"Sou uma mãe que também perdeu um filho. Queria dizer-lhe que ainda vai ser feliz"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.8
DATA: 2012-08-19
SUMÁRIO: Foi há 25 anos que Emília Agostinho perdeu o filho de sete anos num acidente de automóvel no centro de Lisboa. Hoje preside a uma associação que apoia pais em luto.
TEXTO: Como é ser pai ou mãe pela primeira vez? De uma criança saudável ou de outra menos saudável? Como é ser pai de um filho que se mete em problemas ou de outro que é sobredotado? Como é ser mãe e não ter ninguém com quem partilhar o crescimento do filho? Ao longo desta semana, o PÚBLICO abre a cortina e espreita a vida dos pais portugueses"O meu filho andava num colégio em Alcântara, em Lisboa, e o pai trabalhava também em Alcântara. Era bancário. Vou contar um pouco do que o meu filho me disse antes de morrer. O meu filho começou com sete anos a falar de morte. Falava muito insistentemente. Dizia que ia morrer. E eu dizia: "Pois vais, vamos todos, um dia". - Oh mãe mas eu vou morrer agora. - Ó Rodrigo não digas isso. Já viste o que era a mãe ficar sem ti? - Ó mãe, tu deixas de me ver, passo a ser invisível, mas eu vejo-te. - Rodrigo, pronto. Vamos acabar com esta conversa. - Mas mãe, é verdade. E vou para um sítio muitoooooo lindo. Muito verde. - Mas como é que tu sabes? - Porque eu às vezes de noite vou lá, converso com Jesus e ele já me explicou tudo. Aquilo começou a intrigar-me. Até pensei que, se calhar, seria bom levá-lo a um psicólogo. " Rodrigo morreu numa segunda-feira de Janeiro. Na véspera, domingo, Emília Agostinho convidou uma amiga dele para passarem o dia juntos. Brincaram, almoçaram, lancharam, brincaram mais, até praticamente à hora do jantar. Rodrigo estava contente, tinha sido um dia feliz e, no dia seguinte, ir-se-ia embora para sempre, disse à mãe. A conversa ficou assim. Antes de dormir ainda lhe pediu que comprasse uma prenda para a professora. Na segunda-feira Rodrigo parecia abatido. Emília levou-o ao colégio, depois foi trabalhar, mas sentia um "aperto no coração" e telefonou ao marido. Pediu-lhe para dar um salto à escola e confirmar que estava tudo bem com o menino. Estava. Mas o pai decidiu, ainda assim, ir buscá-lo à hora de almoço e deixá-lo na casa da avó. Pouco depois, Emília recebia um telefonema. Alguém explicava que tinha havido um acidente. Emília descreve, com detalhe: "Um colega foi comigo ao Hospital de São José, mas às duas por três desapareceu. Eu andava ali para trás e para diante, não me diziam nada, o meu colega tinha desaparecido - não tinha desaparecido, estavam a dizer-lhe o que tinha acontecido e ele não sabia o que fazer. Fui a um guiché, havia um rapaz novo, perguntei: - Olhe desculpe, mas desapareceram-me as pessoas com quem eu vinha. Ninguém me diz nada. Deu aqui entrada um pai e um filho, por causa de um acidente? - O que é que a senhora lhes é? - Sou a mulher e a mãe do menino. Ele baixou a cara. Entretanto, o meu colega viu-me no guiché e veio ter comigo. - Emília, não adianta. O seu filho está morto. Foi assim que o meu colega me disse. Coitado. A forma como ele me disse é horrível, mas foi como lhe saiu. Não me lembro muito bem o que aconteceu de seguida. Uma mãe tem imensa força. . . Ele, que é altíssimo, mais dois bombeiros, tentavam agarrar-me e não conseguiam. Queria ver o meu filho. Depois veio um médico. Trouxeram-me um copo com água, um copo com água turva. . . " O que se segue não é claro na memória de Emília. Lembra-se de se sentir a ficar sem acção, por causa do medicamento que turvava a água, de a levarem para casa dos pais, da empregada lhe perguntar "Então menina?", de ela responder "Morreram os dois", de passar o resto do dia num sofá. Foi há 25 anos que Emília perdeu o filho, com sete anos, e o marido, com 35, num acidente de automóvel no centro de Lisboa. A bola dos matraquilhos
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte escola filho mulher criança morto