O que fazem seis vacas no fundo do mar? Estão à espera de cientistas portugueses
MINORIA(S): Animais Pontuação: 12 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-08-24
SUMÁRIO: Talvez seja difícil acreditar que no fundo do mar, a mil metros, ao largo de Setúbal e da ilha do Faial, repousam seis vacas, ou o que resta delas. Mas, sim, são mesmo vacas. E há razões - científicas - para alguém as ter lançado de navios, borda fora, já mortas e presas a blocos de cimento, há cerca de um ano.
TEXTO: Esperam, desde então, pela visita de cientistas portugueses. O que terá acontecido às carcaças dos animais? Terão sido completamente comidas? Ainda restarão ossos? A única maneira de encontrar respostas seria mergulhar com um veículo até à profundidade onde os blocos de cimento caíram com as vacas agarradas, e foi isso que agora aconteceu com o robô submarino Luso, da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC). A caminho de nova campanha para reforçar os dados da proposta de alargamento da plataforma continental portuguesa para lá das 200 milhas, na zona dos Açores, com o navio Almirante Gago Coutinho, da Marinha portuguesa, o Luso fez nesta quarta-feira à tarde um mergulho de teste ao largo de Setúbal – e aproveitou-se assim para saber o que sucedeu às cinco vitelas, ou 570 quilos de carne e osso, que foram aí lançadas em Março de 2011. A sexta vaca, afundada em Agosto de 2011 no banco Condor, a sudoeste do Faial, ainda vai ter de esperar por uma visita, para depois se fazerem comparações entre os dois locais, onde a luz solar já não chega. Pelas imagens de vídeo captadas pelo Luso – comandado à distância, no navio –, pôde ver-se que só restaram ossos. Estão espalhados pelo fundo do mar, ao lado do cimento. Mas não foi fácil encontrar o que resta das vacas e, por isso, o mergulho do robô durou seis horas, como conta Ana Hilário, bióloga da Universidade de Aveiro, que coordena este projecto, feito em colaboração com Ana Colaço, do Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores. "Demorámos muito tempo a encontrar o local, porque, quando fundeámos as vacas, devemos ter apanhado alguma corrente forte que arrastou a poita para longe do local exacto onde estava o navio", relata Ana Hilário, a bordo do Almirante Gago Coutinho. Mas quando deram com o local, as imagens recebidas estavam longe da desolação. "Os ossos estão cheios de vida!", diz Ana Hilário. O que a deixou contente, tendo em conta os objectivos deste projecto, o Carcace, que estuda a colonização de carcaças de mamíferos no Atlântico profundo. "A ideia é simular o afundamento de uma baleia. Quando morre, uma baleia cai no fundo marinho e sustenta os ecossistemas vários anos. "O que se passa a seguir ao afundamento de uma baleia, ou de vacas, decorre em pelo menos três fases, dizem estudos semelhantes para o Pacífico. O primeiro estudo do género foi nesse oceano, nos anos de 1980, quando se descobriu, por acaso, uma baleia morta. A partir daí, conta Ana Hilário, afundaram-se outras já mortas. Neste século, estudou-se uma ao largo da Suécia, mas só a 30 metros - por isso, este trabalho sobre a deposição de matéria orgânica no oceano é inédito para o Atlântico profundo. Nos Açores, a bióloga Ana Colaço já pôs uma baleia-piloto a 200 metros de profundidade, próximo do Faial: "Quando lá fomos com o ROV [robô submarino] do DOP, que vai até 300 metros, vimos a poita que afundámos, mas não encontrámos nem ossos, nem nada, o que nos leva a crer que foi comida por um tubarão. "Há vida para lá da morte de uma baleiaPrimeiro, chegam os predadores, como tubarões e peixes grandes, que arrancam bocados de carne da baleia. "Caem pedaços de tecidos moles nos sedimentos, que os enriquecem com matéria orgânica", explica Ana Hilário, referindo-se à segunda fase de colonização de um ecossistema formado por uma carcaça. "Finalmente, quando a matéria orgânica se decompõe, há compostos de enxofre, o que faz com que esse local seja propício à ocorrência de quimiossíntese e de bactérias quimiossintéticas. Há um ecossistema semelhante às fontes hidrotermais, em que a produção primária [de açúcares e proteínas] não depende do Sol e da fotossíntese, mas do uso dos compostos de enxofre por estas bactérias. "
REFERÊNCIAS: