Michael Cimino não acha graça a "ser famoso pelas piores razões"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0
DATA: 2012-08-31
SUMÁRIO: Michael Cimino esteve em Veneza a revisitar o filme que fez a sua fama infame: Heaven's Gate (As Portas do Céu, 1980). A versão original da obra foi restaurada pela Criterion.
TEXTO: Silhueta juvenil, instalada na androginia, Michael Cimino, de 73 anos, sobreviveu a uma viagem de vaporetto para o Lido, ele que odeia barcos. O que é isso para quem sobreviveu a Heaven's Gate (As Portas do Céu, 1980)? "Lost for words", disse, e começou por isso a divagar. A lembrar-se de um há muito, muito tempo, quando numa anterior edição do festival se declarou a uma rapariga ("estava ali", apontou para a sala). "Será que ela se casou?", perguntou, inventando uma miragem e assim fazendo com que inventássemos a memória de Kris Kristofferson, no seu iate, no final de Heaven's Gate, a chorar pela miragem de Isabelle Huppert. E depois: "Não tem graça ser famoso pelas piores razões: torna-se uma ocupação esquisita", disse, antes de o director do festival, Alberto Barbera, lhe entregar, ontem, o Prémio Persol 2012, que reconhece "uma das mais intensas e originais vozes do cinema americano". A seguir, a apresentação da versão original desse Nascimento de Uma Nação niilista, dessa visão da América como terra fundada na violência, na xenofobia e no extermínio social, nesse mergulho numa paisagem que cobra tragédia às figuras que nela se aventuram – 219 minutos restaurados pela Criterion. Unqualified disaster"Esquisito" foi o que Cimino se tornou nos últimos 30 anos, quando, no trauma do desastre comercial e crítico desse filme – o unqualified disaster que sentenciou Vincent Canby, do New York Times, foi agarrado por toda a gente, mesmo por quem não vira o filme –, definhou como cineasta até desaparecer de vista. Em 2001, a Vanity Fair convenceu-o a mostrar-se, o álibi era a promoção de um livro, e o retrato que fazia era o de um Howard Hughes destes tempos, com plásticas que tinham tornado irreconhecível aquele que era antes um dos corpos densos e rechonchudos do grupo dos italo-americanos dos movie brats. Mas estas não são as "piores razões". Essas são as que decorrem de Heaven's Gate: a fama de "megalomania", a calm, determined, relentless pursuit of the perfect, alguém descreveu, com que realizou, fazendo o orçamento passar de 12 para 40 milhões de dólares, e com que destruiu uma companhia, a United Artists, quando as bilheteiras não reagiram; ainda, o ter sido responsável por esse desastre exemplar, já que – simbolizando aquilo que, segundo alguns, era a bizarria dos tempos, os anos 70, Hollywood à mercê dos "autores" – Cimino ajudou a ditar com o fracasso o fim de uma era, o fim dos sonhos da geração dos movie brats. A História é irónica: a United Artists tinha sido formada por Chaplin, Mary Pickford, Griffith e Fairbanks para proteger o trabalho dos artistas e os espectadores do machine made entertainment. Que, nos anos 80, quando os empresários passaram a ditar o conceito dos filmes, se oficializou como regresso à ordem. Mas, como disse Francis Coppola, as corporações tomaram conta dos estúdios e da loucura que ia no asilo, mas com isso desapareceram as visões pessoais – e nem por isso os orçamentos baixaram. Na plateia, na sessão de ontem, estava Joann Carrelli, a produtora que esteve com Cimino durante o embate com a United Artists, quando o realizador, depois do sucesso e dos óscares de O Caçador, passou de bestial a besta. Foi ela que começou por ser sua agente, era ele realizador de publicidade em Nova Iorque. Foi ela que, nos últimos 32 anos, se bateu por tornar visível a versão original de Heaven's Gate, aquela que, depois do unqualified disaster, esteve em exibição apenas uma semana em Nova Iorque.
REFERÊNCIAS: