desempregado, o mecânico "andava muito deprimido". Um dia, Sandra sugeriu-lhe que a acompanhasse. Ela foi arrumar os quartos. Ele esperou-a perto da piscina. O calor apertava. Ele arriscou: tirou a roupa, saltou para a água. E esse "crime" resultou numa pena dura: ela foi despedida. Era Verão. Foram meses terríveis. Só há pouco arranjou umas limpezas numa fábrica a 2, 80 euros por hora. "Não chego a ganhar o ordenado mínimo. "Manuela não culpa quem está à margem do mercado de trabalho, como um pedaço de comida na beira do prato. Sabe que o desemprego bateu recordes: no final de 2011, 405, 5 mil pessoas estavam desempregadas há mais de um ano. No final do ano, a taxa de desemprego atingiu os 14%. Nessa estatística cabiam 771 mil pessoas. Só que a realidade era mais dramática. Havia já então 203 mil pessoas que pretendiam trabalhar, mas não tinham procurado emprego nas três semanas anteriores ao inquérito do Instituto Nacional de Estatística (inactivos disponíveis), e 83 mil que tinham desistido de procurar por acharem que não tinham lugar no mercado de trabalho ou que não havia empregos disponíveis (inactivos desencorajados). Com eles, o número de desempregados alcançava 1, 057 milhões. À medida que o fenómeno vai afectando as várias faixas etárias nos diversos estratos sociais, Manuela sente que o estigma dá sinais de diminuir: "Nós só sabemos dar valor e ser justos quando sentimos na pele. " Sérgio Aires, responsável pelo Fórum não Governamental para a Inclusão Social, partilha a teoria que a vida dela constrói, mas remete-a para o futuro. Nos início dos anos 1980, recorda o sociólogo que dirige o Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, ser toxicodependente era "altamente penalizante". Com o tempo, o fenómeno ganhou uma dimensão tão grande que não há quem não tenha um familiar ou um amigo ou um conhecido afectado. "Começou- -se a relativizar. Com a pobreza pode acontecer algo assim. As pessoas vão perceber que não é um problema individual, que não é uma questão de más opções ou de falta de sorte; é um problema estrutural. " As notícias não são boas. Os analistas já dizem que 2011 terá sido, apenas, um aperitivo. Este ano, o Governo e a troika estão a prever uma recessão mais profunda (-3, 3%, nas últimas previsões da Comissão Europeia). Adivinha-se menos consumo, menos investimento, mais desemprego. "Nada é seguro"A sensação "de que nada é seguro ou certo" instalou-se até na casa de José e Clara Lourenço, uma família de classe média alta residente em Coimbra. Sem cederem a luxos, viviam despreocupadamente. Agora usam a palavra "medo" para se referirem ao futuro, embora a corrijam, embaraçados. Estão sempre a conter-se nas queixas. "Por pudor. "
REFERÊNCIAS:
Entidades TROIKA